Há 25 anos, eram 50. Hoje, pelo menos 200 casas estão na APP (Área de Preservação Permanente) do entorno da Estação Ecológica de Carijós, no estuário do rio Ratones, na Daniela. Nesse período, enquanto o manguezal foi aterrado, loteado e ocupado com o aval do poder público, o MPF (Ministério Público Federal) e a Prefeitura de Florianópolis travam batalha judicial que chega a 12 volumes e 2.930 folhas. Mas continua longe do desfecho, apesar de acordo firmado entre as partes em julho deste ano.
Homologado pela Vara Ambiental e Agrária da Justiça Federal, o acordo com o MPF isentou a prefeitura da multa de R$ 648 mil, por omissão, conforme sentença de 1996. Em contrapartida, Procuradoria Geral do Município, Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano e Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente) terão de fazer levantamento minucioso da área ocupada e, se comprovadas ilegalidades nas construções, notificar proprietários para ações administrativas e judiciais de demolição.
Orientados pelo Conselho Comunitário do Pontal, proprietários afetados pela ação recorreram, e o acordo ainda depende de julgamento no TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). O processo está na fase de apresentação de contra razões e só deve ser encaminhado em fevereiro de 2014 para apreciação em Porto Alegre. Não há prazo para julgamento.
O procurador Itamar Pedro Bevilaqua, que assinou o acordo pelo município, diz que a fiscalização já começou pela planta do balneário. “Trata-se de área grande, e contamos com técnicos do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis] e Floram”, argumenta. E garante que não há motivos para pânico.
“Vamos fazer o levantamento para delimitar a APP ocupada, a documentação das propriedades e analisar caso a caso”, acrescenta. Segundo Bevilaqua, a intenção da prefeitura é adequar o que for possível à legislação federal, e demolir somente o que foi construído sem licença municipal.
Escritura pública e IPTU não garantem legalidade
As demandas judiciais não param. No ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade), órgão gestor da Estação Ecológica de Carijós), a procuradoria jurídica avalia necessidade de ação específica contra 17 propriedades dentro dos limites da unidade de conservação. Incluída na ação de 1998 do MPF, a área entre as ruas das Margaridas, Pitangueiras, Palmeiras e Acácias está embargada para novas construções. “Estão numa das pontas da área demarcada”, diz a analista ambiental Edinéia Correia, chefe substituta de Carijós.
Os atuais moradores se defendem. Dilce Griss Juttel, 48, que há 11 anos comprou a última casa da rua das Acácias, ao lado de trecho preservado de manguezal, argumenta que foi construída em 1987, antes da demarcação da área. “Temos escritura pública, habite-se e pagamos IPTU”, responde.
Vizinho dela, o professor de educação física Osni Jacó da Silva, 55, que construiu, há 13 anos, com financiamento da Caixa Econômica Federal e toda a documentação exigida pela prefeitura, também não parece preocupado. “É questão para ser resolvida pelos netos. Se a prefeitura for condenada a demolir, creio que terá recursos para indenizar todo mundo”, resume.
Entenda o caso
* Em março de 1972, a Prefeitura de Florianópolis aprovou o Loteamento Balneário Daniela, com 1.003 lotes implantados, parte em terras de ninguém e parte em terrenos de marinha, de propriedade da União, cobertos de vegetação de mangue. Hoje, são 970 imóveis.
* Em dezembro de 1988, o Ministério Público Federal ajuizou, contra o município de Florianópolis, ação civil pública para suspensão definitiva de autorizações de construção de obras particulares ou públicas sobre manguezal, no Loteamento Balneário Daniela.
* Com argumento que o loteamento feria o artigo 2º do Código Florestal, o MPF requereu também pagamento de indenização por danos morais e prejuízos ecológicos decorrentes da destruição da vegetação, em favor do Fundo para a Reconstituição de Bens Lesados.
* Em outubro de 1996, o juiz da 4ª Vara Federal de Florianópolis, Rômulo Pizzolatti, condenou o município de Florianópolis a abster-se de autorizar obras públicas ou particulares nas áreas do manguezal. Também estipulou pagamento de R$ 648,8 mil, como indenização.
* O MPF entendeu que a declaração de nulidade do loteamento esbarraria em situação de fato consumado, que são dezenas de casas de alto valor, erguidas sobre o mangue aterrado. E propôs que somente a prefeitura deveria ser responsabilizada, por omissão.
* Em julho de 2013, acordo firmado entre a Procuradoria Geral do Município e a Procuradoria Geral da República em Santa Catarina, homologado pela 6ª Vara Ambiental da Justiça Federal, prevê levantamento dos imóveis irregulares e notificação dos proprietários.
Conselho sugere selo verde
Daniela era um loteamento que virou balneário, ou bairro, cercado de ecossistemas protegidos por leis federais. O mais importante deles é o manguezal da Estação Ecológica de Carijós, no estuário do rio Ratones, que tem em seu entorno APPs (Áreas de Preservação Permanente) compostas basicamente por restingas e dunas.
O nome é homenagem a uma das netas do empreendedor João Prudêncio de Amorim, nascida na época da venda dos primeiros lotes. Atualmente, são 970 propriedades construídas em avenidas que homenageiam flores e árvores nativas, e 27 áreas verdes de uso comum – como o Posto Avançado das Saracuras, na quadra seis da avenida das Palmeiras, adaptado desde 1997 como hábitat de jacarés do papo amarelo.
Para 2014, a meta do Conselho Comunitário é elaborar projeto para a criação do selo verde. “A intenção é mostrar à prefeitura que podemos ter um bairro moderno e com sustentabilidade”, diz o presidente do Conselho Comunitário do Pontal de Jurerê, Emir Benedetti.
(ND, 16/12/2013)