Da Coluna de Fabio Gadotti (Notícias do Dia, 17/07/2017)
A economista Ana Clara Fonseca Reis esteve em Florianópolis no último dia 4 para um debate sobre economia criativa promovido pelo Núcleo Setorial de Empreendedorismo Cultural da Acif (Associação Comercial e Industrial de Florianópolis). “O Brasil ainda não acordou para essa proposta. Há uma profunda falta de entendimento do que seja economia criativa”, afirma Ana Clara, que defende um diálogo próximo entre poder público, iniciativa privada e sociedade civil para que novas potencialidades econômicas sejam descobertas e estimuladas. No caso da Capital catarinense, a consultora da ONU para políticas culturais destaca a vocação para tecnologias digitais. Nesta entrevista ao ND, a especialista fala ainda sobre o que vem sendo levado em conta pelos talentos criativos na hora da escolha dos destinos profissionais e sobre o papel dos governos no estímulo à inovação..
Qual é o principal alicerce conceitual da economia criativa?
Da forma como entendo, não é um modismo, uma adjetivação, mas sim um paradigma econômico para o século 21. Todos os ciclos econômicos ao longo da história foram catalisados por uma revolução tecnológica e a economia criativa vem complementar essa sequência. Temos uma transferibilidade muito rápida de tecnologia, conceitos, propostas de produtos e serviços. E por conta disso há uma redução do ciclo de vida dos produtos e a necessidade de que essa inovação seja mais frequente, mas também tem uma tendência de disputa por preços a partir do momento de que os produtos são muito parecidos. O antídoto para isso é se valer da criatividade para trazer valor agregado e não cair na armadilha da briga por preços. Todas as marcas globais mais valiosas têm base tecnológica forte (IBM, Samsung, Appe, Intell, HP) ou são capazes de contar narrativas (Coca-Cola, Disney,).
Quais as novas potencialidades econômicas que estão surgindo e que dialogam com algumas das vocações naturais de Florianópolis?
Algumas são naturais e outras construídas, o que é muito saudável. Existem duas grandes lógicas em desenvolvimento em Florianópolis e a mais expressiva é a das tecnologias digitais. A outra é o turismo. Vários estudos mundiais mostram que os talentos criativos mais móveis, que podem decidir se vão para Florianópolis, Belo Horizonte ou São Paulo acabam buscando uma série de dimensões, não contempladas antes, que têm um vínculo muito estrito com o território. Tem desde perspectiva de carreira, pacote de remuneração, custo e qualidade de vida, mas há um aspecto muito importante que é a diversidade cultural. Começa a ser reconhecido importante para esse perfil, o que mais faz diferença na economia e bebe dessa diversidade e inspiração contínua. Quando se fala em ecossistema de startups não é simplesmente contabilizar um número x de empresas, um faturamento y, mas se conseguem criar um diálogo com a cidade. Se estimulam a criatividade, se resolvem muitas das questões dos desafios urbanos, se promovem um bem-estar social diferente. Isso, talvez, poderia ser mais discutido em Florianópolis, que tem grande poder de atração dos talentos.
Nas cidades que têm mais negócios na área da economia criativa como esse processo iniciou? O poder público teve participação essencial?
Existem diferentes processos em cidades dos mais diversos perfis. O que se observa é que o processo de desenvolvimento de uma estratégia de economia criativa se dá por algum ator, seja público, privado ou sociedade civil: acende um palito de fósforo para mostrar que existe uma possibildade alternativa de desenvolvimento mais condizente, se pressupõe, com o próprio território. Também percebemos que, independentemente de quem inicia, é preciso que os outros venham a bordo para que esse processo tenha mais oxigênio e que essa labaredinha se converta em um fogo mais permanente. Não conheço nenhum processo de transformação econômica ou urbana que não tenha, necessariamente, o público, o privado e a sociedade civil.
Ainda na linha da pergunta anterior: é uma área que depende mais do apoio, incentivo e/ou subsídio governamental?
Precisa ocorrer uma articulação entre as pastas públicas. Tem que ter um pai de todos. Em todos os processos mais emblemáticos, invariavelmente, havia uma estrutura de coordenação para garantir que houvesse uma pauta prioritária. Isso aconteceu no Reino Unido e em Buenos Aires, por exemplo. Muito que do que pode ser feito em economia criativa não envolve recursos e sim a facilitação de processos, a criação de um ambiente mais propício à realização de negócios, desburocratização, se valer de compras públicas para estimular os empreendedores locais, formação de redes, articulações e parcerias.
Na comparação com outros países, como o Brasil está nessa área?
O Brasil ainda não acordou para essa proposta. Há uma profunda falta de entendimento do que seja economia criativa.
A senhora defende uma articulação para que segmentos como arquitetura, moda, artes e biotecnologia comecem a dialogar com setores mais tradicionais. Por quê?
Os setores criativos, pegando a moda como exemplo emblemático, acabam tendo impacto de dinamização e competividade nos setores tradicionais. Abrem outras possibilidades de inovação. Se olharmos para a moda brasileira, vista como arrojada e inovadora, percebemos impacto muito positivo de dinamização dos setores têxtil e de confecções.
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