No imaginário popular a ponte já esteve mais próxima do chão, ou do mar, — se cogitou derrubá-la algumas vezes. Mas agora o fato é que a esperança de ver a majestosa Hercílio Luz servindo à população emergiu entre as duas baías com a estrutura metálica que vai suspender o vão central e permitir que sejam substituídas as barras de olhais, aquelas que dão o molejo característico à maior ponte pênsil do Brasil e que foram também estopim para a interdição em 1982, quando se descobriu o risco de rompimento dessas barras.
As obras de restauração, retomadas este ano, só agora podem ser vistas. A etapa de montagem da estrutura metálica deve ser uma das mais longas e vai consumir um terço do custo da total da obra, que ultrapassará os R$ 220 milhões. Parte da verba provém de financiamento com o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e o restante será investido pelo governo e captado através de leis de incentivo à cultura. A promessa é que a ponte fique pronta em dezembro de 2014.
Depois dos trabalhos subaquáticos – foram firmadas estacas de concreto a 30 metros de profundidade -, a construção das duas primeiras plataformas movimenta trabalhadores na cabeceira continental da ponte. No canteiro de obras instalado sob a ponte Pedro Ivo, cerca de 50 pessoas trabalham na confecção das peças que no final somarão 22 toneladas de aço. A grande treliça vai sustentar o peso da ponte.
Nesta segunda etapa da obra, explica o engenheiro fiscal da obra Wenceslau Diotallevy, a estrutura vai suspender o vão central, de 333 metros de comprimento, e a ponte ficará suspensa para troca de todas as 360 barras de olhais. “É um projeto ousado dentro da engenharia mundial, eu diria que nunca se fez algo desta proporção no Brasil”, diz.
Nos próximos meses, segundo Wenceslau, o trânsito de trabalhadores nas duas cabeceiras da ponte será ainda mais intenso. “Uma das torres está bem avançada e a outra está começando a ser erguida. Nos próximos meses começaremos a construção das duas torres na parte insular e veremos mais trabalhadores sobre a ponte”, conta o engenheiro.
Wenceslau fiscaliza a obra desde que uma das estacas que dão sustentação às estruturas construídas caiu, em janeiro do ano passado. “Fizemos aferição de todas as outras estacas, até para saber os riscos de outra cair, mas todas estavam perfeitas”, certifica o engenheiro do Deinfra ((Departamento Estadual de Infraestrutura). A estaca que caiu foi reconstruída e a antiga permanece no fundo do mar.
Uso da ponte ainda está em discussão
A promessa de que no início de 2015 a ponte Hercílio Luz seja capaz de absorver, por exemplo, 45 mil carros — capacidade que tinha quando foi interditada em 1982—, ou servir de via exclusiva para coletivos, metrôs de superfície, ciclistas ou até pedestres, parece ser também alternativa mais próxima para os problemas de mobilidade da cidade. O atual contrato das obras tem validade até o fim de 2014, prazo que as empresas prometem cumprir. No mês passado, o cronograma foi revisto e garantido pelo Deinfra, durante visita do governador Raimundo Colombo ao canteiro de obras.
O uso que a ponte virá a ter para cidade ainda é indefinido, mas o que não faltam são propostas. “Depois que ela estiver pronta terá condições de servir de diversas formas. Uma possibilidade poderia ser a pista reversível, para atender o fluxo de acordo com o horário”, citou o engenheiro Wenceslau Diotallevy.
No ano passado, a Hercílio Luz conquistou pela Lei Rouanet possibilidade de captar até R$ 64 milhões por meio de abatimento de impostos. Este foi o maior projeto aprovado pela Lei Rouanet, que superou os R$ 50 milhões para restauração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Estima-se que a cifra gasta com a ponte desde o seu primeiro fechamento, em 1982, ultrapasse R$ 100 milhões.
Tensões do tempo
Os 54 macacos hidráulicos que vão transferir as 4.400 toneladas da ponte para a estrutura deixarão mais do que as duas torres e seus tirantes frouxos para a grande reforma. “Serão os mesmo materiais, mas com mais durabilidade do que naquele tempo”, conta o engenheiro Wenceslau Diotallevy.
Uma das preocupações dos engenheiros é justamente o momento em que a ponte ficará suspensa. “Existem tensões que surgiram desde a construção que estão aí há anos, quando liberarmos todo esse peso vamos liberar essas tensões”, conta Wenceslau.
Para reformar a estrutura, mantendo suas características originais, os engenheiros fizeram o caminho inverso do projeto de construção da Hercílio Luz, inaugurada em 1926, para entender todos os detalhes da obra. Saber como os pontos de tensão dos quatro cordões de barras de olhais, que em formato de “U” transformam a obra no maior cartão-postal do Estado, distribuem as quase cinco toneladas entre a Ilha e o Continente foi um dos desafios.
Depois que o vão central estiver suspenso, os engenheiros ainda farão a manutenção nas duas torres e a reposição de peças corroídas pelo tempo. Mas para que a ponte um dia integre ao sistema viário da cidade, que sofreu diversas alterações ao longo dos anos, seria preciso ainda refazer as rotas no entorno das duas pontas da Hercílio Luz. Obras que deverão ser lançadas nas etapas finais da restauração.
RESTAURAÇÃO
As quatro etapas da obra
1. Instalação de estacas metálicas a 30 metros de profundidade cravadas em rocha para sustentar a elevação do vão central.
2. Construção da estrutura metálica em quatro torres que formará uma treliça sob a ponte até 30 metros de altura.
3. Cinquenta e quatro macacos hidráulicos controlados por sistema computadorizado vão suspender o vão central.
4. Serão trocadas as 360 barras de olhais, provavelmente fabricadas em Minas Gerais.
Características
Além de ser uma ponte em estrutura metálica pênsil (existem muito poucas no Brasil), tem como característica marcante a sua suspensão formada por correntes de barras de olhal, em aço, articuladas por pinos também de aço, sendo atualmente a única no mundo com partes das barras compondo a corda superior da treliça de rigidez. É a mais longa ponte pênsil com sistema de barras de olhal no mundo.
O cabo principal da ponte é constituído de 4 correntes de barras de olhal termicamente tratadas. Este cabo suporta apenas o vão central através de pendurais verticais.
Pode-se ainda ressaltar as torres articuladas nas bases e ainda os blocos de ancoragem em concreto, na forma de “U” para o máximo de eficiência.
Importância na época
Foi originalmente construída para sustentar uma pista de rolamento, uma via férrea, uma passarela de pedestres e a adutora de abastecimento de água de Florianópolis.
Sua construção consolidou a situação da Capital do Estado para a Cidade de Florianópolis, possibilitando o fluxo de transportes entre o Continente e a Ilha de Santa Catarina.
*Em 25 de fevereiro de 1925, pela primeira vez, uma pessoa atravessava à pé sobre o canal que separa o continente da Ilha de Santa Catarina. Foi um dos 19 funcionários que trabalhava na montagem dos 24 cabos que formava a armação provisória na construção da Ponte Hercílio Luz. Em meados de janeiro de 1926 ela ficou pronta, mas a inauguração só se deu no dia 13 de maio porque o governo não havia conseguido terminar as estradas que davam acesso até a a ponte de ligação entre a Ilha e o continente.
(ND, 26/11/2013)