ENTREVISTA:“Somos contra a pesca burra”
Jules Soto – Oceanógrafo
Professor, pesquisador e curador do Museu Oceanográfico da Univali, Jules Soto admite que a medida é drástica ao setor pesqueiro, mas diz que é a única possível. Ele participou das discussões e da elaboração da lista.
Essa medida do Ministério do Meio Ambiente não é muito radical com o setor pesqueiro?
Não é radical, é real. É uma lista construída com base em dados científicos, feita por dezenas de pesquisadores de diversos Estados e das mais variadas áreas.
Eu acompanhei e participei de etapas desta lista. Não foi um devaneio, foi uma análise em conjunto. Existem dados estatísticos comprovando que há espécies ameaçadas já em colapso ou que estão entrando em colapso.
Há décadas se pescava toneladas de determinados peixes em poucos dias, e hoje se pega dois ou três exemplares em uma semana de pesca. E não estou usando força de expressão.
Não havia uma alternativa que minimizasse o impacto da proibição aos pescadores?
O problema não é a lista, não é o pescador e não é o pesquisador. O problema é a falta de ordenamento pesqueiro que ocorre há décadas. Agora com medidas de choque tenta se ordenar o setor, o que eu não acredito que aconteça.
O Estado devia ter agido muito antes. No momento que se denuncia que uma espécie está ameaçada de extinção, o Ministério Público toma atitudes e os órgãos ambientais precisam seguir a legislação. A forma que se pesca aqui não pode continuar.
O Estado é incompetente, o pescador foi mal orientado e pouco alertado, mas o mais importante de tudo é o recurso. Nossa função é proteger o recurso e não podemos permitir que esse tipo de pesca continue ocorrendo.
O que deveria ter sido feito para evitar a atual situação?
Em um país sério, quando determinado recurso está entrando em colapso, o Estado ajuda a buscar alternativas gradativas para aquele setor. No Japão pouquíssimas pessoas pescam próximo da costa. A maioria pesca fora, nos oceanos Índico e Atlântico, porque o Estado financia a construção de navios, incentiva os pescadores. No Brasil, o Estado é irresponsável em relação a pesca, e agora de uma hora para outra o pescador se torna marginal. O Estado está agindo tarde e sem ver alternativas.
Com ou sem medidas proibindo a pesca de determinadas espécies, o setor caminha para um colapso?
Salvo raras exceções nos últimos anos, a pesca vem decaindo e com ou sem lista já ia enfrentar sérios problemas no futuro. A tendência é parar de pescar. Um erro muito sério do pescador é acreditar que o problema é o pesquisador. Um erro muito sério do pesquisador é achar que o problema é o pescador.
O culpado disso tudo é o Estado. O recurso natural não tem um dono, é gerenciado pelo Estado, que só quer cobrar impostos e é incompetente com a pesca e com muitos outros setores do país. Não somos contra a pesca, somos contra a pesca burra. Contra a pesca que não tem futuro para os próprios pescadores.
ENTREVISTA: “A lista compromete o pescado”
Giovani Monteiro – Presidente do Sindipi
O presidente do Sindicato dos Armadores e da Indústria da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi), Giovani Monteiro, participou diretamente das negociações com Brasília. Na entrevista, ele esclarece o movimento.
Por que vocês não liberaram o transatlântico?
Giovani Monteiro – A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, é a única culpada desse navio ter estado aí esse tempo todo. Era só questão de inserir o setor produtivo, mas ela relutava desde ontem (segunda-feira). A gente avisou a Marinha do Brasil que faríamos o movimento e que havia esse risco. A gente comunicou e eles falaram que teria um transatlântico, as lideranças acordaram a entrada e saída, mas o movimento tomou uma proporção muito grande.
Existiram outras negociações?
Ontem (segunda-feira) à noite, por diversas vezes eu tentei que liberassem os acessos, mas os pescadores não queriam isso. Volto a falar, a culpada de tudo isso é a ministra do Meio Ambiente. Se ela assinou hoje (terça-feira) o documento, por que não assinou ontem (segunda-feira)? Se assinasse antes teríamos liberado e não haveria esse transtorno para o porto e para os passageiros.
O que vai acontecer na prática com a indústria da pesca se a portaria permanecer em vigor?
Giovani – O prejuízo é imensurável. A gente não consegue calcular, porque é em todas as modalidades. Atinge os pescadores, armadores e comerciantes. O que posso dizer é que a lista (portaria 445) compromete em 50% o volume de tudo o que é pescado na região (Litoral Norte de SC).
O setor teme a invasão de importados?
Giovani – Com certeza, tem todo esse aspecto socioeconômico. A importância de toda a nossa cadeia, que soma 60 mil pessoas.
Quais são as outras reivindicações que o documento assinado pelo ministro da Pesca, Helder Barbalho, contempla?
Giovani – Dá a correção da N10 (norma), que envolve as permissões para os barcos nos próximos dois anos. Elas estavam erradas. Além dá inserção da sociedade civil e da academia no grupo. Ou seja, os cientistas estarão no grupo, a gente, inclusive, brigou pela academia. É uma vitória de todo setor, não é minha (Sindipi) e nem do Sintrapesca, é dos pescadores que estiveram até agora nesse movimento.
(DC, 07/01/2015)
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