Não é preciso esperar chegar o fim de semana, basta o sol se pôr, mesmo em dia útil, e a novidade da orla da avenida Beira-Mar Norte, em Florianópolis, começa a ficar disputada por candidatos a jogar vôlei, futevôlei ou qualquer esporte que demande rede e areia. Inaugurada em outubro, a quadra feita como um anexo da avenida só tem um porém: a União, dona da área, não foi avisada pela prefeitura de Florianópolis da novidade. Em nota, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), órgão responsável pela gestão de áreas do governo federal, afirma que a obra é irregular e que fará uma vistoria no local.
Informada pela reportagem do DC sobre a construção da quadra da esportes, a SPU explicou que, apesar da área ser cedida ao Estado desde a década de 1970, é preciso ter autorização da União para uso do local. O único projeto da prefeitura de Florianópolis que está sob análise do órgão federal é de 2016, ainda na gestão do ex-prefeito Cesar Souza Jr. (PSD), que prevê a reurbanização da orla, mas sem a construção de quadras de areia. Por isso, a assessoria de imprensa do órgão afirma que a quadra é irregular:
“O projeto foi enviado pela administração anterior e não inclui a construção de quadras de esporte. Assim, essa edificação é irregular, pois não foi autorizada pela SPU. Diante disso, a SPU-SC fará uma vistoria no local para confirmar o fato e notificará a Prefeitura Municipal para apresentar sua defesa.”
Até o fechamento da edição de terça-feira, a SPU não especificou quais tipos de sanções podem ser aplicadas e se a quadra pode acabar tendo que ser demolida.
Executivo municipal diz que órgãos dialogam
Questionada sobre a falta de permissão da União, a prefeitura afirmou, por meio de nota, que há um diálogo entre as partes envolvidas: “Todas essas medidas vêm sendo tomadas mediante diálogo entre os órgãos envolvidos, através de processo administrativo que tramita desde 2010 junto à SPU, compreendida a Certidão no 050/2010SPU; o Ofício no 645/CPSC-MB da Capitania dos Portos de Santa Catarina favorável ao projeto de revitalização; a Licença Ambiental de Instalação da Fatma, dentre outros.”
De acordo com o executivo municipal, a obra contou com a doação de areia do Sapiens Parque e o restante do material custou cerca de R$ 20 mil e tem origem em verba de multas ambientais e compensações ambientais autorizadas pela Floram. A assessoria de imprensa diz, ainda, que a construção foi um pedido da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Juventude.
O Sapiens Parque confirmou a doação de cinco caminhões de areia, de jazidas autorizadas pela Fatma, e informou que a ação totalizou cerca de R$ 4 mil. Em nota, o Sapiens ainda esclarece que a doação foi um “pedido da prefeitura, prontamente atendido, já que o objetivo do próprio Sapiens Parque é atender à comunidade, principalmente por tratar-se de projeto que fomenta o esporte e a convivência com a cidade.”
Legislação é subjetiva, afirmam especialistas
As quadras se inserem em um conjunto de obras recentes da prefeitura – como a reforma do Parque de Coqueiros, ao custo de R$ 220 mil – que estão sendo feitas com dinheiro de doações de empresas e multas da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram), depositado no Fundo de Meio Ambiente Municipal (Funambiente), de acordo com a própria gestão. Para especialistas, no entanto, a subjetividade da legislação para o uso de verba de multas ambientais abre espaço para obras que pouco contribuem para o meio ambiente, como a troca de brinquedos em um parque de crianças.
Discussão sobre uso de dinheiro de multas
Dinheiro de multas ou compensações ambientais tem restrição de uso de acordo com as legislações federal, estadual e municipal. Mas apenas em alguns casos a lei exige que a verba seja usada, obrigatoriamente, em ações de manuteção de áreas de proteção ambiental, explica o promotor do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público de SC (MPSC), Paulo Locatelli:
— A legislação para multas muitas vezes é subjetiva. Por exemplo, ela prevê que o dinheiro de multas ambientais possa ser usado em obras de bem-estar e, dependendo da prefeitura, isso pode incluir trocar os brinquedos de um parque ou reformar uma pista de corrida. Já tivemos casos analisados no MPSC em que prefeituras levantaram muro com verba de multa ambiental.
A advogada Rode Martins, presidente da Comissão de Direito Ambiental da seção catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC), também avalia que a legislação é muito abrangente em relação à destinação do dinheiro.
— A legislação do Funambiente dá sim um rol taxativo de atividades para receber verba. Se o investimento se enquadrar em quaisquer dos incisos, está regular. Ocorre que alguns destes dispositivos são muito abertos ou subjetivos.
(DC, 31/10/2017)
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