O Projeto de Monitoramento Ambiental da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo e Entorno (MAArE/UFSC) está concluindo suas atividades e em breve disponibilizará um banco de dados e um livro com os resultados de todo o trabalho de campo desenvolvido ao longo de três anos. Coordenado pelas professoras Bárbara Segal Ramos e Andrea Santarosa Freire, do Departamento de Ecologia e Zoologia (ECZ/UFSC), o projeto teve início em junho de 2013 e contou com uma equipe de cerca de 80 pessoas (entre pesquisadores, técnicos, bolsistas e pessoal de apoio).
A Reserva Biológica Marinha do Arvoredo é uma área de 17.600 hectares de superfície, situada ao norte da Ilha de Santa Catarina, entre Florianópolis e Bombinhas. A região abrange as Ilhas do Arvoredo, Deserta, Galé, Calhau de São Pedro e a área marinha que circunda esse arquipélago. Por ser considerado um espaço de grande importância biológica, em 12 de março de 1990 a reserva foi decretada unidade de conservação federal, de proteção integral. Nesse contexto, o MAArE foi criado com o objetivo de realizar o monitoramento ambiental da região, através da amostragem de diferentes indicadores biológicos para a avaliação da conservação do ecossistema marinho. Entre esses indicadores estão peixes, algas, crustáceos, invertebrados e plâncton. Outra finalidade era verificar a ocorrência de espécies invasoras, como o coral sol, que pode gerar danos no ecossistema.
O projeto também buscou caracterizar as condições de correntes e marés, oceanográficas e meteorológicas, além de avaliar a sazonalidade de características da água (temperatura, salinidade, nutrientes, material em suspensão, clorofila) e o estado de contaminação dos sedimentos por metais e hidrocarbonetos (derivados de petróleo). Bárbara afirma que esse monitoramento é cada vez mais importante: “Estamos presenciando intensas transformações do ambiente natural. Temos dados remotos e sensores de temperatura da água do mar que podem indicar como as mudanças climáticas estão afetando nossa região costeira. Associado aos dados físicos, o contínuo acompanhamento dos indicadores biológicos permite compreender as influências das mudanças, o que indicará as adaptações necessárias à gestão, com o objetivo de resguardar importantes recursos naturais dessa área de grande relevância biológica.”
De caráter multidisciplinar, o MAArE contou com a participação de diversos laboratórios de pesquisa da UFSC, nas áreas de Geociências, Biologia, Química e Engenharia Ambiental — além das parcerias com a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e a Universidade do Vale do Itajaí (Univali). O projeto teve recursos da Petrobras, originado a partir deuma condicionante indicada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no âmbito do processo de licenciamento ambiental relacionado às atividades nos campos petrolíferos de Baúna e Piracaba, região Sul do Brasil. Todos os produtos do projeto serão entregues ao Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Workshop
Além da rotina de pesquisa e coleta de dados, o MAArEpromoveu atividades de formação e troca de experiências. Uma delas foi o workshop “Monitoramento para apoio à gestão de Unidades de Conservação marinhas do Brasil”, realizado em novembro de 2015, em Florianópolis. O evento reuniu pesquisadores, gestores e representantes das Unidades de Conservação (UC) Marinha do Brasil e centros de pesquisa. “Vieram representantes de quase todas as unidades: Arraial do Cabo, Abrolhos, Atol das Rocas, Laje de Santos, Cagarras no Rio de Janeiro, Fernando de Noronha… de todo o Brasil. E a vinda deles foi financiada pelo projeto”, afirma a professora Andrea.
O objetivo principal era definir os parâmetros ambientais que deveriam ser medidos continuamente para garantir uma boa gestão das unidades de conservação. Para isso, foram convidados pesquisadores e analistas ambientais de diferentes estados do país que já trabalhavam com monitoramento em unidades de conservação e haviam passado por experiências semelhantes. Alguns deles haviam, inclusive, elaborado um manual sobre como monitorar as comunidades bentônicas marinhas e estuarinas (formadas por animais e vegetais que vivem no fundo do mar ou na interface com a costa). A ideia era que os gestores fossem subsidiados com informações consistentes para que as unidades tivessem uma administração mais eficiente. “Monitorar todos os dados é muito caro, demanda muitos equipamentos e muita gente especializada. As UCs não têm muita verba e os profissionais de cada equipe geralmente desenvolvem múltiplas funções. Por isso tivemos que nos perguntar: o que é prioridade? O que mais vai contribuir para a unidade de conservação? O que não requer tanto recurso? Os pesquisadores chegaram então a um consenso quanto ao que é mais importante e elencaram possibilidades para UCs em diferentes situações”, explica Andrea.
Banco de dados
Todos os dados coletados durante os três anos de pesquisa em campo estão sendo padronizados em um sistema de informação, que futuramente será disponibilizado para a sociedade. “Os gestores e profissionais do ICMBio terão acesso livre imediatamente. Para o público de forma geral será preciso aguardar um período de carência, para que os pesquisadores tenham tempo de trabalhar com os dados”, explica Andrea. Segundo a professora, o tempo de carência pode variar de dois a cinco anos, conforme a demanda de cada pesquisador. Após esse período, todas as informações brutas do banco de dados poderão ser fontes de estudos para pesquisadores de diversas áreas: Oceanografia, Biologia, Ecologia, Engenharia Ambiental, entre outras. “O volume de dados é enorme. Ainda se pode gerar muito material acadêmico. Levará décadas até que todas as informações sejam trabalhadas”, afirma.
