Uma petição do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) protocolada na Justiça Federal e que contesta obras emergenciais em execução no rio Papaquara, aponta falhas no sistema de saneamento no norte da Ilha de Santa Catarina, como a falta de licença ambiental da estação de tratamento da região. O documento também expõe mais de R$ 2,3 milhões em multas aplicadas à Companhia de Saneamento (Casan) desde 2011, apenas em casos referentes à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Canasvieiras. O documento, com data da última sexta-feira, reforça uma Ação Civil Pública (ACP) conjunta do órgão ambiental com o Ministério Público Federal (MPF), que tem como alvos a Casan e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fatma). Outra ação movida pelo MPF – também sobre poluição na região de Canasvieiras, esta de 2014 –, resultou no agendamento de uma inspeção pela Justiça Federal no rio do Braz.
Ainda em novembro do ano passado, ICMBio e MPF protocolaram a ação que trata poluição no rio Papaquara, principal afluente do rio Ratones e que afeta diretamente a Reserva Carijós. A ETE Canasvieiras, da Casan, despeja efluentes (resíduos do esgoto tratado) no Papaquara. Segundo o documento assinado pelo o chefe da Estação Biológica de Carijós e oceanógrafo do ICMBio, Sílvio Souza, o rio deveria ser considerado como ¿classe especial¿, destinado à preservação de ambientes aquáticos. Baseado nisso, o órgão contesta as licenças de operação concedidas pela Fatma
— Fizemos testes e encontramos índices elevados de fósforo e outros compostos químicos. Um lodo tóxico fica no fundo do rio. Isso afeta diretamente a reserva Carijós. Além de tudo, não há registro de estudo de impacto que o lançamento do efluente possa gerar — explica Silvio Souza.
A petição cita ainda os frequentes incidentes que resultam no despejo de esgoto in natura nos mananciais do norte da Ilha. Uma das soluções apresentas pela petição seria a instalação de um emissor submarino para despejo do esgoto tratado em alto mar.
De dezembro de 2011 até outubro de 2015, apenas a ETE Canasvieiras foi responsável por no mínimo R$ 2,3 milhões em multas após autos de infração aplicados pelo ICMBio por ¿lançar resíduos líquidos em desacordo com a lei¿. O total é referente a cinco autos de infração, sendo que um previa multa diária de R$ 44.876, desde 26 de junho de 2012. No entanto, a Casan ainda não desembolsou nada pelas punições. A concessionária recorre de todos os autos em instâncias dentro do próprio ICMBio e na Justiça.
— É importante que fique claro que as conversas e o acompanhamento do ICMBio sobre a ETE Canasvieiras começaram ainda na década de 90. Por isso, chegou ao ponto de aplicarmos multas. Infelizmente, a Casan não precisou pagar nenhuma até agora — afirma o oceanógrafo.
Contrapontos
A Casan, por meio da assessoria de imprensa, não comentou sobre os recursos apresentados para os autos de infração aplicados pelo ICMBio. Sobre a ETE Canasvieiras, o engenheiro químico da Divisão de Meio Ambiente da concessionária, Alexandre Bach Trevisan, informou que o sistema na região funciona plenamente.
— O tratamento de esgoto na ETE em Canasvieiras tem uma eficiência de 90% no efluente despejado no rio, inclusive sobre a remoção de fósforo. O que ocorre bastante é a contaminação por ligações irregulares e áreas de bairros que não têm saneamento – afirmou Bach.
Em nota enviada à reportagem, a Fatma informou que o licenciamento ambiental obedeceu a regras do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e que uma reavaliação da documentação da Casan, um pedido da Ação Civil Pública do ICMBio, estaria ¿pendente¿. Sobre a falta de estudo de impacto ambiental para a Estação de Tratamento de Esgotos em Canasvieiras, o procurador jurídico do órgão ambiental, João Pimenta, respondeu:
— Só exigimos EIA/RIMA para estações de tratamento de esgoto em casos que existam emissário submarino — o que não se aplica a ETE de Canasvieiras.
Justiça Federal inspecionará o rio do Braz, em Canasvieiras
O juiz federal Marcelo Krás Borges deve inspecionar amanhã a foz do rio do Braz, em Canasvieiras, para averiguar o bloqueio feito pela prefeitura na semana passada. A vistoria é referente a outra ACP que tem a Casan como ré. De autoria da procuradora federal Analúcia Hartmann, sendo substituída no Meio Ambiente pelo procurador João Marques Brandão Neto, a ação acusa poluição no rio do Braz, que deságua na praia de Canasvieiras. Após as denúncias recentes, Brandão Neto elaborou uma petição e questionou o bloqueio do manancial:
— Vou acompanhar a inspeção, onde o juiz deve verificar se os pedidos do MPF procedem. O objetivo é observar de que forma foi feito o bloqueio do curso do rio do Braz.
O argumento do MPF é que, como a ação ainda está tramitando, a ¿obstrução da foz é ilegal por descaracterizar o objeto da ação principal e impedir a realização de perícia judicial¿. Isso justificou ainda a abertura de um inquérito policial pela procuradoria para apurar possível fraude processual na ação dos órgãos responsáveis.
A vistoria está agendada para as 14h30min. O juiz Marcelo Krás Borges deve ir acompanhado de um perito judicial. Além do procurador Brandão Neto, uma equipe da Casan vai acompanhar os trabalhos da Justiça Federal. Em coletiva realizada na sexta-feira, o prefeito de Florianópolis, Cesar souza Junior (PSD), afirmou que não houve bloqueio do rio, apenas ¿recomposição da faixa de areia¿, e que a medida foi aconselhada pelo ICMBio.
(DC, 19/01/2016)
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