As causas ainda estão em investigação, mas o excesso de chuva, o acúmulo de sedimentos no fundo lodoso e a alta temperatura da água [entre novembro de 2014 e fevereiro deste ano] estão entre os prováveis fatores da alta taxa de mortandade e desaparecimento dos berbigões da baía Sul de Florianópolis. O desastre ambiental atinge 700 hectares da Resex (Reserva Extrativista do Pirajubaé) e a as praias da Mutuca e da Ilha, na Tapera, onde se concentravam os bancos do molusco.
Pelo menos 90 famílias [cerca de 300 pessoas] estão sem trabalho e renda regular há seis meses. Entre os extrativistas, a expectativa é pela imediata retirada do cascalho acumulado e posterior repovoamento das áreas produtivas, com sementes produzidas no laboratório de aquicultura da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Análises da qualidade da água e amostras do molusco fazem parte das ações emergenciais, com participação de técnicos da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária), UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Univali (Universidade do Vale do Itajaí) e ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade).
A ideia é usar mão de obra dos próprios extrativistas para utilização de rastelos [ancinhos] de ferro e pequenas embarcações para retirada e transporte dos cascalhos até a orla, explica a coordenadora do programa de aquicultura e pesca da Epagri, oceanógrafa Janaina Bannwart, 36. “O berbigão depende de uma mistura de lodo e areia. Não sobrevive em áreas sedimentadas”, aponta ela, com base em parecer do agrônomo Alex Alves dos Santos, 39, também da Epagri. O relatório admite a necessidade de análises mais específicas sobre a qualidade da água.
Na Tapera, o problema social se agrava. Rudinei Martins, 60, um dos mais velhos, não consegue emprego fora da baía. “Não sabemos fazer outra coisa”, diz. O mesmo acontece com os vizinhos Venâncio André, 27, Gabriel Ferraz, 18, e Tiago Menezes, 29, todos desempregados e sem perspectiva de renda. “Está difícil, nunca pensei que ia chegar ao fim, precisamos de ajuda”, emenda Ferraz.
Croa mais parece sambaqui no mar
A visão é desalentadora, principalmente na croa grande, como é conhecida por pescadores a área localizada entre a Base Aérea de Florianópolis e a foz do rio Tavares, ao sul da baía. Revestido de cascas amontoadas pelo encontro das marés, o baixio que divide os bancos de berbigão da Resex do Pirajubaé mais parece um sambaqui [cemitério indígena feito de conchas] no meio do mar.
Mais visível na maré baixa, o casqueiro forma grossa camada que em alguns pontos chega a meio metro de altura, alterando a composição do solo lodoso onde a espécie procria e se prolifera. “É importante ressaltar que cessou a alta mortandade que atingiu as áreas produtivas em novembro [de 2014) e fevereiro deste ano”, ressalta o biólogo Leôncio Lima, analista ambiental do ICMBio e chefe da Resex.
A prioridade agora, segundo Leôncio, é acelerar a recuperação das áreas dizimadas, com a implantação de projeto para manejo de sementes, limpeza do cascalho e estipulação de novas regras de extração nos 700 hectares da reserva. “Durante o repovoamento será preciso conter a atividade extrativista para dar tempo de regeneração da espécie”, avisa.
Na Costeira, onde a comunidade é representada pela Associação Caminhos do Berbigão, vários grupos de trabalho foram instituídos, com participação dos próprios extrativistas para planejamento e execução de pesquisa. Também está sendo atualizado o cadastro de beneficiários para elaboração de novas regras de cata, adequadas à situação atual.
Sem trabalho, famílias dependem de doações
Foram mapeadas duas áreas, de 1.000 m2 cada uma, que serão delimitadas para a retirada dos cascalhos, provavelmente ainda na primeira quinzena de julho. Era na Resex do Pirajubaé que Joelma Salvelina de Souza, 34, e o marido Leonardo, 35, garantiam a renda e alimentação da família.
O casal que faz parte das 50 famílias envolvidas diretamente na atividade e cadastradas junto ao ICMBio está desde fevereiro sem trabalhar.Como eles, são 250 pessoas envolvidas diretamente, e outras 500 que dependem de forma indireta da atividade. “Estamos vivendo de bicos e doações. Já tem gente passando necessidades”, diz o presidente da Associação Caminhos do Berbigão, Fabrício Gonçalves, 36. Segundo ele, a maioria dos catadores recusou as quatro cestas básicas anuais oferecida pela Prefeitura de Florianópolis, por meio das secretarias municipais de Pesca e do Desenvolvimento Social. “O ano tem 12 meses, não quatro. Precisamos de ações mais concretas do poder público para avaliar as causas do desastre ambiental e resgatar o ganha-pão e a autoestima da comunidade”, diz.
Prefeitura tenta regulamentar atividade
O desaparecimento da espécie e a ameaça à subsistência das famílias extrativistas foram incluídos emergencialmente na pauta do diretor geral da Secretaria Municipal de Pesca, Henrique Silva, em Brasília desde ontem. Segundo ele, está descartada a criação de seguro-defeso durante a entressafra forçada pela falta do molusco porque a atividade não é regulamenta pelos Ministérios da Pesca e do Trabalho.
“Trata-se de uma prática secular, mas que nunca recebeu atenção do poder público”, diz Silva, que no Ministério do Trabalho e Emprego discutiu encaminhamentos para certificação do produto e inclusão dos extrativistas de Florianópolis no Projeto de Economia Solidária. “Assim, teremos a garantia alimentar do molusco e implantação de novas práticas de manejo e beneficiamento de acordo com a legislação atual”, diz.
Em falta nas baías Norte e Sul, o molusco trazido de São Francisco do Sul, Norte do Estado, atinge cotação recorde no Mercado Público de Florianópolis. Os preços nesta semana variaram entre R$ 30 e 32 o quilo, praticamente o dobro cobrado no início do verão passado, em dezembro.
( Notícias do Dia Online, 26/06/2015)
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