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Os perigos, as dificuldades e a essência do trabalho dos bombeiros de Florianópolis

Daniel, Carlinhos, Victor e Jorge Henrique. Nomes e histórias diferentes que se cruzam em busca dos mesmos objetivos: salvar vidas e preservar patrimônios. O vermelho do uniforme, das ambulâncias e dos caminhões não representa apenas a paixão pelo que essas pessoas fazem, é também um indicativo do ardor de todos ao se deslocarem para apagar um incêndio, retirar das ferragens os feridos num acidente ou simplesmente resgatar um gato do bueiro. Esses são os bombeiros militares que honram a farda e demonstram em atitudes os motivos de terem escolhido a profissão que mistura situações tensas com salvamentos inesquecíveis.

Os perigos e as dificuldades vão desde o trânsito caótico de Florianópolis, dos curiosos que atrapalham o trabalho até ao acesso difícil aos morros da Capital e às peculiaridades da Ilha, com apenas duas pontes de entrada e saída. “Nós trabalhamos sempre com a ‘hora de ouro’, que é a diferença entre receber a ocorrência, atender o caso e levar a vítima para o hospital. Esse tempo pode significar a vida ou a morte”, afirmou o coronel Flávio Graff, 46 anos de idade e 23 anos de farda.

Para entender melhor a rotina do Corpo de Bombeiros de Florianópolis, repórter e fotógrafo do Notícias do Dia passou oito horas de uma noite e madrugada de outono em companhia dos profissionais do 1° Batalhão do Corpo de Bombeiros da Capital. No quartel da unidade, na esquina da avenida Gaspar Dutra com a rua Santos Saraiva, no Estreito, a reportagem acompanhou a rotina e o trabalho de homens e mulheres que, em dias de semana, atendem uma média de 55 ocorrências diárias, divididas entre os seis quartéis da Ilha e do Continente. “São 200 bombeiros na Capital. Por dia, atuam 40 nas ocorrências”, contou o major Helton de Souza, 39.

Foram quatro ocorrências durante o período em que o Notícias do Dia acompanhou os bombeiros: dois incêndios, um homicídio e uma intoxicação por medicamentos. Em três casos, um atraso das equipes de socorro poderia significar a morte ou prejuízos de grandes proporções para a vida e ou a saúde dos envolvidos. No homicídio, os bombeiros confirmaram a morte de um homem com três tiros, em São José. Num dos incêndios, no Saco dos Limões, a chegada rápida e a eficiência no combate ao fogo impediram que as labaredas se propagassem para casas vizinhas, evitando perdas e danos. “Nada como a sensação de ajudar”, disse o major.

Acidentes e morros

Segundo tenente do 1° Batalhão do Estreito, Natalia Cauduro da Silva relata que as ocorrências da corporação costumam se acentuar levemente nos primeiros 15 dias do mês. Os fins de semana e feriados concentram especialmente acidentes de trânsito, muitas vezes os de maior gravidade. “As noites e madrugadas também trazem ocorrências graves, principalmente quando envolvem álcool e direção”, avaliou.

Três pontos de Florianópolis são regiões mais suscetíveis a ocorrências graves. A Via Expressa, que leva à BR-101, é palco de frequentes acidentes com automóveis e motocicletas. Já as pontes Colombo Salles e Pedro Ivo Campos, ligações entre Ilha e Continente, são locais com muitos acidentes. “As pontes nos levam às ocorrências, mas muitas vezes os casos mais graves são em cima delas”, disse o coronel Flávio Graff.

Em relação a ocorrências com fogo, destaca o cabo Luiz Henrique Xavier, 43 anos, os morros de Florianópolis representam os locais com maior incidência de casos. A explicação está na dificuldade de acesso, nas construções em madeira, na proximidade das casas e no uso de velas e lampiões. “Os piores incêndios são em morros ou próximo a eles. É muito difícil combater um incêndio na geografia dos morros, especialmente os do Centro”, contou.

