A Lei n. 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, completa oito anos na quinta-feira (7/8) e é considerada um marco na história do combate à violência contra as mulheres, além de ser reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento a esse tipo de crime.
Em vigor desde 2006, a lei alterou o Código Penal Brasileiro, permitindo que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar fossem presos em flagrante ou tivessem sua prisão preventiva decretada. Tais agressores também não podem mais ser punidos com penas alternativas, como o pagamento de cestas básicas. A legislação aumentou, ainda, o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos. A Maria da Penha prevê, também, medidas protetivas da mulher que envolvem a saída do agressor do domicílio e a proibição de que este se aproxime da mulher e dos filhos.
O nome da lei é uma homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia, agredida pelo marido, o economista Marco Antonio Herredia Viveros, durante seis anos. Ele tentou assassiná-la duas vezes. Na primeira, com uma arma de fogo, deixou-a paraplégica. Depois, tentou eletrocutá-la e afogá-la. O marido só foi punido depois de 19 anos dos fatos e ficou apenas dois anos em regime fechado.
Antes da Lei Maria da Penha, a violência doméstica era considerada crime de menor potencial ofensivo e, por isso, quase sempre, a pena do agressor era convertida em prestação de serviço à comunidade ou em doação de cestas básicas a entidades assistenciais.
Entre as inovações da lei, está o entendimento de que não só o marido pode ser punido pela lei, mas também qualquer pessoa que esteja no convívio familiar, mesmo que por tempo curto ou determinado, como visitantes. Ou seja, qualquer pessoa que esteja convivendo com a agredida, independentemente de sexo ou parentesco, e que a agredir pode ser punido nos termos da lei.
Outro grande avanço é o reconhecimento de que existe violência doméstica, tema que sequer era discutido profundamente antes do advento da lei. Ainda assim, a simples promulgação da lei não é garantia para o fim da violência doméstica. A mudança deve ser cultural e estrutural e depende, também, da efetiva implementação das redes de atendimento às mulheres.
Além disso, em fevereiro de 2012, em julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Ministério Público pode dar início à ação penal sem necessidade de representação da vítima. O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas, para o STF, essa circunstância acabava por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres. Também foi esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha (acesse aqui a decisão).
“O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) vem combatendo a violência doméstica com firmeza em todo o Estado, estimulando que mais mulheres saiam do silêncio e denunciem seus algozes, tanto para trazer a sensação de justiça às vítimas, quanto para evitar a impunidade aos agressores”, comenta o Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal, Promotor de Justiça Onofre José Carvalho Agostini.
Para recorrer ao MPSC em casos de violência doméstica, ligue para 180. As informações são repassadas aos Promotores de Justiça com atuação na área para que eles apurem os fatos. A ligação gratuita pode ser feita por qualquer telefone – seja ele móvel ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, de segunda a domingo, inclusive feriados, e as atendentes são capacitadas e treinadas para receber a denúncia e realizar o atendimento. O Ligue 180 fornece orientações e alternativas para que a mulher se proteja do agressor. A vítima é informada sobre seus direitos legais e os tipos de estabelecimentos que poderá procurar, conforme o caso.
Feminicídio
O Brasil ocupa, atualmente, o sétimo lugar no ranking mundial dos países com mais crimes praticados contra as mulheres, com uma taxa anual próxima dos 4,5 homicídios para cada grupo de 100 mil mulheres. Os últimos números, divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostram que as mulheres jovens são as principais vítimas – 31% na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos.
Ao todo, 50% dos feminicídios envolveram o uso de armas de fogo e 34%, de instrumento perfurante, cortante ou contundente. Enforcamento ou sufocação foi registrado em 6% dos óbitos.
A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei n. 6622/2013, que tipifica o crime de feminicídio e o classifica como hediondo. O projeto altera o Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848/1940) e a Lei de Crimes Hediondos (n. 8.072/1990).
De acordo com o texto, o crime de feminicídio consiste em matar alguém pela condição de ser mulher, com mutilação, desfiguração ou violência sexual, antes ou depois da morte. A pena prevista é de reclusão de 12 a 30 anos, a mesma que hoje é estabelecida pelo Código Penal para homicídio qualificado. O homicídio simples tem pena de reclusão de 6 a 20 anos.
Para divulgar a lei do feminicídio e mobilizar a sociedade pela sua aprovação, o Ministério Público de Santa Catarina apoia o abaixo-assinado eletrônico #LeidoFeminicídio, pela Change.org – maior plataforma de petições eletrônicas do mundo. A petição será lançada na próxima quinta-feira, em São Paulo. O ato pretende chamar profissionais, juristas, movimentos sociais e toda a sociedade civil para o diálogo e a discussão sobre o Projeto de Lei n. 6622/13.
“A criação desse novo `tipo penal’ se faz necessária porque, na grande maioria das vezes, esse tipo de crime não entra nas estatísticas de violência contra a mulher. Além disso, enfatizamos a necessidade de mudanças culturais no que diz respeito à violência doméstica e familiar contra a mulher”, explica a Promotora de Justiça e representante do MPSC na Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (COPEVID), Maristela Nascimento Indalêncio.
A Lei para todos
A Lei Maria da Penha foi criada para trazer segurança à mulher vítima de violência doméstica e familiar. No entanto, alguns críticos alegam que, embora mais rara, a violência contra o homem também é um problema, ofuscado pela vergonha que sentem em denunciar agressões sofridas por parte de companheiras. Além de agressões físicas, alguns homens sofrem, por exemplo, coação psicológica e estelionato nos processos de divórcio. Outra crítica à Lei diz respeito às relações homoafetivas. Se analisada, literalmente, a lei não se aplicaria a esses casos.
Na prática, no entanto, muitos juízes já têm o entendimento de que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada a casos de violência doméstica e familiar, independentemente do gênero do agressor.
(MPSC, 05/08/2014)
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