A legislação, o licenciamento dos empreendimentos e a fiscalização devem estar ajustadas à premissa constitucional que assegura às pessoas “tanto o direito ao meio ambiente quanto à livre iniciativa econômica”. A análise é do procurador-geral do Estado, João dos Passos Martins Neto, que considera necessário o combate às “condutas nocivas” e, ao mesmo tempo, a proteção às iniciativas empresariais consideradas sustentáveis. “Temos que defender o meio ambiente, mas não como um instrumento de combate ao empreendedorismo”, afirma Martins. Nesta entrevista, o procurador fala sobre a legislação em vigor e prega que rigor e bom senso andem sempre juntos na defesa de nossos “valores ambientais”.
Há uma longa discussão sobre as regras de licenciamento ambiental. O senhor defende alguma mudança para que sejam mais rígidas ou mais flexíveis?
Acho que com relação à forma e aos procedimentos, está adequado. O modelo atual, com três etapas, me parece lógico. Penso é que devemos manter o equilíbrio nas decisões de fundo com relação aos empreendimentos. A Constituição assegura às pessoas tanto o direito ao meio ambiente quanto à livre iniciativa econômica, ou seja, o direito de empreender. Ambos são fundamentais, decorrem de normas de igual hierarquia. Nenhum deles deve ser reduzido a nada. É necessário combater as condutas nocivas, mas também é preciso proteger os empreendimentos sustentáveis. A legislação, o licenciamento e a fiscalização ambientais devem estar ajustadas a essa premissa constitucional.
A legislação garante desenvolvimento econômico com preservação ambiental ou precisa de ajustes?
Em matéria de legislação ambiental, a competência é concorrente. O Congresso e as assembleias legislativas dos Estados podem legislar sobre o assunto. E no plano do Executivo, temos órgãos ambientais federais e estaduais. O primeiro cuidado que se precisa ter no nível legislativo é o de coerência no ordenamento jurídico. É a primeira preocupação. E parece que isso nem sempre acontece. Quanto maior o número de leis, maior o risco de contradições normativas. O que verificamos, às vezes, são normas estaduais e federais em conflito potencial. Isso é muito comum e gera, obviamente, problemas na aplicação do direito, de interpretação, que precisam ser sanados. Se a legislação não for coerente, complica a aplicação do Direito por parte do Executivo e mesmo do Poder Judiciário. E para que seja coerente, não pode ser uma legislação feita de súbito, com precipitação, com pouca análise do sistema legislativo como um todo.
As leis estaduais não podem ser menos restritivas do que as normas federais, é isso?
O que a Constituição diz é o seguinte: que em matéria de competência legislativa concorrente, caso do meio ambiente, a União tem competência para editar normas gerais e os Estados para as normas especiais. A dicotomia é entre normas gerais e especiais e não entre normais mais ou menos abrangentes. Essa é uma interpretação um pouco tendenciosa também do assunto. Para a teoria do direito, é sempre uma complicação identificar o que é exatamente uma norma geral e uma especial. Normalmente se costuma pensar o seguinte: uma norma especial, da competência dos Estados, é aquela que regula um aspecto singular da comunidade local. E a norma geral tem uma amplitude mais vasta, vai requerer uma aplicação igualitária em toda a nação. Um conflito desse tipo, para ilustrar, é aquele com relação às matas ciliares. Há uma divergência entre o Código Florestal federal e o Código do Meio Ambiente que Santa Catarina aprovou na Assembleia Legislativa. Qual é a distância que uma construção deve ter dos cursos d´água? Trinta, 20 metros? Na legislação federal, existem distâncias maiores, e a lei estadual teria reduzido. Discute-se no STF em uma ação direta de inconstitucionalidade qual a norma que deve prevalecer, a do Estado ou a federal. E tudo vai se resolver a partir da definição se as normas que estabelecem essas distâncias entram na categoria gerais ou especiais.
Mas esse não é o entendimento do MPF, não é?
O Ministério Público Federal certamente entende que a regulamentação dessas distâncias é uma matéria que fica no âmbito das regras gerais e que, portanto, o Estado não poderia ter editado uma norma reduzindo aquelas exigências. Mas o argumento de quem defende a norma estadual é o contrário, de que a norma é especial, porque você não pode imaginar Santa Catarina como a Amazônia.
Leia na íntegra em Notícias do Dia Online, 29/01/2016.
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