Após deixar pra trás um planejamento territorial considerado defasado tanto pela população quanto pelas autoridades, Florianópolis está prestes a entrar numa época de grandes mudanças. A região continental deve ser uma das primeiras partes da cidade a perceber isso: entre os pontos discutidos individualmente na votação do Plano Diretor municipal no fim de novembro, a transformação da Ponta José Francisco – conhecida como Ponta do Ataliba – em Área Mista Comercial foi considerado o mais polêmico.
A decisão significa que o espaço em Coqueiros poderá receber estabelecimentos comerciais de até seis andares e suportar até 50% de ocupação. O plano de 1997 definia o espaço como Área Turística Exclusiva, mas a proposta inicial do Instituto de Planejamento Urbano (Ipuf), enviada à Câmara de Vereadores neste ano, intencionava transformar o local numa Área Turística Residencial (ATR), limitada a apenas dois pavimentos.
A área pertence ao empresário Ronaldo Daux, da construtora RCD, e foi jogada ao meio da discussão quando a obra de uma marina para 200 embarcações e um empreendimento imobiliário foi embargada pela Secretaria do Continente em outubro deste ano. Na época do embargo, a prefeitura exigiu espaços para caminhadas, cafés, bares e restaurantes antes de aprovar a obra. O local fica ao lado do manguezal de Coqueiros, considerado o último ecossistema do tipo na Florianópolis continental.
O secretário do Continente, João Batista Nunes, defende a iniciativa de se instalar uma garagem náutica no local – desde que feita estritamente dentro da legalidade. Nunes acredita que esse tipo de iniciativa muitas vezez é atrasado pelo “interesse de grupos isolados”, e diz ser necessário valorizar o potencial marítimo de Florianópolis.
Moradores da região temem pela extinção do mangue
– É claro que a Ponta do Ataliba deve ser defendida e revitalizada, ninguém jamais disse o contrário. O que não pode haver são obstáculos ao desenvolvimento da cidade. Muitas brigas como essa surgem porque as pessoas acham que este ou aquele empresário tem objetivos obscuros, quando na verdade a lei deve ser imparcial e olhar exclusivamente para os potenciais econômicos e sustentáveis de cada área – explica o secretário.
No momento, as obras estão totalmente interrompidas e nenhuma máquina permanece no terreno cercado pela construtora. Ricardo Müller, vizinho da Ponta do Ataliba e ex-presidente da Associação de Moradores de Coqueiros, afirma que os próprios moradores também não são contra a instalação de uma marina no local, mas, da maneira que o estabelecimento vem sendo pensado, a obra significaria a extinção do manguezal de Coqueiros – ecossistema reconhecido pelo ICMBio.
(DC, 06/12/2013)
Outra decisão que deve mudar drasticamente a cara da região continental de Florianópolis é a ampliação do gabarito (altura máxima dos prédios) em várias áreas do município. A Via Expressa, por exemplo, agora poderá comportar edifícios de até 16 andares. Para o vereador Pedrão, que contesta determinações do Plano Diretor, as propostas votadas no fim de novembro vão contra o interesse dos habitantes.
– A ideia é primeiro ampliar, depois pensar na estrutura necessária para isso. Florianópolis não possui mapeamentos detalhados da capacidade energética, da malha viária, do fornecimento de água, do tratamento de esgoto. O Plano Diretor em si é positivo e melhor adaptado à realidade atual que o anterior, mas falhou em muitos pontos – afirma o vereador.
No Jardim Atlântico, nos limites com São José, os gabaritos subiram de quatro para oito andares. Já na Rua Fúlvio Aducci, onde o limite anterior era de 18 andares, agora os prédios não poderão passar dos seis pavimentos. Para o presidente da Associação Amigos do Estreito, Édio Fernandes, as alterações previstas no Plano Diretor devem privilegiar os pontos com espaço para crescimento.
– É importante que as comunidades entendam que grande parte da cidade está irregular, pois a Ilha já não tem mais espaço para crescer. O Plano Diretor vem para legalizar o que ainda não é legal e deve ser levado à risca para impedir o crescimento desordenado. A Via Expressa, por exemplo, é um espaço que ainda suporta bastante desenvolvimento porque tem acesso fácil, as pessoas conseguem chegar e sair de lá rapidamente – explica Fernandes.
Agora o Plano Diretor deverá passar por uma nova avaliação do prefeito Cesar Souza Junior e ser votado novamente pelos vereadores até o dia 30 de dezembro. Nesta segunda votação, quando serão estudados possíveis vetos, eles precisarão de 16 votos para incorporar as emendas que fizeram e dois terços para a aprovação final. Caso isso aconteça, novas mudanças no plano só poderão ser feitas em 2023.
DALMO VIEIRA FILHO, Superintendente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis:
“É compreensível que um planejamento deste tamanho envolva opiniões opostas. A função do Plano Diretor é conciliar todos estes lados e encontrar um norte único para o crescimento da cidade. A região do continente é uma das áreas que mais vão perceber o impacto do novo Plano Diretor, já que também é a que tem um crescimento mais evidente. A transformação de Coqueiros, onde se localiza a Ponta do Ataliba, não será tão forte quanto à de outros bairros, como Capoeiras e Estreito, que deverão sofrer fortes mudanças estruturais, desde a altura máxima dos prédios até o sistema viário.”
(DC, 06/12/2013)
O empresário Ronaldo Daux, responsável por empreendimentos como o Hotel Majestic, na Beira-Mar Norte de Florianópolis, é proprietário dos 30 mil metros quadrados da Ponta do Ataliba e pretende usar o espaço para erguer uma marina e um complexo imobiliário.
Diário Catarinense – O que o novo Plano Diretor muda no futuro da marina da Ponta do Ataliba?
Ronaldo Daux – No que diz respeito à marina, nada. É preciso separar os dois projetos, já que o da garagem náutica está aprovado, licenciado e não se encaixa nestas mudanças. Mesmo que o Plano Diretor altere algo quando for aprovado definitivamente, a obra já está em andamento desde bem antes disso e não poderia ser interrompida pelo novo planejamento.
DC – Existe algum planejamento de um novo empreendimento imobiliário no local?
Daux – Na verdade, eu ainda nem tive tempo para ver exatamente o que mudou no novo Plano Diretor. O que posso afirmar é que o projeto anterior caiu, perdeu o sentido. O planejamento anterior fazia mais sentido quando se pensa em conservação do que o novo: antes, a ideia era um edifício residencial de nove andares e um hotel de 18, chegando à ocupação total de 20%. Agora, tenho permissão para ocupar 50% do espaço com prédios de até seis andares. Até que o plano seja aprovado definitivamente, não vamos perder tempo mexendo com o projeto.
DC – Os moradores afirmam que a sujeira de uma garagem náutica, como o óleo, poderia vazar e destruir o mangue.
Daux – Tem marina no mundo inteiro, mas só em Florianópolis que vaza e destrói o meio ambiente? É um absurdo pensarem que não foi feito um estudo de impacto ambiental antes de se iniciar uma instalação desse porte. Uma marina tem um sistema próprio de calhas e filtros, no qual qualquer tipo de óleo que vá para o mar é imediatamente recolhido. Existem vários prédios mais próximos ao manguezal; o dia que a fossa de um deles vazar, vai ser mais prejudicial do que a marina.
(DC, 06/12/2013)
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