As 725 famílias que ocupam um terreno às margens da SC-401, na Vargem Grande, em Florianópolis, desde o dia 15 de dezembro de 2013, têm exatos 30 dias para deixarem o local. A saída foi acordada na audiência judicial do dia 7 de fevereiro. Três meses depois da invasão, muita coisa mudou. Os acampados, a maioria com empregos fixos, cultivam hortas coletivas. E muitos barracos de lona foram substituídos por casebres de madeira com telhado de amianto. Há redes provisórias de água e energia elétrica.
Os 600 hectares de terra, que seriam do ex-deputado estadual Artêmio Paludo, foram reivindicados pela SPU (Secretaria do Patrimônio da União). Ao órgão federal caberá a decisão de destinar, ou não, o espaço público à reforma agrária.
Durante o dia a maioria dos acampados está fora da invasão. Homens e mulheres trabalham, enquanto as crianças vão para a escola. Poucos permanecem no acampamento. Os que ficam cuidam de crianças, se revezam no cultivo da horta, como faz a dona de casa Odete de Mello, e na segurança do local, que tem a entrada controlada dia e noite. Somente pessoas autorizadas pelos líderes da ocupação podem cruzar os portões às margens da SC-401.
Os acampados plantaram 5.000 mil pés de alface em fevereiro. Pelo menos 3.000 foram perdidos durante um temporal.
Na invasão desde 20 de dezembro, o motorista Jorge Martins, 38 anos, e a mulher Rosângela de Abreu, 37, têm uma renda mensal de R$ 2.600. Desde total, R$ 800 eram destinados ao pagamento do aluguel, na Vargem Grande, e o restante para manter os cinco filhos.
Quando não está no trabalho, o casal auxilia no cultivo da horta comunitária. Martins ordenha duas vezes ao dia a cabra da família. Os dois litros de leite produzidos pelo animal são doados para as crianças do acampamento. “Enfrentamos os mosquitos, os banhos frios e o calor, além de outras privações na esperança de termos um canto para nossa família”, disse a costureira.
Líder do movimento diz que acordo judicial será cumprido na totalidade
O líder da ocupação, Rui Fernando, afirma que o acordo firmado na Justiça no dia 7 de fevereiro será cumprido até o final. Embora acredite que a legitimidade do ajuste seja questionável, se o terreno for mesmo da União. “Espero que na audiência pública do dia 19 possamos encontrar uma saída para nossa situação. Temos grandes expectativas”, disse.
A audiência, proposta pelo movimento, será realizada na Comissão dos Direitos Humanos da Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina). Participarão representantes do Ministério Público Federal, Polícia Militar, Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária), SPU e Advocacia-Geral da União.
Incra implantará projeto casulo, caso SPU repasse a terra para reforma agrária
O ouvidor agrário do Incra, Fernando Lúcio Rodrigues de Souza ressaltou que a competência da guarda da terra é da SPU, órgão que deverá dar destino social à área. “A SPU pode repassar o local a ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para ampliação do parque ecológico; pode destinar a terra à prefeitura da Capital, para a construção de casas populares, ou ainda ao repassá-la ao Incra para assentamento agrário”, detalhou.
Souza lembrou que em um assentamento clássico cada família recebe em média 10 hectares de terra. Na invasão da SC-401, em média cinco famílias ocupariam um hectare. Caso receba a terra da SPU, o Incra poderá implantar no local o PCA (Projeto de Assentamento Casulo). Para serem incluídos no projeto os ocupantes precisam estar inscritos no CAD-único, cadastro de programas sociais do governo federal – somente 120 pessoas da ocupação Amarildo tem o CAD.
“É necessário ainda ter renda per capita inferior a meio salário mínimo e ter família numerosa, com membros que se propõem a exercer atividade agrícola, dentre outros requisitos”, apontou o ouvidor, ao destacar que as casas do projeto seriam então construídas em parceria com a prefeitura. “No PCA a viabilidade de plantio é analisada em parceria com agrônomos, biólogos e outros técnicos das universidades federais. Este projeto existe em várias capitais do país”, explicou.
Souza disse que o Incra aguardará a decisão da SPU, que deverá: homologar a área; desconstituir título do proprietário e pedir reintegração de posse. Estes trâmites devem ser resolvidos com a terra desocupada. “Os acampados não podem ter expectativa de permanência no local enquanto a situação não for resolvida judicialmente”, declarou.
