Imenso muro com cores desbotadas de antigas pichações, entre as ruas Luiz Henrique Rosa e Isnard Pedro Bez, é o limite para moradores do Village 1, 2 e 3, condomínio de alto padrão social em uma das áreas mais valorizadas da Lagoa da Conceição. Do lado de lá, estrutura de forma estranha parece portal para conjunto de vigas e colunas de concreto armado com vergalhões enferrujados que emergem de um lago artificial. Abandonado, o local era o canteiro de obras do hotel resort Townhouse, empreendimento de 400 apartamentos em 17 mil m² de área construída, embargado desde 2002 em ação que, 12 anos e muitos recursos depois, ainda tramita na 6ª Vara Ambiental da Justiça Federal, em Florianópolis.
Formado pela alteração do contorno daquele trecho da orla, a caminho do Canto da Lagoa, lago e degradação ambiental ao redor são resultados do rebaixamento do lençol freático. Uma das consequências foi a inundação de parte da vegetação de restinga, típica daquele ecossistema. “E é mais um obstáculo ao acesso à lagoa, um grande criadouro de mosquitos”, resume o corretor de imóveis Márcio Simon Lapolli, 70, um dos primeiros moradores do condomínio.
Lapolli conhece bem a origem do problema. Ele já estava lá, em 2002, quando a empresa Lumak Participações Societárias demoliu chalés de antiga pousada para construção do novo empreendimento. Gigantesca, a obra nos limites dos 30 metros da orla da lagoa foi licenciada por laudos da Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente) e Fatma, órgão correspondente no governo do Estado, mesmo sem os devidos estudos de impactos ambientais e de vizinhança.
Considerada APP (Área de Preservação Permanente) em faixa de marinha, sob tutela da União, o licenciamento de operação caberia a órgão federal, no caso o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). Mesmo assim só depois dos respectivos estudos dos impactos ao ecossistema lagunar e àquela comunidade da Lagoa da Conceição.
A advogada Jucélia Corrêa, que representa os empreendedores, alegou sigilo profissional e não esclareceu se há interesse na retomada do megaprojeto. Nem soube informar se o esqueleto de concreto e ferro semialagado será removido para tentativa de regeneração da área degradada.
Rapidez para driblar legislação
A pressa dos empreendedores era estratégica. Além de ignorar os 30 metros da orla determinados pelo Código Florestal e pela Resolução 3003/2002 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), a intenção era despistar a Lei Complementar Municipal 099/02, que na época limitaria as construções na orla da Lagoa em dois pavimentos.
“Fizeram uma grande escavação, um buraco enorme que atingiu o lençol freático e foi inundado pela própria lagoa”, relembra Lapolli. A intenção era construir mais três pavimentos no subsolo, chegando a cinco com os dois permitidos pela legislação.
Mobilizada e preocupada com os efeitos no sistema viário e ao meio ambiente, a Amovillage (Associação dos Moradores do Village) acionou o MPF (Ministério Público Federal), que entrou com ação de embargo na Justiça Federal. A primeira sentença, de embargo e recuperação da área degradada, foi assinada em 10 de setembro de 2002.
O juiz federal substituto Jurandi Borges Pinheiro na época determinou a paralisação imediata das obras e ações emergenciais para “minorar a ocorrência de danos ambientais”. E fixou em R$ 100 mil a multa diária em caso de descumprimento.
Hoje, basta uma olhada por uma das frestas ou, para os mais curiosos, pular uma das placas quebradas do velho muro de concreto para perceber que o estrago ainda é grande. Em alguns pontos, não dá para saber o que é o espelho d’água da lagoa, nem até onde está misturado ao lago formado pela escavação do lençol freático a menos de 30 metros da margem original.
Processo arrasta junto impactos ambientais
Na época integrante do desativado Comitê de Gerenciamento da Bacia da Lagoa da Conceição, Jeffrey Holff lamenta os transtornos que a obra abandonada entre o Village e a orla ainda causa no entorno do LIC (Lagoa Iate Clube). “O estrago ambiental continua lá, cada vez mais grave e ameaçador para a comunidade”, critica. Enquanto isso, prefeitura, empreendedores e órgãos ambientais se escondem atrás de processo judicial que se arrastam desde 2002.
Menino na época do embargo, Eduardo, 20, filho da ex-secretária da Amoville, Monica Becker, ainda se lembra da mobilização da vizinhança e das manifestações contra os impactos do licenciamento indevido do resort à beira da lagoa. “Virou ninho de mosquitos e outros bichos, situação que deve piorar no verão”, alerta.
Adulto, Eduardo não entende o descaso com o meio ambiente e moradores, enquanto o processo ganha contornos kafkianos. A última movimentação ocorreu em abril deste ano, segundo o diretor do cartório da 6ª Vara Federal Ambiental, Marcelo Donini, que acha melhor não arriscar qualquer previsão. “A construtora [Lumak] e o próprio Ibama recorreram novamente. Não terminou ainda, nem dá para saber até quando vai”, confirma.
( Notícias do Dia Online, 26/08/2014)
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