Os maricultores Nei Leonardo Nolli, de Sambaqui, e Ruy Ávila Wolf e Klaus Nelson Ferreira, o Cacau, do Ribeirão da Ilha, têm pouco mais de duas semanas para tirar passaporte na sede da Polícia Federal, preparar o restante da papelada e aprender o básico da língua francesa. Os três foram sorteados ontem, na sede do Igeof (Instituto de Geração de Oportunidades de Florianópolis), para viagem de intercâmbio com colegas de Bourcefranc-le-Chapus, uma das principais regiões produtoras de ostras do litoral da França.
A seleção levou em conta a apresentação dos documentos exigidos, entre eles registro de aquicultor e contrato de cessão de uso de águas públicas da União para fins de aquicultura. Nei, Ruy e Cacau serão os primeiros de um total de 12 produtores da Ilha que devem passar pelo intercâmbio até o encerramento da gestão, em 2016.
Uma das metas é observar os avanços tecnológicos utilizados pelos produtores europeus. Exemplos das adaptações de equipamentos são as atuais balsas utilizadas por produtores do Norte e do Sul da Ilha, copiadas de modelos franceses. “Há outros equipamentos para limpeza que podemos tentar readequar à nossa realidade”, explica Cacau.
Para Ruy e Nei, a troca de experiências será importante também como forma de reestimular a produção local. “A maricultura na Ilha passa por crise, estamos produzindo e vendendo menos. Há um certo desânimo no setor, e é preciso fazer algo para alavancarmos novamente a atividade”, diz Nei.
Apesar das diferenças tecnológicas e climáticas, Ruy acredita que a viagem possa também dar subsídios para enfrentamento de períodos de crise produtiva. “Precisamos saber, por exemplo, como os produtores de lá lidam com longos períodos de chuva, queda de salinidade e mortandade de moluscos”, acrescenta.
Além dos três sorteados, outros três haviam sido previamente selecionados pelo Igeof – David Freitas Carriconde, Nilton Cesar Kretzer e Tânia Fátima de Melo Saievicz. Estes ficarão de sobreaviso e chamados para novo sorteio, caso Ruy, Nei e Cacau não consigam concluir a última etapa burocrática do edital antes da viagem.
Mecanização do trabalho
A convocação dos produtores interessados no sorteio, segundo o superintendente do Igeof, Everson Mendes, foi feita por edital [de chamamento] e divulgado no site da Prefeitura de Florianópolis e Diário Oficial. Firmado em 1996 pela então prefeita Angela Amin (PP), o convênio com o Liceu do Mar e do Litoral, com sede em Bourcefranc-le-Chapus, estava desativado há oito anos [administrações do atual senador peemedebista Dário Berger].
Estão previstos projetos científicos e de formação técnica ligados ao desenvolvimento sustentável da aquicultura, da maricultura e da pesca, informa Mendes. Até 2016, serão realizados intercâmbios em quatro etapas, com a vinda de estudantes franceses à Ilha e a ida de doze maricultores para aprenderem novas técnicas e formas de trabalho.
Na França, o trabalho é bastante mecanizado, pois a mão de obra custa caro, informa a consultora em cooperação internacional, Jeanine Périé. Ela se encarregará de ensinar o básico da língua francesa aos três produtores sorteados para a primeira etapa da viagem. A mecanização é uma das primeiras diferenças a serem observadas na França pelos produtores de Florianópolis.
“Aqui, o trabalho é mais manual e pesado, o que restringe os cultivos a áreas próximas da orla. Na França, cada maricultor tem seu barco equipado para trabalhar a bordo e levá-lo até o cultivo que pode ser longe do rancho”, explica Jeanine. Na primeira etapa, foram contemplados12 candidatos, dos quais seis passaram pelo processo de avaliação, seleção e do sorteio das três primeiras vagas.
Críticas ao edital
Um dos pioneiros da maricultura em Santa Catarina, o produtor José Carlos Queiroz, 64, apareceu de surpresa na sede do Igeof para questionar os critérios do edital e do sorteio das três vagas. Queiroz alegou que a maioria dos produtores locais não teve acesso às informações sobre o concurso, que, segundo ele, “é jogo de cartas marcadas”.
Depois de discutir com o superintendente do Igeof, Everson Mendes, que ameaçou expulsá-lo da sala, Queiroz foi convencido a acompanhar o sorteio sem interferir no processo. Mesmo assim, garantiu que reunirá colegas do Norte da Ilha para questionar o processo administrativa e judicialmente. Queiroz também criticou, também, o que chamou de abandono e desinteresse da administração municipal com a situação lastimável em que se encontram os produtores de Santo Antonio de Lisboa.
“O incêndio que destruiu os ranchos do Cantinho da Ostra ocorreu há um ano e dois meses. De lá para cá, só temos prejuízo e a mesma prefeitura que leva um grupo para a França faz de conta que não existimos”, desabafou. Queiroz descartou somente ontem 8.000 dúzias de ostras, mortas pelo excesso de chuva e que da salinidade nas baías de Florianópolis.
(Notícias do Dia Online, 22/04/2015)
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