As informações também poderão ser úteis a mergulhadores e curiosos sobre a vida marinha. Além dos dados brutos, haverá um repositório de dados já trabalhados: relatórios, teses, dissertações, monografias. O acesso a esses trabalhos estará disponível desde o lançamento do banco de dados, que está previsto para maio. A ferramenta seguirá um padrão internacional e poderá ser integrada com diversos outros bancos de dados biológicos internacionais, com um sistema de busca inteligente, permitindo cruzar diversas palavras-chaves. “Isso é inédito, não existe algo assim no Brasil. Esse é o primeiro projeto que terá os dados organizados e disponibilizados dessa forma. Isso é muito importante, pois os dados não se perdem. E como pesquisadores, essa questão é sempre uma grande preocupação nossa. Produzimos uma quantidade enorme de dados que muitas vezes são subutilizados ou se perdem com o tempo. Esse banco de dados evitará que isso aconteça”, afirma Andrea. A pesquisadora acrescenta que o banco de dados de Santa Catarina pode servir de referência e inspiração para que as outras UCs marinhas do Brasil também desenvolvam sistemas para catalogar e disponibilizar informações de suas regiões.
Livro
Outro produto do projeto MAArE será um livro de divulgação científica. “Nossa ideia é reunir arte e ciência. Por isso o livro tem um componente artístico muito grande. Um dos organizadores da obra, João Paulo Krajewski, além de pesquisador, é também fotógrafo. O que pretendemos não é apenas divulgar resultados científicos, mas divulgá-los em uma linguagem acessível, com enorme cuidado estético e artístico”, diz Andrea. Todos os elementos visuais — ilustrações, fotografias e gráficos — estão sendo trabalhados minuciosamente por uma equipe qualificada. “As informações coletadas são fruto de um trabalho científico muito consistente, por isso é importante que o livro atinja o público de forma efetiva, com um material acessível e, sobretudo, atraente”, afirma. A previsão de lançamento da obra é meados de maio.
Formação
Há um consenso entre os pesquisadores envolvidos com o MAArE de que outro grande mérito do projeto foi a formação de recursos humanos. “É indiscutível a quantidade de pessoas que aprenderam embarcando, trabalhando, fazendo divulgação de ciência, desenvolvendo tese de doutorado e dissertação de mestrado, participando da Sepex, auxiliando na administração do projeto. Os alunos que passaram por esse projeto tiveram uma formação consistente em oceanografia e biologia. Em todos os embarques havia alunos de graduação que, muitas vezes, estavam embarcando pela primeira vez. Ao todo, foram cerca de 105 saídas a campo no mar para coleta e cerca de 30 saídas em terra para manutenção de equipamentos e sensores de maré e meteorologia”, afirma Andrea.
A professora ressalta que muitos alunos aprenderam efetivamente a trabalhar em campo, trabalhar em laboratório e divulgar os resultados: “O que me marcou, o que mais me deu satisfação foi perceber a capacidade desse projeto de contribuir para a formação de tantas pessoas. Quem passou pelo projeto MAArE vai sair da universidade com uma outra formação, tanto em termos profissionais, como pessoais. Ter a experiência de trabalho em um projeto tão grande e tão multidisciplinar é muito enriquecedor.”
Os estudantes confirmam isso. Para Lucas Molessani, graduando em Oceanografia, o projeto contribuiu muito para sua formação: “Adquiri muita experiência, que vai desde a parte burocrática, de escrever relatórios, até a parte prática, de estar embarcado, fazer a filtração da água, analisar a clorofila… Eu fiquei mais preparado para o que vou enfrentar pela frente.” Flora Agnelli, graduanda em Ciências Biológicas, também diz estar muito realizada pela oportunidade de participar do MAArE: “Eu ajudei na coleta de água, nos arrastos de fitoplâncton e zooplâncton. O projeto foi muito importante para mim, tanto porque estou fazendo meu TCC com os dados coletados, como também por tudo que aprendi embarcando.”
Segundo Andrea, os recursos do projeto também propiciaram a aquisição de muitos equipamentos que integram agora o patrimônio da universidade. “Durante o projeto, esse equipamentos eram de de uso exclusivo nosso, mas agora poderão ter diversos outros fins. Também foram feitas mudanças na estrutura dos laboratórios para atender às novas demandas e armazenar os equipamentos de forma apropriada. Tudo isso beneficiará futuros pesquisadores.”
Futuro
A ideia é que o projeto MAArE tenha continuidade e que o banco de dados seja um armazenador permanente de informações sobre a Reserva Biológica do Arvoredo. “Ainda não sabemos com que formato prosseguiremos com o projeto, tanto em termos de estrutura física, como financeira. Temos que conseguir um novo patrocinador. Mas uma vez que continue, continuaremos abastecendo a plataforma e publicando os resultados das pesquisas”, explica Andrea.
Bárbara ressalta que a continuidade do monitoramento será importante para detectar mudanças na qualidade da água e respostas dos organismos, em um contexto de influências das ações humanas regionais e locais, originadas do uso da terra no entorno da unidade de conservação. “O MAArE detectou uma influência de águas continentais bem próximo à reserva. O rápido e desordenado crescimento que temos visto na zona costeira gera inúmeras fontes de resíduos, que tendem a se acumular nas águas costeiras de forma praticamente ‘invisível’, já que estão sob a água. Felizmente não foram encontrados níveis altos de poluentes, mas conhecer o patamar atual para acompanhar no futuro é fundamental”, afirma.
(UFSC, 16/03/2017)
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