O rancho para reabastecimento da despensa é encomendado por telefone, e prontamente entregue pela picape do único supermercado do bairro. Aos poucos, acampados da ocupação Amarildo de Souza se integraram à rotina da Vargem Pequena, bairro com população estimada em 1.400 pessoas, a caminho das praias do Norte da Ilha.
A convivência ainda é pacífica, mas parte dos moradores da Vargem teme a favelização, e consequente aumento da criminalidade no bairro. O aumento da demanda já causou desentendimentos entre alguns deles e funcionários do posto de saúde, que se sentem inseguros.
De acordo com o intendente de Ratones, Vilmo Hercílio Laurindo, 52 anos, responsável pela administração municipal também na Vargem, já houve casos de pessoas que não têm o cartão do SUS (Sistema Único de Saúde), obrigatório para cadastramento no sistema, e exigiram atendimento. “Bateram com a porta na cara de uma das servidoras”, diz. Vilmo já encaminhou ofícios ao governo do Estado e à prefeitura, mas entende que se trata de demanda judicial.
Também há preocupação com aumento da demanda na única creche municipal, superlotada e com fila de espera em todas as salas. Sem escola pública, crianças da Vargem Pequena em idade de frequentar os ensinos fundamental ou médio disputam vagas nas escolas Mâncio Costa, em Ratones, ou Osmar Cunha e Virgílio Várzea, em Canasvieiras.
No dia a dia, alguns motoristas de ônibus da empresa Canasvieiras, orientados pelo Sintraturb (Sindicato dos Trabalhadores no Transporte Urbano de Florianópolis), fazem a camaradagem de parar diante da porteira de entrada do acampamento. Assim, evitam a circulação constante de pedestres pela ciclofaixa e reduzem os riscos de atropelamentos na SC-401.
Não há saneamento básico, mas o lixo individual e coletivo é acondicionado corretamente na lixeira construída ao lado da porteira de acesso ao acampamento. E recolhido regularmente pelos garis da Comcap (Companhia de Melhoramentos da Capital) nos caminhões de coleta nas praias do Norte da Ilha.
Meta é integrar comunidade e expulsar “oportunistas”
Um dos líderes do acampamento, Rui Fernando, 56 anos, diz que, caso se confirme o assentamento das famílias na área, a intenção é criar projetos com a comunidade já instalada na Vargem. Ele admitiu a existência de “oportunistas” entre os acampados e garante que não são distribuídos lotes entre as famílias que não se enquadrarem nos critérios legais para reforma agrária – renda familiar de um a três salários mínimos; não ter propriedade e não ter pendências judiciais, por exemplo.
“Os oportunistas não passarão da primeira assembleia, onde são esclarecidos os critérios e o nosso regimento interno”, diz. Sobre a existência de carros, alguns novos, no acampamento, Rui Fernando diz que alguns têm apoiadores das famílias acampadas. “Além disso, hoje em dia qualquer um compra um carro. Casa e terra para plantar, não”, argumenta.
Acampados questionam escrituras
Depois do cadastramento das famílias e do fechamento da porteira a novas ocupações, como foi determinado pelo juiz agrário Jefferson Zanini, as lideranças dos acampados intensificam o trabalho dos bastidores. A assessoria jurídica do movimento tentará provar no Judiciário que a área ocupada não está totalmente escriturada em nome dos proprietários – a empresa Florianópolis Golf Club e o ex-deputado estadual Artêmio Paludo. As partes ficarão frente a frente na audiência pública de 7 de fevereiro, no Fórum Antônio Luz, em Florianópolis.
O porta-voz dos acampados, Rui Fernando, disse na sexta-feira que foi encaminhada denúncia à Procuradoria da República em Santa Catarina, para investigação das matriculas imobiliárias do terreno, e supostas dívidas e execuções fiscais que Paludo tem com a prefeitura. “No pedido de reintegração, o proprietário apresentou cinco escrituras que comprovam apenas 9,8 hectares. Isto deixa claro que está desmembrada”, diz. Segundo a liderança da ocupação, há uma faixa de terreno público incluída na área em litígio.
De acordo com processo que tramita no Tribubal de Justiça de Santa Catarina, a ação de reintegração de posse é referente a duas áreas desmembradas, localizadas no km 14 da SC-401, entre a margem norte do rio Ratones e a rodovia estadual – uma delas matriculada com número 71.263, com 2.030.484 m²; e outra, com a matrícula 71.264, com mais 23.130 m². O total do terreno em litígio chega a 25.160.484 m², ou seja, 2.516 hectares.
Empresário garante posse de área urbana
O advogado Camilo Simões Filho, que representa a empresa Florianópolis Golf Club e a família de Artêmio Paludo na ação de reintegração de posse, garante que há escrituras públicas que comprovam a posse da terra reivindicada. Toda a documentação, como as escrituras públicas, os lançamentos da Prefeitura e os comprovantes de pagamento de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), garante o advogado, fazem parte dos autos.
“Não há dúvidas de que se trata de uma área particular, devidamente escriturada em nome dos proprietários”, reforça Camilo. Segundo ele, também não há dúvidas de que estamos falando de um terreno urbano, consolidada pelo Plano Diretor de Florianópolis, a caminho das praias mais movimentadas da Ilha. A cidade, aliás, abandonou faz muito tempo suas vocações agrícolas”, argumenta.
Apesar de distante do embate, Paludo desmente financiamento público para implantação do projeto de camarão em cativeiro, no fim da década de 1980. E garante que já existe investidor para futura parceria em novo empreendimento no terreno ocupado.
Entre as possibilidades em estudo está um campo de golfe, em sociedade com o grupo Costão do Santinho, que aparece como um dos proprietários no registro da área no Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária). O advogado reafirmou, também, que está previsto projeto de interesse social para parte do terreno, com atendimento a crianças carentes dos bairros do entorno – Ratones e Vargem Pequena. “Artêmio Paludo adquiriu o terreno com recursos próprios e mantém uma fundação para atendimento a famílias daquelas comunidades”, argumenta.
(Notícias do Dia, 26/01/2014)
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