Susto na Receita Federal

A conversa dos bombeiros foi interrompida às 19h50, pelo soar da sirene que indicava fogo em algum lugar de Florianópolis. Rapidamente, soldados e oficiais correram para vestir jaquetas e calças antichamas, confeccionadas em aramida com isolamento térmico interno e o equipamento de combate ao fogo – que inclui capacete, balaclava, luvas, material de respiração autônomo e botas. Já embarcados nos veículos, veio a informação de um princípio de incêndio num prédio da Receita Federal, na rua Claudino Bento da Silva, próximo à avenida Beira-Mar Norte.

O deslocamento não foi fácil. Por se tratar de uma sexta-feira em horário de movimento, o caminhão encontrou “obstáculos” para atravessar a ponte. “Se deslocar nunca é simples”, disse o soldado Victor Menezes, motorista naquele momento, já que a função é sempre revezada. No interior do prédio, um jogo de baterias queimando fez uma nuvem de fumaça no andar térreo. Fumaça tóxica, muita parecida com a que ceifou vidas na boate Kiss, em Santa Maria. “Essa fumaça pode matar em minutos. Como outras viaturas do Centro chegaram antes, o fogo foi controlado em menos de dez minutos, sem utilização de água, apenas o pó dos próprios extintores do prédio”, revelou o soldado Daniel Amorim.

Trotes e ocorrências menores

Com jornadas de 24 horas de trabalho por 48 horas de folga, o trabalho consome energia e o emocional dos bombeiros. Além de presenciarem as desgraças cruas da vida, ainda convivem com a irresponsabilidade de pessoas que passam trotes telefônicos ao serviço de emergência do Corpo de Bombeiros, o 193.

Tamanha estupidez atrapalha a rotina dos profissionais, pois resulta em saídas desnecessárias que prejudicam outras pessoas. “Alguns passam muito trote aos bombeiros, diariamente. Atrapalha o trabalho e traz problemas para outras pessoas, que talvez precisem de nossa ajuda”, observou o major Helton de Souza.

Situações cotidianas que mexem com vidas comuns, como um galho de árvore a ser cortado ou um gato preso no bueiro, também são serviços desempenhados pelos bombeiros, especialmente quando a necessidade é evidente. “Hoje resgatamos um gato de rua preso em um bueiro. Há um dia, ajudamos a remover ao hospital uma pessoa de 285 quilos presa numa escada. Não importa a ocorrência, estamos aí para ajudar”, disse o cabo Luiz Silva, 46 anos.

Durante as oito horas em que a reportagem esteve com os bombeiros do Estreito, outras duas ocorrências os mobilizaram. Uma, no Jardim Atlântico, foi para ajudar a remover uma mulher intoxicada depois de ingerir em demasia medicamentos antidepressivos. “Ela sofre de depressão, tomou muitos comprimidos e precisou ser levada ao hospital Regional. Viemos prestar auxílio ao Samu”, explicou o cabo Jorge Henrique Juttel, 46, que também atendeu a morte de um jovem no Centro de São José. “Ele levou três tiros. Apenas constatamos a morte para a PM (Polícia Militar).

Pânico no Saco dos Limões

“Os bombeiros foram maravilhosos. Eu tentei ligar para eles quando soube do incêndio. Mas não foi preciso, eles já estavam aqui. Fizeram um trabalho perfeito, salvaram a minha casa e também as casas vizinhas”. A declaração de Sarita Diegoli, 67 anos, proprietária de uma residência na esquina das ruas Juan Ganzo Fernandes e Duque de Caxias, no Saco dos Limões, resume bem a importância que o trabalho dos bombeiros teve em sua vida. Pouco antes das 23h do dia 11 de abril, o alarme de incêndio do quartel soou junto com os pedidos de reforço dos quartéis do Centro e da Trindade. Muitos dormiam e, em segundos, já estavam a postos para o trabalho.

Com trânsito mais calmo, o deslocamento do Estreito ao Saco dos Limões levou pouco mais de cinco minutos. Na chegada, dezenas de moradores das redondezas se colocavam em volta da casa incendiada. Os curiosos trancavam a rua e impediam a passagem dos caminhões e das ambulâncias.

