(Por Carlos Damião, Notícias do Dia Online, 16/04/2016)
A Ilha de Santa Catarina, que concentra 97,2% do território de Florianópolis, tem 424,4 quilômetros quadrados de área. Por se tratar de uma ilha, é “um pedacinho de terra perdido no mar”, conforme o nosso hino oficial, do poeta Zininho. Até a década de 1970 seus moradores tinham intenso contato com o mar. Contato não é bem a palavra. Intimidade é a palavra. A navegação era algo banal, Florianópolis era uma cidade marítima. Chegamos a sediar o 5º Distrito Naval, levado para o Rio Grande do Sul na década de 1980. Tivemos a Capitania dos Portos, transferida para Itajaí e depois resgatada para a Capital. E ainda temos a Escola de Aprendizes Marinheiros. Tudo isso porque éramos um dos mais importantes portos do Brasil, ponto de parada de todas as embarcações que navegavam para o Sul ou para o Norte.
Perdemos grande parte da nossa identidade marítima por causa de dois fatores: a desativação do porto em 1965 e o aterro da baía Sul, executado entre 1972 e 1975. O fim do porto foi um trauma para a cidade, cuja área central sempre viveu em função do movimento de barcos e navios. Toda a área mais próspera ficava justamente na parte “de baixo”, as ruas Conselheiro Mafra, Francisco Tolentino e transversais. Ali estavam o Mercado Público, os restaurantes, as vendas, dezenas de hotéis e pensões, bares, armazéns e, até, inferninhos (alguns persistem…).
No clássico “Santa Catarina – A Ilha”, publicado no início do século 20, o escritor Virgílio Várzea trata da nossa relação com o oceano de forma natural, porque o mar era parte do nosso cotidiano. O transporte marítimo de passageiros e cargas era algo incorporado às rotinas da cidade, mesmo depois da inauguração da Ponte Hercílio Luz – porque não havia tantos automóveis, nem ônibus, muito menos caminhões, para fazer a travessia rodoviária. Locomover-se entre São José ou Palhoça e a Ilha de Santa Catarina, pelo oceano, era a forma mais antiga e adequada.
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Diz Virgílio Várzea: “A Ilha é animada por um movimento marítimo que não existe em nenhum dos outros portos do Estado. (…) O movimento das pequenas embarcações do tráfego — lanchões, botes, lanchas, baleeiras, canoas de voga e outras — esse então é maior do que o de todos os portos mencionados (Santos, São Francisco, Itajaí, Laguna), excluindo os da Lagoa dos Patos no Rio Grande do Sul, únicos que lhe são superiores”.
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Ainda o escritor: “O tráfego no porto da capital catarinense é bastante avultado, pelas comunicações marítimo-comerciais que existem entre essa cidade e as localidades das enseadas próximas, quer na Ilha, quer no continente. E vezes há em que esse movimento atinge proporções extraordinárias, como por ocasião da safra de certos produtos do Estado, ou quando a feira bissemanal dos colonos alemães coincide com a estada no porto de navios de guerra, ou com a entrada ao mesmo tempo de dois ou mais paquetes da carreira”.
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A cidade marítima perdeu sua força nos últimos 40/50 anos. E aqui chegamos ao ponto que nos interessa no presente: por que há tanta má vontade do poder público em relação ao transporte marítimo? O leitor Michael Lange aponta: “Não é tabu (como apontei na coluna de quinta, 14). É jogo de interesses”. Há mesmo quem entenda que, muito mais do que estudos socioeconômicos, o que emperra o transporte marítimo é o transporte rodoviário. E nem vou entrar aqui no mérito histórico do transporte ferroviário brasileiro, também derrotado pelo modal rodoviário… Porque essa é uma questão muito longa e complexa. Mas o paralelo é o mesmo. Alguém ganha dinheiro com o atraso.
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