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Responsável pelo abastecimento da Grande Florianópolis, rio Cubatão do Sul é o retrato da poluição

Desde o chamado Poço Azul do Salto, o rio Cubatão do Sul acumula nove quedas d’água entre Águas Mornas e Santo Amaro da Imperatriz. Graças à prática de rafting possível no leito acidentado e sinuoso, as corredeiras atraem os corajosos durante todo o ano à região da Grande Florianópolis. Os turistas mais sedentos por aventura descem cerca de três quilômetros em aproximadamente 90 minutos em um bote inflável movido à correnteza, à gravidade — em alguns pontos, há quedas de até seis metros de altura — ou às remadas dos integrantes. No percurso, que só termina em Palhoça, também cai vertiginosamente a qualidade da água responsável pelo abastecimento de cinco municípios da região metropolitana e que abriga espécies animais e vegetais.

Acompanhada do Instituto Sea Shepherd — que em fevereiro produziu um relatório sobre a poluição do líquido e o consequente impacto na biodiversidade e na qualidade de vida das comunidades ribeirinhas — o Diário Catarinense percorreu os pontos mais críticos do rio Cubatão do Sul.

Eleazar Garbelotto, o “Keko”, que mantém uma empresa voltada ao ecoturismo e, por envolver-se diretamente com o rio, integra o Comitê de Gerenciamento da Bacia do Rio Cubatão diz que as corredeiras oxigenam e, então, limpam a água e que assim deveria se manter em todo o curso do rio.

— Mas os afluentes como o Rio Forquilhas trazem sedimentos, não há mata suficiente na margem e sobra esgoto despejado de forma irregular — resume.

Ao longo da navegação pelo principal rio da bacia hidrográfica de mesmo nome, é possível perceber que as rochas sedimentares dão lugar às cristalinas, só que altamente erodidas. Também acumulam-se galhos e até árvores inteiras, que são depositados no curso hidrográfico após períodos chuvosos e, portanto, comprovam a intervenção humana em demasia. Em outros pontos, o rio está profundo demais — resultado da extração mineral, já que são mais de 50 concessões de lavra de areia e argila feitas com pequenas balsas.

Em praticamente nenhum ponto do rio há respeito aos 50 metros lineares de mata ciliar, apesar de esse tipo de vegetação que acompanha a margem ser considerada área de preservação permanente pelo Código Florestal Brasileiro. Em vez da mata, há construções. Não raro, as casas desmoronam e assoreiam o rio, que se encontra raso tanto na nascente, quanto na foz. Outra consequência da urbanização cercana é o despejo de esgoto e lixo doméstico diretamente no manancial, que ainda não tem um plano de recursos hídricos, apesar de esse ser um instrumento de gestão previsto na lei nº 9.433, de 1997.

Biodiversidade ameaçada

Apesar de não haver um levantamento, somente uma observação por parte de ambientalistas e da própria população que vive no entorno, o resultado da degradação sistemática do rio Cubatão do Sul está no comprometimento da variedade fauna e flora. Se no percurso foram avistadas poucas garapuvus (árvore símbolo da região, que já fora usada em muito para construção de canoas), e muitas plantas exóticas (como o pinheiro explorado pelas madeireiras) o mesmo acontece com as espécies animais. As aves são escassas e, em mais de 30 quilômetros, só dois pescadores tentavam a sorte nas margens do Cubatão do Sul — nenhum deles havia garantido o pescado do dia no momento que a reportagem navegava em frente ao caniço —, enquanto proliferam-se as capivaras.

— Costumava dar muito robalo aqui, mas hoje está difícil — disse um dos homens, comprovando a existência até de variedades originárias do mar, mas que costumam “subir” os rios para reproduzir-se no que deveria ser um “berçário”.

A possível explicação para a sequência de dias ruins na pesca estava logo abaixo dele: um cano despejava esgoto desenfreadamente na água que, ao redor, acumulava-se espumosa. A poucos quilômetros dali, está localizada uma estação de captação da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) que, quanto mais turbidez apresenta o fluido, mais compostos químicos devem ser adicionados ao tratamento, que se torna mais lento e custoso. Os ambientalistas dizem que o efluente retorna ao leito em cor avermelhada, indicando a presença de fosfato, mas a Casan garante que a devolução respeita a legislação ambiental vigente e que, recentemente, investiu R$ 5 milhões para aperfeiçoar o sistema de tratamento no local.