Juiz confia no cumprimento de acordo judicial
O juiz agrário Uziel Nunes de Oliveira, da 1ª Vara Cível da Comarca de Joinville, lembrou que a questão da posse da terra foi resolvida na audiência de conciliação do dia 7 de fevereiro. E que a questão da propriedade da área cabe à União discutir na Justiça Agrária. “A União terá de entrar com uma ação reivindicatória de posse contra os ocupantes”, disse.
Oliveira lembrou que toda terra invadida e com pedido de reforma agrária fica congelada por dois anos, prazo que começa a ser contado a partir da desocupação da área. Não fosse assim, toda terra ocupada seria imediatamente transferida aos acampados, o que fomentaria mais e mais ocupações.
“Pelo histórico da liderança da ocupação temos certeza de que o acordo do dia 7 será cumprido”, disse, ao ressaltar que as 725 famílias terão de entrar na fila de assentamento do Incra. “Não existe preferência para ninguém”, destacou.
ACORDO JUDICIAL
1) As pessoas que compõem a “Ocupação Amarildo” permanecerão na área até o dia 15 de abril de 2014;
2) A área que permanecerá ocupada, e que não poderá ser ampliada ou modificada, é aquela em que hoje existe o acampamento e que será formalmente delimitada, no dia 8 de fevereiro de 2014, pelo major PM Edvar Fernando da Silva Santos, fixando-se os marcos com pontos de GPS;
3) A área permanecerá ocupada estritamente para fins de acampamento provisório, sendo mantida a vedação de implantação de edificações de cunho definitivo e a construção de novas barracas;
4) O major PM Edvar Fernando da Silva Santos irá promover o inventário das barracas edificadas na área, inclusive com levantamento fotográfico daquelas de madeira;
5) Findo o prazo concedido pela parte autora, os acampados deverão desocupar voluntariamente a área sem direito a qualquer indenização ou ressarcimento e sem que assista direito à retenção;
6) A falta de desocupação voluntária no prazo ajustado, ou o descumprimento de qualquer uma das condições aqui ajustadas, acarretará, independente de prévio aviso ou notificação, a imediata expedição de mandado de reintegração de posse;
7) No período da ocupação, os acampados comprometem-se a respeitar o direito de propriedade da parte autora;
8) A parte autora compromete-se a respeitar a área delimitada para o acampamento no período da ocupação;
9) Os acampados assumem o compromisso de preservar os recursos naturais existentes na área e suas adjacências, sobretudo aquelas de preservação permanente, não podendo promover o corte de vegetação e de árvores;
10) Os acampados concordam com a fiscalização contínua na área a ser realizada pela Polícia Ambiental, a cada 15 dias, com o intuito de verificação do respeito ao meio ambiente e ao cumprimento das condições avençadas;
11) A parte autora detém o direito de edificar uma cerca divisória para separar a área ocupada da remanescente;
12) Fica mantida a vedação do ingresso de novas pessoas e famílias no acampamento;
13) Caberá aos acampados comunicar aos demais integrantes do movimento, as condições estabelecidas para a ocupação provisória;
14) Os acampados comprometem-se em fazer cumprir o acordo firmado, bem como reconhecem que eventual mandado de reintegração de posse a ser expedido estende-se a todos os que estiverem na área;
15) Fica assegurado acesso do arrendatário Valmir dos Passos Silva à área, pelo interior do acampamento, para as atividades agropastoris;
16) A falta de cumprimento de qualquer uma das condições estabelecidas acarretará a imediata rescisão do ajuste independente de qualquer aviso ou notificação, com a consequente expedição do mandado de reintegração da parte autora na posse da área;
17) Cada parte arcará com a remuneração de seu procurador;
18) As custas finais serão de responsabilidade dos acampados, requerendo eles a concessão da justiça gratuita em razão da ausência de condições financeiras para suportar o encargo;
19) As partes renunciam ao prazo para a interposição de recurso, requerendo o imediato trânsito em julgado da sentença. A parte autora renuncia ao direito de oferecer queixa-crime e a requerer indenização quanto à ocupação da área.
(ND Online, 15/03/2014)