Mesmo com recomentação do Ministério Público, sistema eletrônico de controle de assiduidade ainda não foi implantado. A universidade determinou que técnicos assinem folha-ponto, mas apesar da obrigação legal de comprovar frequência no trabalho, sindicato diz que funcionários “não estavam acostumados” com cobrança
Depois de 18 anos sem controle, começou a valer em 1o de agosto a folha-ponto para técnicos administrativos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Apesar de ser um modelo obsoleto, comparado com os atuais meios de controle biométrico, a cobrança enfrenta resistência por parte de servidores e não agrada ao Ministério Público Federal (MPF). A luta é fazer cumprir o decreto de 1996 que exige o controle dos servidores federais.
Em dezembro de 2013 o MPF recomendou que a instalação de aparelhos eletrônicos deveria ser feita em seis meses e uma ação civil pública está sendo estudada por causa do descumprimento da recomendação. Em 2004 um inquérito civil instaurado na Procuradoria da República investigou denúncias de descumprimento da carga horária de servidores da UFSC. Em 2007, uma inspeção da Controladoria Regional da União (CRU) apontava problemas no controle de frequência e pontualidade dos servidores.
Por causa da recomendação da CRU, em 2011 ocorreu a primeira tentativa de implantar o sistema de ponto. O procedimento não deu certo e resultou em uma briga na Justiça entre UFSC e a empresa que forneceu aparelhos de registro de ponto.
A reitora da universidade, Roselane Neckel, diz que agora optou pela folha-ponto, provisoriamente, por conta do processo jurídico que envolve a licitação dos equipamentos, na gestão anterior. Durante os próximos três meses a reitoria deve avaliar o esse sistema de registro.
– A legislação não nos permite outra licitação. Então nossa saída foi fazer o controle de frequência em folha-ponto – justifica a reitora.
A procuradora da República Daniele Cardoso Escobar não concorda com a aplicação desse modelo em vez do controle biométrico. Ela explica que universidade já deveria cumprir a legislação de 1996. Em razão da necessidade de a instituição se adequar, foram dados prazos que venceram em agosto deste ano.
– A recomendação era que fosse instalado o controle eletrônico. Os problemas administrativos internos eles deveriam ter resolvido e tomado as medidas cabíveis para obter o objeto mencionado. A folha-ponto confirma nossas suspeitas de que não estava sendo feito nenhum tipo de controle – menciona a procuradora.
Na avaliação do advogado especialista em Direito Administrativo Natan Borba não há impedimentos para abrir uma nova licitação enquanto corre o processo na Justiça em relação aos equipamentos comprados.
– Só se houver um pedido de tutela para que não adquira novos equipamentos. Mas, caso contrário, são relações divergentes. A universidade tem que cumprir a recomendação do MPF e paralelamente buscar a reparação do dano – um processo que pode levar anos – observa.
Desde agosto em uma greve considerada “atípica”, técnicos administrativos da UFSC, apesar da determinação legal, dizem não concordar com a o que consideram uma “imposição de controle de horários” e reivindicam a redução da jornada de 40 para 30 horas semanais. Sem precisar quantos funcionários aderiram ao movimento, técnicos tentam provar que é possível reduzir a carga horária sem deixar de atender aos setores. Em vez de cumprir oito horas diárias, eles estão trabalhando seis horas e dizem ter organizado a escala de forma que os serviços fiquem abertos por 12 horas.
Sindicato fala em controle social
O diretor de formação política Sindicato dos Trabalhadores da UFSC (Sintufsc), Dilton Mota Rufino, observa que nenhum setor parou na universidade após o início da greve.
– Somos contrários à maneira como foi instituída (folha-ponto), não foi negociado. As pessoas estavam acostumadas a não assinar o ponto. Defendemos o controle social com os horários das pessoas e telefones afixados nas portas. Sugerimos a revogação ou a suspensão, para ser melhor discutido – frisou o Rufino.
Sobre a flexibilização na carga horária Rufino afirma que existe uma demanda nacional da categoria para atender ao público em turnos correntes que atinjam ao total 12 horas, sendo que servidores trabalham por seis horas ininterruptas.
