Aos 54 anos, Carlos Berenhauser Leite sente certo prazer ao dizer: “Vou pra cidade”. Toda vez que se desloca do bairro Jurerê até o Centro, repete ao pé da letra a expressão comum entre os mais antigos, herdada dos tempos em que o litoral era ocupado por freguesias distantes umas das outras. “Se o Norte da Ilha fosse uma cidade estaria entre as mais populosas do Estado”, diz o engenheiro civil e vice-presidente do Sinduscon (Sindicato das Indústrias da Construção Civil), que desde 1982 atua em gerenciamento urbano. Nos últimos 20 anos, o adensamento urbano praticamente duplicou a população em Florianópolis — de 250 mil para 450 mil. Crescimento que nem sempre se preocupou com as questões mais básicas, como saneamento e meio ambiente.
Aprovado em janeiro, o novo Plano Diretor de Florianópolis prevê novas diretrizes para o crescimento da cidade. Na teoria a proposta é criar centralidades, tirar o trânsito da região central e controlar o crescimento populacional. Mas antes mesmo de completar um ano, o plano deve retornar à Câmara de Vereadores para a primeira revisão. Fruto de longas e controversas discussões, que se arrastavam desde 2007, a aplicação das novas regras ainda provocam dúvidas aos florianopolitanos que enfrentarão mudanças nas diretrizes.
Para o vereador Pedrão Silvestre (PP), um dos que resistiram à “aprovação acelerada do plano”, como disse, as novas oficinas não encerram a discussão. “O plano aprovado é melhor que o antigo, mas não está pronto. A pressa na aprovação causou um retrabalho”, afirma.
Na quarta-feira, a Prefeitura de Florianópolis encerrou as oficinas públicas em todas as regiões da cidade. Os encontros com as comunidades chegaram a ser discutidos na Justiça, e acabaram cumpridos mesmo sem decisão que obrigasse a prefeitura a realizar as oficinas.
As reuniões com as comunidades acarretaram novas demandas, que serão levadas a uma audiência pública e colocadas no novo projeto que será encaminhado aos vereadores até o fim deste ano. “Na prática não serão grandes mudanças, apenas questões concretas e pequenas correções”, minimiza Dalmo Vieira Filho, secretário municipal de Desenvolvimento Urbano.
Dificuldades para deter construções irregulares
Por outro lado, o município ainda enfrenta dificuldades para frear as construções ilegais, que se multiplicam sem nenhuma interferência do poder público. “O problema transcende a fiscalização, existem dificuldades em se conseguir manter os embargos e ordens de demolição. Não existe grande cidade que não enfrente esse problema”, defende o secretário Dalmo Vieira Filho.
Na Justiça, tramitam ações contra ocupações irregulares, como o caso das invasões na orla da Lagoa da Conceição, e contra a falta de saneamento básico, ajuizada recentemente devido à poluição em Santo Antônio de Lisboa.
A capacidade de fornecimento da água para a cidade — retirada dos aquíferos dos Ingleses, Lagoa do Peri e Manancial de Pilões — é desconhecida, e o plano hidrográfico sobre os rios mais importantes da Capital data de 1970. “É necessário um estudo prévio sobre as reais necessidades da cidade antes de se construir um plano. Uma cartografia da cidade, um plano de saneamento, um estudo sobre as nascentes, mas nada disso foi feito”, afirma o vereador Pedrão Silvestre.
Recentemente em vigor, os efeitos da lei 374/2010, que permite a legalização dos imóveis irregulares construídos até 2008, tenta organizar a cidade por outro eixo, dando a chance dos munícipes entrarem para a legalidade. “Muitos comércios funcionam de forma ilegal devido problemas na regularização”, explica Dalmo. Segundo o secretário, a medida é flexível e os casos não estão condicionados somente ao novo Plano Diretor.
Engenheiro cobra mais fiscalização
Para o engenheiro Carlos Berenhauser Leite, as novas políticas para regramento do crescimento imobiliário eram necessárias. “Ao longo dos anos os bairros mudaram e os tipos de usos dos imóveis também. Era preciso um novo zoneamento, mas claro que agora é preciso fiscalizar”, diz.
Com o cumprimento do decreto que regulariza os imóveis construídos até 2008, o município deve lançar uma nova anistia para os construídos até este ano. “O negócio é que isso não pode se repetir”, alerta Berenhauser.
A mesma medida foi aplicada na cidade de São Paulo este ano, pela segunda vez. A primeira lei na capital mais populosa do país foi em 1999, mas que pela falta de fiscalização acarretou em milhares de novos imóveis irregulares.
Tida como um dos principais destinos turísticos e polo de uma região que chega a um milhão de habitantes, Florianópolis tem como desafio nos próximos 20 anos conseguir se desenvolver e preservar o meio ambiente. “O turismo e a prestação de serviço são as principais atividades. Florianópolis pode crescer e se desenvolver, sobretudo nas áreas que já possuem infraestrutura mínima, para que se possa edificar sem que sejam abertas novas áreas”, afirma o engenheiro.
(Notícias do Dia Online, 26/09/2014)
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