O comerciante Creony Damasco se surpreendeu, no final de novembro, quando foi pescar às margens do Rio Ratones, com a quantidade de esgoto sendo jogado na água. Ele estava embaixo de uma ponte na estrada de Jurerê (SC-402), no norte da Ilha, e desistiu da pescaria.
— Vim aqui no rio dar uma tarrafada igual fiz a minha vida inteira. Olha a quantidade de peixe que tem aqui. Eu podia ir ali dar uma tarrafada, mas não tenho coragem de entrar nessa água. Olha essa água podre! — reclamou o morador em um vídeo que gravou denunciando a situação.
A poluição vinha de outro rio, o Papaquara, que recebe os efluentes tratados pela Casan na Estação de Tratamento de Canasvieiras. A companhia garante que só o efluente tratado, com 95% de eficiência, é despejado no curso d’água. Já a prefeitura acredita que essa contaminação seja causada por ligações irregulares de residências que despejam seus dejetos in natura no rio ou o trabalho clandestino de algum caminhão limpa-fossa.
O grande problema, alerta o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), é que parte do Rio Ratones tem manguezal, e esse esgoto pode poluir a Baía Norte e as praias da Daniela e do Sambaqui.
O mangue de Ratones é protegido pela Estação Ecológica (Esec) de Carijós, que ocupa uma área de 760 hectares. Lá vive uma quantidade incalculável de animais silvestres como aves, peixes, crustáceos e jacarés. O chefe da Esec, Ricardo Peng, argumenta que o Papaquara é de classe especial, e a legislação não permite o despejo de efluente em suas águas. O ambientalista teme que, durante a temporada, quando a população do norte da Ilha aumenta em até quatro vezes, a estação não consiga tratar todo o volume.
— Aqui é uma área de proteção integral, dedicada exclusivamente à pesquisa. Não tem visitação, não tem trilha. É para ser uma área intocável. Mas de quê adianta ser intocada se a gente receber esgoto? — questiona.
Peng cita uma liminar da Justiça Federal de agosto que impede que a Casan despeje efluentes no Papaquara. O juiz Marcelo Krás Borges determinou que a companhia implemente, em seis meses, um tratamento terciário da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Canasvieiras e, em um ano e meio, uma alternativa de lançamento de efluente que não seja nos rios que desaguam na Estação de Carijós. Cabe recurso.
Também em agosto, a Casan foi multada em R$ 660 mil pelo ICMBio por conta de um vazamento de esgoto in natura durante o último verão em Florianópolis. Um relatório elaborado pelo instituto, com base em dados fornecidos pela própria Casan, concluiu que a ETE foi incapaz de tratar todo o esgoto que recebeu em pelo menos quatro oportunidades entre janeiro e março de 2017. O resultado foi um volume de mais de 33 milhões de litros de efluentes sem tratamento despejados no Papaquara.
Segundo o presidente da Casan, Walter Gallina, as exigências feitas pelo Ministério Público Federal e pela Justiça Federal já estão finalizadas. Para evitar problemas parecidos, foram instalados geradores em todas as 74 estações elevatórias de esgoto da Ilha, responsáveis por captar o esgoto e enviar para a estação de tratamento. Além disso, a ETE de Canasvieiras teve a capacidade aumentada em mais de 100 mil litros/segundo após o episódio da poluição no Rio do Brás.
Estação não despejou esgoto no rio
Na última quarta-feira, a reportagem visitou a ETE de Canasvieiras. O engenheiro químico da Gerência de Meio Ambiente da Casan Alexandre Trevisan mostrou o efluente que vai para o Papaquara. Trata-se de um líquido levemente amarelado. O engenheiro garantiu que o material que o pescador do Ratones registrou jamais sairia da estação.
— Aquele aspecto não tem nada a ver com o que a gente faz aqui. O que a gente faz é justamente o contrário, é pegar aquele esgoto, tratar e devolver em condições para a natureza.
Com relação à posição do chefe da Esec Carijós, de que o Papaquara possui classe especial que não permite o despejo de efluentes, Trevisan argumenta que quem faz essa classificação é a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, e que trata-se de um rio classe 2, que pode receber esse lançamento. Também afirma que o lançamento está autorizado pela licença ambiental da Fatma de operação da estação.
Sobre a expectativa para o verão, o engenheiro assegura que a Casan se preparou para esta temporada.
— A gente chega muito melhor que no ano passado, quando já não houve nenhum problema de repercussão.
Prefeitura diz que incentiva regularização
A prefeitura é o responsável pela fiscalização das ligações irregulares feitas na cidade. E conforme o superintendente de Saneamento e Habitação, Lucas Arruda, a estratégia da fiscalização para o inventivo à regularização mudou. O motivo? A falta de fiscais.
— Uma equipe consegue fazer seis fiscalizações por dia. Com cinco equipes, eu conseguiria fazer 30 por dia. Com 300 mil matrículas, eu demoraria 10 mil dias para fiscalizar toda Florianópolis. Com esses números a gente vê que a fiscalização não tem pernas para resolver o problema. Então a prefeitura mudou de postura e está incentivando a regularização.
Segundo Arruda, o governo municipal está abrindo duas frentes para esta temporada: uma onde há rede coletora de esgoto, através do convênio com a Casan no programa Se Liga na Rede, em que a prefeitura irá até a casa das pessoas executar as obras necessárias ou designará empresas responsáveis para o serviço. A segunda frente é onde não tem rede de esgoto. A prefeitura informou que está credenciando empresas que constroem sistemas individuais e irá até as regiões desassistidas orientar a população.
Bairros que não possuem tratamento de esgoto precisam construir fossas individuais e contratar uma limpa-fossa credenciada pela Casan. Jogar esgoto in natura em cursos de água é crime ambiental, previsto na Lei 9.605/1998.
(Hora de Santa Catarina, 22/12/2017)
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