Construídas para compor um sistema de defesa, as fortalezas da Ilha de Santa Catarina e de seu entorno começam a ser encaradas como um circuito que prioriza a aproximação, a visitação cada vez maior de pessoas. Para isso, um grande projeto vem sendo executado para extrapolar a mera função turística que os fortes têm atualmente, transformando-se em equipamentos culturais, pela importância arquitetônica e pelo estreito vínculo com a história de Florianópolis. Para alcançar esses objetivos, um dos avanços projetados diz respeito à acessibilidade, com a proposta de instalação de pequenos bondes (funiculares) e de plataformas elevatórias que facilitem a chegada de cadeirantes e idosos a ambientes que hoje lhes são vedados pelas características dessas edificações erguidas no século 18.
Desde setembro de 2013, a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) realiza obras emergenciais na fortaleza de Santa Cruz, na ilha de Anhatomirim, mas já tem em mente atender a uma exigência do Ministério Público que pede a implantação de equipamentos de acesso a todas as pessoas, sem interferir na estrutura dos prédios tombados. Estudo realizado por uma ex-aluna da universidade contempla várias possibilidades de intervenção, baseadas em experiências realizadas no Brasil e fora dele. “Há as opções de um funicular sobre plano inclinado e de pequenas plataformas que dariam acesso à antiga casa do comandante, pelos fundos”, afirma o arquiteto Roberto Tonera, do Projeto Fortalezas da Ilha, falando das obras em Anhatomirim.
No Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), responsável por todas as fortalezas, não se fala, por enquanto, na acessibilidade. “Ainda não há definições [sobre os equipamentos], uma vez que o projeto ainda está sendo desenvolvido”, diz a superintendente do Iphan-SC, Liliane Janine Nizzola.
O próprio instituto tem uma normativa de 2003 que estabelece critérios de acessibilidade aos bens culturais sob jurisdição federal. “Precisamos de uma regulação entre a norma, a determinação do Ministério Público e o que pode ser feito nessas construções”, ressalta Tonera.
Dinheiro orçado é insuficiente
Como a questão da acessibilidade não será contemplada na etapa inicial do projeto, falar em elevadores, escadas rolantes e rampas faz parte do que os agentes envolvidos – UFSC, Iphan-SC, Prefeitura de Florianópolis – consideram o melhor dos mundos, mas que depende de recursos nem de longe previstos no momento. Roberto Tonera conhece os funiculares da cidade do Porto, de Lisboa (ambas em Portugal) e de Salvador (BA) e sabe que a ideia é viável, mas adverte que os R$ 10 milhões orçados no PAC das Cidades Histórias (sendo R$ 1,5 milhão apenas para a contratação dos projetos) para o circuito das fortalezas da Ilha podem não chegar para tudo o que essas construções demandam. “Vamos precisar de três vezes mais do que isso”, prevê.
O arquiteto calcula que será possível aumentar em até 80% o número de idosos e cadeirantes que poderão andar pela ilha de Anhatomirim após a conclusão dos projetos de mobilidade – hoje, a escadaria ao lado do trapiche de atracação impede que um portador de deficiência física chegue ao terrapleno, ou seja, à parte superior livre de desníveis e depressões no terreno. O problema passaria a ser a adaptação dos barcos que fazem o transporte das pessoas para a ilha, tema que está sob a responsabilidade do município. “A atividade das escunas não está regulamentada, e além disso há a questão das marés, que variam muito”, destaca.
Um ganho para os cadeirantes
No forte de São José da Ponta Grossa, em Jurerê, o acesso depende da demolição de uma casa construída irregularmente na entrada, onde os cadeirantes desembarcariam para entrar nos passeios internos. Da praça a ser construída ali, uma rampa ou elevador externo garantiriam o acesso para o terceiro nível, onde estão a capela, o paiol e a casa do comandante, de onde se pode vislumbrar todo o conjunto edificado. “Dos quatro edifícios do forte, hoje sem acesso, poderíamos oferecer a possibilidade de o cadeirante chegar a três”, afirma o arquiteto Roberto Tonera. “Seria um grande ganho”, ressalta. Quando isso for possível, todos os visitantes poderiam chegar às salas onde a UFSC realiza eventos e exposições temporárias na fortaleza.
Projeto contempla oito fortes na região
Os trabalhos emergenciais em curso preveem a recuperação das paredes, dos telhados (substituição de ripas, telhas e caibros apodrecidos) e a pintura dos três fortes administrados pela UFSC via comodato com o governo federal – Anhatomirim, São José da Ponta Grossa, entre Jurerê e Daniela, e ilha de Ratones Grande, na baía Norte, além da bateria de São Caetano, anexa à fortaleza de Ponta Grossa. O recurso de R$ 1,5 milhão que a universidade está adiantando no projeto inclui ainda a troca de aberturas e esquadrias de madeira em geral. Com recursos federais, também serão recuperadas as fortalezas de Santa Bárbara (sede da Capitania dos Portos), Santana (embaixo da ponte Hercílio Luz), Araçatuba e Naufragados (ambas no Sul da Ilha).
Após a restauração dos prédios, o projeto prevê investimentos na sinalização, que será interpretativa, no paisagismo, com trilhas, passeios e caminhos históricos, e na museografia, de forma a tornar as fortalezas locais de visitação por motivos que extrapolem o interesse turístico. A sequência das etapas será definida por um conjunto de entidades que, além da UFSC, Iphan-SC e prefeitura, inclui a SPU (Secretaria do Patrimônio da União), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Fatma (Fundação do Meio Ambiente do Estado), Exército e Marinha do Brasil.
Em relação a Anhatomirim, há medidas em vista como a reativação de um aquário que já funcionou ali e a transferência do ICMBio para a ilha, onde o instituto passaria a ter sede própria e atuaria como um centro de informações sobre o patrimônio ambiental na região. “Temos dois edifícios fechados que podem reabrir com funções muito qualificadas”, afirma o arquiteto Roberto Tonera.
Iphan destaca valor das parcerias
Por e-mail, o Iphan-SC informa que busca transformar as fortalezas em atrativos culturais. “Para tanto, estamos elaborando um plano de gestão integrada e focando os projetos para usos que garantam a sustentabilidade dos bens, através da dinamização dos atrativos existentes em cada fortaleza, o desenvolvimento de produtos personalizados para venda (souvenirs), a construção de parcerias sólidas para que a visitação seja focada também nas escolas e moradores da região”, diz a superintendente Liliane Nizzola. “A construção das parcerias é imprescindível, uma vez que há diversas atividades que podem ser agregadas, bem como instituições que podem trabalhar juntas na busca de uma requalificação e dinamização destes espaços”.
No momento, três empresas contratadas elaboram os projetos de restauração, paisagismo e comunicação visual para as fortalezas. Só os três conjuntos administrados pela UFSC recebem cerca de 110 mil pessoas por ano.
(Notícias do Dia Online, 23/09/2014)
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