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Manezinho da Ilha: o humor era marca

Os apelidos nasciam da criativa lavra do mais genuíno humor ilhéu, matéria-prima que boiava com generosidade no remanso das duas baías.

Um homem reconhecidamente dono de especial dote anatômico, carregava pela cidade um apelido-frase:

“Se tens intrigas não me digas, se tens segredos não me negues”.

Alusão ao documento viril, que exigia especial engenho do alfaiate. Por causa desse atributo, o homem circulava com a risível alcunha de “o segredinho do alfaiate”.

Alguns dos apelidos mais conhecidos da Ilha eram autênticos nomes de batismo. Ninguém sabia o verdadeiro nome do Curvina, caseiro em chácara de família, bem no centro da cidade. Carregava o estigma de ser maricas naqueles tempos politicamente incorretos. E corria atrás da molecada para reagir ao insulto.

A gorda Barca Quatro, úberes imensos, língua afiada, cuspia em quem a chamasse de apelido por causa do seu imenso volume. O exagero na maquiagem era a marca registrada da Lídia Traça, empoada, cheia de rouges, vestidos de melindrosa sempre cobertos de peles. Mais parecia um desses desenhos infantis, concebidos para colorir.

A presença da Nega Tita era sempre coletiva. Vivia grávida, cercada dos filhos, recusando a caridade das senhoras pias que a procuravam para adoção:

– Qués filho, é? Vão dá como ô di.

E havia os tipos superpopulares, como o Marrequinha, bancando o guarda de trânsito e multando forasteiros que acreditavam estar diante de uma “otoridade”.

Já o Adolfo sonhava ser quem não era, reivindicando a propriedade de todos os carros da ilha – e gabando-se de ter vendido um Oldsmobile ou um Packard para o governador, o deputado, o senador.

O Capa Preta ainda vive nas dobras de um mistério. Identidade nunca descoberta, assombrava as mocinhas que se atreviam a ir de noite ao cinema – no Ritz, São José ou Clube Doze.

E havia também o Boca da Noite. Rosto tomado pela bexiga, trazia a varíola como sua foto 3 x 4. Seu nome era Daniel Pinheiro, nosso Fantasma da Ópera. Voz grossa e pastosa, com um simples bom dia fazia tremer os andaimes das obras do Centro.

Os tipos foram desaparecendo no meio das galáxias demográficas, tragados pela expansão da cidade, que já beira o milhão de almas, contando-se a Ilha e os vizinhos do continente.

Na falta da antiga verve dos apelidos, sobrevive a aura dos manezinhos urbanos, cujo humor infelizmente vai também fenecendo, debaixo do ronco dos motores e dos engarrafamentos.

(DC, 24/02/2015)

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1 Comentário

  1. Carlos disse:

    Interessante.

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