O soldado Daniel Amorim, 36, lista o que se põe em risco quando a curiosidade das pessoas se sobrepõe ao risco de se estar no entorno de um incêndio ou acidente. “A pessoa curiosa põe em risco a cena da ocorrência, a vítima e sua própria vida. Muitas vezes precisamos ser firmes e até grosseiros com os curiosos”, afirmou, dando como exemplo o homem que tentou apagar o fogo na casa de Sarita. “Ele não é treinado. Por isso se machucou e foi levado ao hospital”, disse.

O perito Carlinhos Alves trabalha na prevenção e análise dos motivos que causaram o fogo. Suas conclusões se basearam em evidências, técnicas e conhecimento científico. Depois de o incêndio ser controlado, em quase 20 minutos, Carlinhos entrou na casa.

A causa, apontou Alves, foi um ventilador plugado na tomada. O aparelho estava desligado, porém seguia energizado. Um colchão colado à parede e o teto de madeira contribuíram para a velocidade das chamas. “A gente analisa também as partes não atingidas, que é relevante por mostrar o que foi salvo. No geral, o que nos leva às respostas são pequenos detalhes da cena”, explicou, enquanto recebia o carinho de Sarita, e retribuía, mostrando a ela o que originou o incêndio. “Nunca se pode deixar aparelhos desligados energizados na tomada”, concluiu Alves.

Emoção

Orgulhoso. Assim Daniel Amorim sente-se como bombeiro militar. Ele se emociona ao lembrar uma tentativa de resgate quando ainda trabalhava em Blumenau. Era o sumiço de uma criança, em Luis Alves, desaparecida desde o dia anterior. A surpresa que surgiu da madrugada de procura ao menino marcou a memória de Amorim, principalmente porque o homem que ajudava os bombeiros a achar o “desaparecido” deixaria pistas nas buscas, se revelando o autor do homicídio. “Atender crianças feridas, e as que morrem é muito difícil”, disse.

Perícia

Divertido e brincalhão, o cabo Carlinhos Alves, 44 anos, mais de 20 anos dedicados à corporação, é quem atua durante e depois do incêndio. Perito, ele analisa a cena, recolhe provas e conclui o que aconteceu. Seus cabelos grisalhos resumem a importância do trabalho; seu sorriso revela a alegria em executá-lo; os gestos contidos denotam calma e perícia. O fato de um dos filhos querer seguir a carreira, o emociona, mas ainda assim faz o alerta. “Para ser bombeiro tem que amar o que faz, ajudar independente do perigo. Nós ganhamos para isso”, ressaltou.

Ajuda

Os traços de menino de Victor Menezes escondem um rapaz maduro. Aos 28 anos, o jovem é um exemplo de disciplina e perseverança. Seja como motorista ou socorrista, suas idas a uma ocorrência nunca são iguais. Sempre mexem com ele de forma diferente. Ajudar, observa, é o que importa independente do tamanho do problema. E a recompensa fica evidente nos agradecimentos e elogios que pessoas atendidas pelos bombeiros repassam aos integrantes do batalhão. Sem falar no respeito do restante da população. “Isso é gratificante, assim como chegar num lugar onde todos estão apavorados, e sair com eles mais tranquilos”, afirmou.

Seriedade

O cabo Jorge Henrique Juttel, 46 anos, é um homem sério, porém atencioso com todos à sua volta. Os óculos escondem o lado atleta de quem pedala 80 quilômetros (ida e volta) a cada dia de trabalho, de um sítio em Biguaçu para o quartel do Estreito. Versátil, já foi salva-vidas na praia, socorrista, motorista e hoje comanda a ASU (Auto Socorro de Urgência), denominação dada pelos bombeiros às ambulâncias de resgate da corporação. É ele quem realiza os primeiros socorros e remove as vítimas para a ambulância móvel da corporação. “Já vi muita coisa horrível, mas nada se compara como quando envolve criança”, disse.

(Notícias do Dia, 21/04/2014)

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