Folha-ponto começou a ser utilizada na universidade há um mês por determinação da reitoria
Universidade e empresa brigam na Justiça
Em 2009 a UFSC realizou pregão eletrônico para a compra de 103 equipamentos de registro do ponto de servidores. Vencedora da licitação, a Intelli Sistemas cobrou R$ 305,9 mil. Durante a instalação e os primeiros testes, houve divergências entre a UFSC e a empresa. Hoje correm dois processos na Justiça, um por parte da empresa, que alega que não recebeu a totalidade dos valores, e outro por parte da universidade, que tramita na Procuradoria Federal da Advocacia-Geral da União (AGU), por alegar que os equipamentos não atendiam às necessidades e pedindo a devolução dos valores pagos.
O pró-reitor do departamento de Administração da Universidade, Antônio Carlos Montezuma Brito, é responsável pelo processo e explica que a empresa contratada entregou apenas 56 equipamentos. Outro problema, segundo Brito, foi que os aparelhos não emitiam recibo do registro de ponto, que passou a ser obrigatório após a portaria 1.510 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Brito explica que no primeiro parecer da Justiça, de outubro de 2011, a Intelli teria que pagar uma multa de cerca de R$ 30 mil, valor que a empresa contesta na Justiça. Durante o processo, a empresa ficou impedida por dois anos de participar de outras concorrências públicas. Os equipamentos estão lacrados aguardando a decisão da Justiça.
– A Procuradoria Federal vai entrar com um pedido de restituição dos pagamentos assim como um pedido de ressarcimento ao erário dos recursos pagos. Tivemos ainda a informação que a empresa não existiria mais – diz.
Procurado pela reportagem, o proprietário da empresa, Carlos Bill Fernandes, nega as informações de que os equipamentos não funcionaram. Ele afirma que a Intelli, com sede em Porto Alegre (RS), está há mais de 20 anos no mercado e cumpriu todas as exigências contidas no edital e que a impressão de recibo era um item que não constava no documento.
Advogada pede valores não pagos
O empresário afirma ainda que os equipamentos foram todos entregues e instalados.
– A entrega foi feita na sua totalidade e foi recebido apenas uma parte do valor. Os servidores boicotaram o relógio e os equipamentos começaram a apresentar defeitos estranhos – alega.
De acordo com a advogada da empresa, Liana Pertile, o processo tramita na Justiça Federal de Santa Catarina e está em fase de recursos, pedindo o restante dos pagamentos.
O servidor da UFSC que exercia o cargo de pró-reitor em 2011, João Batista Frutuoso, acompanhou o processo licitatório na época. Ele disse que os equipamentos foram instalados, mas não atendiam aos requisitos como o cadastramento das digitais.
– No início foi testado um grupo pequeno que funcionou, mas os demais não funcionaram.
ENTREVISTA: “Os equipamentos deles não atendiam às necessidades”
Alvaro Toubes Prata, Ex-reitor da UFSC, gestor na época da licitação de compra dos aparelhos
Alvaro Prata foi reitor da UFSC entre 2008 e 2012, período da compra dos aparelhos, e atualmente é secretario Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia
Diário Catarinense – O que deu errado no processo de compra dos equipamentos?
Alvaro Prata – Os equipamentos não funcionavam tecnicamente. A empresa instalava e testava, mas tinha toda uma questão de hardware e de software.
DC – A universidade pagou pela compra?
Prata – Pagamos a primeira parte e quando vimos que não estava funcionando direito, não pagamos mais.
DC – A questão de que os equipamentos emitiam ou não recibo aos funcionários também foi um dos entraves?
Prata – Não me lembro desse fato.
DC – A empresa alega também que houve vandalismo em algumas máquinas por parte de alguns servidores. O senhor confirma?
Prata – Pode ter havido um ou outro caso de vandalismo, mas o problema é que eles não conseguiram fornecer equipamentos que atendessem às necessidades. Me lembro que ficamos interagindo com eles e demos oportunidade. Ficamos num vaivém, até que vimos que eles não teriam condições de nos atender.
DC – Houve resistência por parte dos servidores?
Prata – Sim, houve. Tínhamos que nos preocupar com a mudança cultural de estabelecer o ponto eletrônico e ainda enfrentar as dificuldades técnicas.
Leo Munhoz, bd, 4/5/2012
(DC, 22/09/2014)
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