Aquisições e contratações no valor de R$ 685 mil, realizadas durante gestão de Ricardo Camargo Vieira à frente da Comcap (Companhia de Melhoramentos da Capital) e colocadas sob suspeita, revelam o quadro de endividamento da empresa responsável pela coleta de lixo em Florianópolis. São requisições de compras, pagamentos e contratações que, segundo a administração municipal, não estão entre as prioridades da companhia, e acabariam por agravar ainda mais a situação financeira da empresa de economia mista. No total, a Comcap deve mais de R$ 100 milhões. Os documentos estão sob análise do TCE (Tribunal de Contas do Estado), além de serem analisados também por uma auditoria interna do próprio órgão.
Ricardo presidiu a Comcap de 2 de dezembro de 2013 a 17 de março, quando pediu exoneração. Marius Bagnatti, que já havia presidido a companhia, assumiu a presidência após a saída de Ricardo.
Conforme o presidente do Conselho Fiscal da empresa, Eron Giordani, a dívida ativa, que era de R$ 11 milhões em janeiro de 2013, cresceu, e hoje soma R$ 19 milhões (tributos federais e dívidas com INSS). Aos fornecedores, a Comcap deve R$ 943 mil. Além disso, a companhia ainda espera conseguir refinanciamento de mais R$ 76,7 milhões em dívidas tributárias acumuladas entre 1984 e 2000. “O primeiro passo é a melhoria no sistema de controle. A Comcap não pode ter apenas a prefeitura como único cliente”, diz o prefeito Cesar Souza Júnior (PSD).
Cesar fala em modernização e mudanças na gestão para reverter o quadro negativo, enquanto sindicato e funcionários pedem mais contratações, compras de caminhões e a transformação da companhia em empresa pública. Em 2012, a empresa realizou concurso para 70 auxiliares operacionais. Mas sem condições de manter a folha de pagamento atual, a Comcap não chamou ninguém e o prazo foi prorrogado.
A intenção da prefeitura é ampliar o número de clientes da companhia. Atualmente, a coleta de lixo hospitalar e resíduos da construção civil são realizados por empresas privadas. “Todos os serviços da Comcap poderiam ser terceirizados, mas não é essa nossa intenção, ainda estamos estudando quais serviços podem vir a ser terceirizado”, explicou Eron Giordani, presidente do Conselho Fiscal da empresa. No caso da coleta do lixo hospitalar e da construção civil, o argumento de Giordani é que a Comcap não dispõe de equipamentos adequados para este tipo de coleta.
Prefeitura cancela pagamentos que são investigados
Eleito vereador pelo PCdoB, Ricardo Camargo Vieira está licenciado da Câmara. Contra ele pesam suspeita de pagamentos indevidos, como a realização da Festa das Margaridas, na qual foram empregados R$ 30 mil.
Segundo Eron Giordani, presidente do Conselho Fiscal da Comcap, até o momento nenhuma irregularidade foi confirmada. “O que verificamos foi uma incompatibilidade entre as despesas e a função a que esses pagamentos se referem”, afirmou.
Em um dos atos sob suspeita está a aquisição de um software pelo preço de R$ 280 mil. “Mas a prefeitura já suspendeu alguns desses pagamentos. Dos R$ 685 mil, apenas R$ 74 mil foram efetivamente pagos”, esclarece Giordani.
Ricardo foi o primeiro vereador na atual legislatura a assumir cargo no Executivo. Caso sejam comprovadas irregularidades na Comcap no período em que ocupou a presidência, ele poderá responder por improbidade administrativa. Além das suspeitas de superfaturamento, Ricardo não vinha cumprindo o decreto municipal que criou o Sistema de Contabilidade de Custos, no qual todas as despesas e gastos precisam ser repassadas à prefeitura para controle de gastos.
Na Justiça, o ex-presidente da Comcap responde por improbidade administrativa desde 2011. Na época, ele foi acusado pelo vereador João da Bega (PMDB) de ter cobrado propina durante processo de votação da Mesa Diretora do Legislativo. O caso está na Justiça e vai a julgamento em junho.
Ricardo Vieira deve voltar à Câmara nos próximos dias. Ele ainda responde a uma sindicância interna do PCdoB e poderá ser expulso do partido. Procurado pela reportagem, Ricardo não quis falar sobre as acusações.
Para diretor de sindicato, endividamento vem da má administração
A Comcap é uma empresa de economia mista, e seu maior investidor é o município. Dos R$ 120 milhões previstos no orçamento anual, apenas 5% são arrecadados pela empresa, o restante é aplicado pelo governo municipal. O custo mensal com a folha de pagamento é de R$ 9,7 milhões, e o orçamento previsto para 2014 é de R$ 118 milhões. Em 2013, a previsão orçamentária para a Comcap era de R$ 134 milhões, mas só foram efetivamente repassados R$ 118,5 milhões, ocasionando um déficit orçamentário de R$ 15,5 milhões.
Para o diretor institucional do Sintrasem (Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Publico Municipal), João Tomaz de Oliveira, a terceirização dos serviços pode ser o caminho para o sucateamento completo da companhia. “A promessa de tornar a Comcap pública faz com que todos possam ser beneficiados com a coleta. Hoje, os empresários da construção civil e o grande comércio pagam a taxa da coleta, mas acabam terceirizando porque a Comcap não atende”, afirmou.
Oliveira diz que parte do endividamento da empresa vem da má administração. “A Comcap tem pagado muitas multas na Justiça para os trabalhadores, multas por atrasar pagamentos de férias, por exemplo”, disse.
O diretor do Sintrasem, que trabalha há 21 anos na Comcap, diz que um dos maiores problemas é a defasagem de pessoal nas áreas operacional e de recursos humanos, além do desgaste da frota de caminhões. “Mais de 60% da frota tem mais de oito anos de uso, se não forem adquiridos novos veículos não sei como a cidade conseguirá enfrentar a próxima temporada”, alertou.
RAIO-X
– Administração
1.876 empregados (incluídos cem contratos temporários da Operação Verão)
270 empregados administrativos
R$ 9,7 milhões é o valor da folha salarial
– Dívidas
Refis de R$ 76,7 milhões (dívidas tributárias acumuladas entre 1984 e 2000, quando foi renegociado o valor principal de R$ 36,7 milhões. Hoje está em atraso uma parcela vencida em 28 de fevereiro)
Contribuições previdenciárias de R$ 14,8 milhões (parte patronal correspondente ao período de julho de 2013 a fevereiro de 2014, sem correção)
Dívidas com fornecedores é de R$ 943 mil
– Orçamento
Valor previsto para 2014 é de R$ 118 milhões
– Coleta de resíduos sólidos
Coleta convencional: 14 mil toneladas na média mensal (com variação de 17 mil toneladas em janeiro a 12 mil toneladas em junho)
Coleta seletiva de materiais recicláveis: 980 toneladas na média mensal (com variação de 1,2 mil toneladas em janeiro a 866 toneladas em junho)
Coleta de resíduos de saúde: 4,5 toneladas/mês
– Veículos
49 veículos do Departamento de Coleta de Resíduos Sólidos
Fonte: Comcap / fevereiro de 2014
(ND Online, 25/03/2014)
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