Outra suposta razão para a queda na biodiversidade está na sequência de plantações bastante próximas às margens, que colocam a água em contato com agrotóxicos, especialmente vindos do tomate e, em menor escala, da cana de açúcar, do milho e de hortaliças. As culturas ainda convivem com a atividade pecuária, tudo bem próximo à margem. Assim, é mantido o ciclo de poluição e degradação ambiental de um dos mais importantes rios de Santa Catarina.

Coliformes fecais

Como o próprio nome indica, o Instituto Sea Shepherd concentra seu ativismo no mar. Mas a organização não-governamental decidiu, mais recentemente, também contemplar nas ações o rio Cubatão do Sul, principalmente pelo encontro das águas doces e salgadas que acontece na foz, em Palhoça. Em fevereiro, então, realizou expedição para coletar e, posteriormente, analisar em laboratório a qualidade da água em cinco pontos. Segundo o laudo apresentado pelos ambientalistas, todos os trechos apresentaram resultados acima dos limites estabelecidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente. A concentração de coliformes termotolerantes — bactérias normalmente encontradas no intestino humano e animal — chegam a níveis quase dez vezes maiores do que o permitido na altura da captação da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan).

— Esse foi o principal problema, mas há outros. Se começássemos respeitando a mata ciliar, 50% já estaria resolvido. É possível recuperar este rio em dois anos, mas isso depende do engajamento de todos, inclusive da sociedade, porque todos nós somos responsáveis — pontua o diretor do Instituto Sea Shepherd em Santa Catarina, Hugo Malagoli.

A Casan disse, por meio de sua assessoria, que não tem gerência sobre o desrespeito à mata ciliar e a manutenção da atividade pecuária e de agricultura nas margens do Cubatão do Sul, que impactam na qualidade da água que vai ser tratada. “A Casan também lamenta que a água chegue dessa forma à captação. Porém, o tratamento natural (flocodecantação) e os produtos químicos (cloro, flúor e outros permitidos por lei) retiram 100% destes coliformes, conforme demonstram os relatórios encaminhados periodicamente à Vigilância Sanitária do Estado e do município de Santo Amaro”, complementa a nota enviada por e-mail.

Com relação à coleta de esgoto, a empresa lembra que tem competência somente sobre o município de Santo Amaro da Imperatriz que, segundo informa, é o único do entorno que dispõe de rede de coleta e tratamento. “Estamos lançando mais uma obra de R$ 4,2 milhões para ampliar a cobertura na cidade. Esta obra aumentará para 75% a cobertura de Santo Amaro, o que será um dos maiores percentuais do país”, escrevem.

Força-tarefa para inibir crimes ambientais

Pela assessoria de imprensa, a prefeitura de Santo Amaro da Imperatriz informou que o secretário de desenvolvimento econômico e meio ambiente, Joaquim Cunha, tomou posse nesta semana e, assim que possível, vai se reunir com o instituto. “Também entraremos em contato com a Casan para que eventuais ligações de esgoto doméstico sejam regularizadas ou lacradas e, junto às prefeituras dos municípios vizinhos, para a criação de uma força- tarefa para inibir crimes ambientais, derramamento de esgoto doméstico ou industrial, revitalização da mata ciliar e campanhas educativas junto às escolas e à comunidade”, disseram.

Já a prefeitura de Palhoça defende em comunicado enviado à reportagem que “grande parte da carga de poluentes deste rio é proveniente de outros municípios, e que o município de Palhoça deve, também, adequar-se para realizar a preservação deste recurso hídrico de suma importância para a região”. A administração pública garante que “está em fase final de elaboração o projeto básico e executivo de esgotamento sanitário que contempla todo o espaço territorial de Palhoça” e que, com isso, “será possível obter os recursos necessários para as obras do sistema de esgotamento sanitário”, que atualmente são inexistentes. A homologação da licitação de coleta de resíduos pretende iniciar a coletiva seletiva municipal, ainda conforme a assessoria de comunicação.

Procurada por e-mail, a Fundação do Meio Ambiente disse em nota que “fiscaliza apenas o que licencia”, mesmo o rio Cubatão do Sul integrando o Parque Nacional da Serra do Tabuleiro e, portanto, estar sob o guarda-chuva do órgão estadual. A Fatma ainda reforçou a existência de dois canais disponíveis para denúncia de crimes ambientais: o site da ouvidoria (www.ouvidoria.sc.gov.br) e o telefone 08006441523.

 (DC, 25/03/2017)
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