Se não houver imprevistos, hoje, quando lá do alto, na entrada norte do vão central, o relógio marcar 11h, o Mercado Público de Florianópolis será oficialmente reaberto. Depois de 15 meses, a entrega da ala sul reacende a relação de simbiose entre o remoçado prédio e os seus antigos frequentadores. Retomada de um espaço que se caracteriza pela informalidade, onde se firmam encontros temperados por saberes, sejam populares, formais e aprendidos.
Ainda que recomece com ocupação parcial e substituições em alguns dos pontos mais tradicionais, a reabertura do Mercado traz uma sensação de aconchego. Depois do período em obras, em que tapumes esconderam a construção, a redescoberta das paredes em amarelo-ouro e portas verdes-oliva provoca sentimento de carinho pelo ponto mais democrático da cidade.
Neste 5 de agosto de 2015, a Ilha acorda faceira. Não decretaram feriado municipal, mas no entorno há gostinho de preguiça. Não pelos trabalhadores que viraram noites para finalizar os serviços. Mas pelos que gostariam de mais tempo para celebrar a reabertura.
A escolha da data atendeu a um pedido dos comerciantes, que queriam aproveitar a proximidade do Dia dos Pais. Mede-se a importância do Mercado pelo relato dos lojistas do entorno: no período em que esteve fechado, as vendas caíram.
A partir de hoje, a cortina de ferro se reabre para todos. Do lado de fora só devem ficar os pombos visitantes. Os turistas são bem-vindos e ajudam a fomentar a massa de 26 mil pessoas que todos os dias passam pelo local.
TRABALHO SEGUE MESMO COM REINAUGURAÇÃO
A reabertura não dará fim à movimentação intensa dos últimos dias. Há muito ainda a fazer. Dos 35 boxes, 13 permanecem finalizando as acomodações. Boa notícia para os que gostam de frutos do mar: das 13 peixarias, 11 estarão abertas hoje.
– A gente está louco para sentir como ficou. Só não pode ter muita frescura, senão manezinho foge – diz Carlos Machado da Silva Rocha, nascido no bairro Pantanal, e hoje morador do Estreito.
Para desconfiados assim, que acham que o novo mix carrega no glamour e retira a essência do lugar, Paulinho Abraham, o Boca, tem resposta.
– A gente “disglamuriza”, ora – brinca.
Ele é o idealizador do Berbigão do Boca, que tradicionalmente abre o Carnaval da cidade, tendo a área do Mercado Público como ponto de encontro da multidão que participa do arrastão pelas ruas históricas.
A pedagoga Marilu Lima de Oliveira, coordenadora o Programa Antonieta de Barros, da Assembleia Legislativa, é outra animada. Ela começou a frequentar o Mercado incentivada pela saudosa sambista Nega Tide. Tempos em que o local era considerado um espaço de e para homens. Época em que as mulheres negras e pobres passavam por ali na condição de empregadas.
– A gente está cheia de saudade desses encontros ocorridos principalmente aos sábados, nos quais, de jeito bastante informal, reúnem intelectuais, artistas, funcionários públicos, donas de casa, pescadores.
Mas há marcas do velho mercado que o novo mix não apaga. Referências guardadas nos labirintos da memória. Como o que se ouviu na semana que antecedeu a reabertura, quando o prefeito Cesar Souza Junior fazia uma vistoria para avaliar a acessibilidade. Primeiro checou o interior da ala, depois a área externa, em direção à Avenida Paulo Fontes. Para mostrar as outras obras, o prefeito não hesitou:
– Vamos até a esquina do Alvim.
Um lapso. O lugar onde o box 1 do Mercado funcionou por 57 anos, sob o comando de Alvim Nelson Fernandez da Luz, deu lugar a um outro empreendimento. Ficou o ponto de referência. Embora muita gente aposte que o Bar do Alvim, hoje instalado na Rua João Pinto, possa voltar.
PONTEIROS DITAM O RITMO DA REABERTURA
Assim como depois de quatro anos paralisados voltaram a andar os ponteiros do relógio do vão central. O objeto também foi restaurado. Só existem três peças iguais no mundo – no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. A de Florianópolis foi trazida em 1911, quando a empresa inglesa Western Telegraph Company Limited – a famosa “cabo submarino” – instalou-se na cidade. Com o fechamento, em 1975, o relógio foi doado para o município. Fabricado na Inglaterra, tem qualidade comparada à do Big Ben de Londres.
A partir de hoje sob o roçar dos ponteiros gente continuará passando pelo vão central. Para ouvir música, deliciar-se com a gastronomia típica ou fazer compras. Gente que, como cantou o poeta, nunca deixará o seu mercado público. Diferente do mar. Antes tão vizinho, agora distante, lá longe, separado por uma imensa área aterrada.
(DC, 05/08/2015)
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