A Operação Fundo do Poço é maior do que os fatos narrados pelo MP-SC (Ministério Público de Santa Catarina) na denúncia ajuizada em dezembro de 2013 contra os 46 acusados, incluindo o presidente afastado da Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina), deputado Romildo Titon (PMDB). A sessão desta quarta-feira do Órgão Especial do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), que vai decidir se será aceita a denúncia criminal, não termina com a investigação coordenada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco).
As provas coletadas pela maior operação do MP-SC já renderam 49 compartilhamentos de provas sobre dados não incluídos nesta ação que será julgada hoje pelos desembargadores e outras 18 divisões de provas contra os já acusados, mas que podem ser a base para ações de improbidade administrativa. A primeira delas foi a que concedeu em 15 de abril desta no o bloqueio dos bens do deputado Romildo Titon (PMDB) no valor de R$ 2.7 milhões. A decisão também atingiu outros três empresários e bens de suas empresas, todos acusados comandarem as fraudes em obras de poços artesianos em 17 municípios de Santa Catarina e do Paraná.
Além das provas compartilhadas, a IGP (Instituto Geral de Perícia) ainda não concluiu a análise de todas as provas reunidas pelo Gaeco e novos fatos podem ser alvo de outras investigações de promotores, além de dados que devem servir para apurações do Ministério Público do Paraná e do Rio Grande do Sul. No momento, uma equipe do Gaeco trabalha sobre os dados que não foram citados na primeira denúncia criminal na Procuradoria-Geral de Justiça devido ao foro privilegiado de políticos, principalmente contra os prefeitos e ex-prefeitos já denunciados. Outra parte do material será enviado a promotores de comarcas do interior, como no caso de outros crimes praticados por servidores da Fatma (Fundação do Meio Ambiente) e que deve chegar à promotoria de Lages.
O órgão ambiental estadual também está incluído nas acusações contra Titon. Segundo os áudios e os documentos anexados à denúncia, o deputado passou a fazer “veementes esforços” para patrocinar os interesses das empresas de poços artesianos junto às autoridades visando alterar as normas ambientais para facilitar ainda mais a atuação dos dois grupos de empresas e em “detrimento do meio ambiente”. O deputado havia “assegurado” a um dos empresários acusados que colocaria todo o seu peso político a favor dos interesses dos dois grupos investigados pelo Gaeco, inclusive antevendo a possibilidade de assumir interinamente o cargo de governador em 2014.
Segundo o MP-SC, outros indícios de fraudes em contratos e licitações públicas que não estão relacionados com a perfuração de poços artesianos ainda estão sendo analisados. Por enquanto, conforme a denúncia, estão sob suspeita contratos de R$ 4,9 milhões em 17 municípios. Mais de R$ 500 mil foram pagos como propina. Abdon Batista, Alto Bela Vista, Cambira (PR), Campos Novos, Celso Ramos, Erval Velho, Itá, Londrina (PR), Otacílio Costa, Ouro, Paial, Peritiba, Piratuba, Sabáudia (PR), São José do Cerrito, Dunas do Paraná (PR) e Xanxerê são as 17 cidades onde foram encontradas irregularidades.
Outras 42 municípios estão sob investigação e 49 tem indícios de possíveis problemas. Titon é acusado de crime de organização criminosa, corrupção passiva e advocacia administrativa. Segundo a denúncia, o deputado teria recebido R$ 60 mil em propina, divididos em três parcelas, além da promessa da abertura de um poço artesiano na sua propriedade, no valor de R$ 275 mil.
Órgão especial pode adiar análise do caso
Até a noite de ontem, o relator do caso, desembargador José Trindade dos Santos, ainda não tinha decidido se aceita ou não o pedido de cancelamento do julgamento de hoje feito pela defesa do deputado Romildo Titon (PMDB) e do ex-secretário de Desenvolvimento Regional de Campos Novos, Luiz Antônio Zanchett. O argumento dos advogados é de que o mérito da denúncia deveria ser julgado somente após o resultado da perícia que verificará a integridade das provas produzidas por meio das interceptações telefônicas. O resultado do exame feito em 18 de março não tem prazo para sair.
Segundo Trindade dos Santos, a decisão da relatoria será conhecida somente no início da sessão, quando será submetida ao Órgão Especial para julgamento. Desta forma, caberá aos demais desembargadores decidirem se julgam ou não a aceitação da denúncia na sessão de hoje. Caso aceitem o argumento da defesa, o julgamento da denúncia será adiado. “Ainda estou estudando o pedido e só devo decidir amanhã [hoje]. No início da sessão, vou submeter a minha decisão ao pleno”, assegurou o desembargador.
Deputados descartam intervenções no caso
Conforme antecipou ontem o colunista Roberto Azevedo, o deputado Romildo Titon, um dos 46 acusados na Operação Fundo do Poço, afastado da Assembleia Legislativa até o dia 1° de setembro, não pretende voltar à Casa, independente da decisão judicial de hoje. No entanto, caso o Tribunal de Justiça aceite a denúncia, os parlamentares têm asseguradas pela lei duas medidas capazes de interferir no caso: quebra de decoro parlamentar e pedido de sustação do andamento da ação.
A primeira ação foi sugerida pela deputada Angela Albino (PCdoB) depois que o Tribunal de Justiça rejeitou as tentativas da defesa do parlamentar de suspender as investigações, sob o argumento de que a competência para isso seria da justiça federal. Ontem, Albino descartou essa possibilidade. “Agora, há sete sessões do pleito e a menos de cinco meses do fim do mandato dele, perdeu a efetividade”, defendeu a deputada ao alegar que esta decisão caberia apenas a Comissão de Ética da Casa. Membro da Comissão, Luciane Carminatti (PT), também descarta. “Se a Alesc não fez nada até então, não o fará agora. Em período eleitoral, soaria como oportunismo”, disse.
A outra medida é garantida pela Emenda Constitucional nº 30, de dezembro de 2002. A lei assegura a qualquer partido com representatividade na Casa o pedido de suspensão do andamento da ação contra o deputado. Depois de aceita a denúncia e comunicada à Alesc, qualquer partido pode no prazo de 45 dias levar ao plenário o pedido de suspensão. Caso a maioria dos parlamentares aceite o pedido, o Tribunal de Justiça deve congelar a ação até o fim do mandato do deputado. Depois disso, o processo volta a ser investigado.
A maioria dos deputados e dos partidos desconhece a emenda. “Não conhecia essa lei, mas acredito que não será usada. Seria uma contradição usar, porque o deputado está na base buscando a reeleição e alegando inocência”, disse o deputado Aldo Schneider (PMDB). “Não houve qualquer debate dentro do partido sobre esse assunto. Nem sabíamos da possibilidade”, acrescentou o líder do PSD, Jean Kuhlmann. “Não acredito que algum partido vá usar essa medida e, se usar, acho que não prosperará. O Tribunal vai julgar com isenção”, opinou o líder petista Neodi Saretta.
“A Casa não tem que acusar, nem defender, não deve ajudar a enterrar, nem tentar salvar”, ponderou Amauri Soares (PSOL). “Realmente seria contraditório. Ele quer ser investigado para poder se defender, sempre disse isso”, assegurou também o presidente da Alesc, Joares Ponticelli (PP).
(Notícias do Dia Online, 05/08/2014)
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