Principal foco do projeto para despoluição da orla da Avenida Beira-Mar Norte, em Florianópolis, apresentado pela Casan na semana passada, o despejo irregular de esgoto na principal via da Capital reflete uma realidade preocupante: nas três maiores cidades do Estado, pelo menos três em cada 10 residências com acesso ao saneamento vistoriadas entre 2016 e 2017 têm ligação incorreta à rede de esgotamento sanitário. A situação mais crítica é a de Joinville, onde 62% dos imóveis fiscalizados neste ano estão ligados irregularmente. Em Florianópolis, o percentual chega a 48,9% nos bairros visitados, enquanto em Blumenau fica em 28%.
A lei federal 11.445/2007 estabelece que “toda edificação permanente urbana será conectada às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis e sujeita ao pagamento das tarifas”. Isso significa que mesmo aquelas residências que poderiam, mas não estão ligadas corretamente à rede de esgoto, devem pagar pelo serviço, com taxas que variam de cidade para cidade. Na Capital, por exemplo, o valor é o mesmo da conta de água (se o gasto com água for de R$ 100, a conta de coleta e tratamento do esgoto será de R$ 100, totalizando R$ 200 na fatura). Ou seja, tem muita gente pagando por um serviço que não utiliza, mas que deveria.
Cobra-se – com razão – a ação do poder público visando a preservação ambiental, mas a população nem sempre faz sua parte. Em Florianópolis, de acordo com o Ranking do Saneamento das 100 Maiores Cidades do Brasil, divulgado neste ano, a rede de esgoto cobre 57,5% das residências e estabelecimentos comerciais. Mas, de acordo com a prefeitura, apenas metade delas estão ligadas corretamente à rede.
Municípios fiscalizam e podem aplicar multa
A Casan – responsável pelo serviço em mais de 60% dos municípios de SC – reforça que ter a rede de esgoto no bairro é diferente da ligação das residências à essa rede, o que deve ser feito pelo proprietário do imóvel. Na região da Beira-Mar Norte, conforme a companhia, cerca de 50% das moradias e estabelecimentos comerciais têm algum tipo de irregularidade na ligação do esgoto. Aos municípios cabe o papel de fiscalizar as ligações e aplicar multas caso sejam constatadas irregularidades.
Em Florianópolis, apenas na terceira notificação é que o proprietário pode ser multado em
R$ 350,40 (residencial) e R$ 517,26 (comércio, indústria e poder público). Em Joinville, são cobrados R$ 300 caso a irregularidade constatada não seja solucionada no prazo estipulado para adequação. Em Blumenau, a cobrança é de 15 vezes a tarifa mínima de água por economia/categoria. Além disso, nas infrações que podem causar agressão ambiental, as autoridades são comunicadas.
– A fiscalização é um trabalho muito custoso e a legislação não favorece. Para se ter uma ideia, não se pode nem cortar a água do proprietário que lança o esgoto direto na rede pluvial ou no mar. Além disso, o valor da multa não cobre o custo desse processo de fiscalização – compara o superintendente de Habitação e Saneamento de Florianópolis, Lucas Arruda.
Medidas incentivam participação
Florianópolis já tem programa que visa acabar com as ligações irregulares, o Se Liga na Rede. Em novembro de 2016, a prefeitura divulgou o último relatório com os dados da inspeção em 10 bairros: Barra da Lagoa, Cachoeira do Bom Jesus, Canasvieiras, Costa da Lagoa, Estreito, Ingleses, José Mendes, Jurerê, Lagoa da Conceição e Ponta das Canas. Das 11.982 unidades inspecionadas, 5.857 (48,9%) apresentam irregularidade.
De acordo com a prefeitura, o modelo punitivo utilizado até agora não tem dado resultado, por isso o programa será repaginado e prevê uma força-tarefa para a regularização das residências e comércios, em vez da aplicação de multas.
Superintendente de Habitação e Saneamento de Florianópolis, Lucas Arruda diz que licitação será publicada até o fim do mês para contratar a empresa que dará o suporte técnico, montará pontos de orientação e encaminhará obras da rede de esgoto, que têm custo médio de R$ 2,5 mil por residência.
– A prefeitura vai fiscalizar as residências e, quando for notificar, vai oferecer o serviço de ligação à rede, que será feito por uma empresa credenciada. O custo será pago pelo cliente, com possibilidade de diluir o valor na fatura de água – afirma Arruda.
Em Blumenau, a BRK Ambiental aplica o Programa Rio Limpo Começa na Nossa Casa, criado em abril de 2016, em parceria com diversos órgãos públicos. Cerca de 50% dos imóveis com acesso ao sistema público foram vistoriados. A concessionária também faz, mensalmente, a Oficina de Encanadores, curso gratuito em que a população aprende a fazer a ligação correta de esgoto.
A companhia Águas de Joinville diz que tem intensificado as fiscalizações, mas não tem atualmente um programa específico em relação a ligações irregulares.
Falta de recurso e informação inibem adesão
Mestre em Engenharia Ambiental e coordenadora do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Univali, Janete Feijó destaca que as ligações irregulares são um problema em todo o país. Ela aponta que quatro situações levam ao cenário de baixos índices quando o assunto é saneamento básico: falta de informação e conscientização, falta de recursos financeiros, problemas técnicos na estrutura para ligação e preocupação com o impacto visual.
– Deixam o saneamento em segundo plano sem ter a percepção da importância que ele tem. As pessoas não têm a consciência de que o esgoto é uma situação de saúde pública e que ele precisa ser devidamente coletado, transportado e tratado – afirma a especialista.
Janete defende que as companhias de saneamento foquem em soluções para esses quatro pontos que dificultam a adesão dos moradores à rede pública de esgotamento sanitário. Na questão financeira, uma opção para baratear os custos da ligação, que já é adotada por algumas empresas, é diluir os valores na própria conta de esgoto ao longo dos meses.
Nos casos de problemas técnicos, a professora diz que deve haver diálogo claro entre proprietários e empresas, sempre oferecendo alternativas para que o cliente possa se regularizar. Orientações e informações constantes também são vistas como fundamentais para que o Estado e o país avancem na cobertura adequada do esgoto sanitário.
– Também é preciso considerar que, quando há rede pública, a empresa já pode cadastrar o usuário e vai cobrar a tarifa independentemente dele estar usando ou não. E depois, na fiscalização, a prefeitura e órgãos competentes têm poder de polícia para notificar, dar um prazo de adequação e aplicar multa – acrescenta Janete.
(DC, 17/10/2017)
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