Um dos espaços urbanos mais cobiçados de Florianópolis, a Ponta do Coral, mapeado para abrigar um megaempreendimento turístico, durante muitos anos esteve no centro de polêmicas. A área privilegiada, de frente para o mar, foi privada, depois pública e nos anos 80 voltou a ser particular, vendida durante o governo de Jorge Bornhausen, por meio de uma concorrência. Os recursos serviram para projetos do governo na área social, entre os quais o Centro Educacional Dom Jaime de Barros Câmara, em Palhoça. Depois de passar por vários donos, o terreno volta a protagonizar discussão envolvendo a construção de um complexo hoteleiro.
A polêmica recente começou há cinco anos, quando a Hantei Engenharia assumiu o terreno de 15 mil metros quadrados em parceria com a proprietária, a Nova Próspera Mineração, e elaborou um projeto orçado em R$ 330 milhões. Trata-se da construção do Parque Hotel Marina, complexo de luxo com mais de 600 apartamentos, junto à avenida Beira-mar Norte, que inclui marina, dois estacionamentos e nove praças públicas.
Para viabilizar a construção das praças públicas, cliclovia, anfiteatro, paisagismo e também o deslocamento dos ranchos de pescadores existentes no terreno, a Câmara de Vereadores de Florianópolis aprovou e o prefeito Dario Berger sancionou a lei complementar 180/2005, que prevê o aterramento de até 36 mil metros quadrados no entorno do terreno.
O projeto divide opiniões. De um lado estão os que enxergam o empreendimento como fator gerador de emprego e desenvolvimento, além de situar definitivamente a capital catarinense como uma cidade com vocação turística. De outro, ambientalistas e moradores, que sugerem que o espaço particular seja transformado em área verde de lazer. No centro da decisão está o poder público, a quem caberá a última palavra sobre o futuro da Ponta do Coral.
No século 18, o terreno pertencia à Marinha, servia como ponto de vigia no complexo sistema de defesa da Ilha. Depois foi local de armazenamento e distribuição de óleo na década de 20. Dos anos 40 até a década de 70, foi utilizado para o Abrigo de Menores.
Projeto do hotel foi autorizado por lei
O Parque Hotel Marina, segundo o diretor executivo da Hantei Engenharia, Aliator Silveira, se baseia nas leis que autorizaram a construção do complexo hoteleiro e que enquadram o projeto. “A construção foi validada, o projeto foi aprovado, há espaços públicos previstos e o alvará está válido”, alega, ao ressaltar que aguarda uma definição da prefeitura para dar continuidade ao projeto.
“Caso o entendimento do governo seja contrário ao aterramento da área, construiremos um prédio residencial convencional na área, que é privada. O que queríamos era o complexo, um ponto turístico e uma necessidade da Ilha que não consegue atender a demanda desse público. É um projeto ousado não só para Florianópolis, mas para todo o Estado. Vamos gerar 4.000 empregos e não pedimos dinheiro para ninguém para executá-lo”, destaca o empresário.
O prefeito Cesar Souza Júnior afirma que não vai autorizar o aterramento dos 36 mil metros quadrados de mar para entregar à iniciativa privada. A Hantei discorda, pois a área aterrada será pública e não privada, além de se constituir em uma determinação legal (lei complementar 180/2005).
Cesar Júnior acredita que o aterramento pode abrir um precedente, já que a autorização “permitiria que qualquer proprietário de terreno à beira-mar solicitasse algo semelhante”. Os empreendedores contestam, consideram que a Ponta do Coral é o único terreno à beira do mar edificável. Além disso, não bastaria a qualquer proprietário pedir o aterro. Precisaria ter autorização não apenas da prefeitura, mas também da Câmara de Vereadores e da SPU (Superintendência de Patrimônio da União).
Segundo Cesar Júnior, a prefeitura não vê qualquer problema em novos aterros, desde que eles tenham como finalidade atender ao interesse público, como o alargamento de vias ou implantação de corredores exclusivos para ônibus. Sobre a possibilidade da compra da área privada pelo governo, descarta. “Não cogitamos essa possibilidade”. Segundo ele, a prefeitura concorda com a instalação de hotel na Ponta do Coral, desde que os projetos atendam as exigências do Plano Diretor, tenham estudo de impacto de trânsito e não necessitem de aterramento do mar.
A Hantei e o prefeito Cesar Júnior estão com reunião agendada para deliberar sobre o projeto. Até o final do ano a Ponta do Coral deverá ter uma definição. Hoje, segundo os empreendedores, o terreno possui avaliação judicial de R$ 120 milhões.
Moradores usavam o lugar para o lazer
Filho de pescador, Volnei da Rosa Horácio, o Pescoço, 52, não foge à regra. Posseiro de um dos 48 ranchos construídos sobre a Ponta do Coral, sempre que o tempo está bom ele sai para pescar nos fins de tarde. Quando fica em terra, costuma sentar-se em uma das pedras ou nas ruínas do antigo posto de reabastecimento naval da Marinha e, de olhos para o mar, faz uma breve viagem ao passado. Gosta de lembrar, por exemplo, do tempo em que jogava bola em um dos três campos do antigo Educandário 25 de Novembro, o Abrigo de Menores.
Durante décadas esta foi a área de lazer da Agronômica. Era lá que crianças e adultos do bairro, moradores da rua Rui Barbosa e dos morros vizinhos, passavam os fins de tarde, sábados e domingos.Além de espaço para futebol, na época a comunidade tinha acesso livre ao mar e à área da Ponta do Coral, a pequena península da baía Norte.
Com o desaparecimento das prainhas do Areião, da Pedra Grande, da Igreja São Luís e do iate clube, em 1982, parte dos pescadores da baía Norte foi transferida para a Ponta do Coral, pelo governador Esperidião Amin.Encobertas pelos arbustos, as ruínas destas antigas instalações se misturam a entulhos e lixo urbano, como garrafas pet, sacolas de plástico e latinhas, espalhados pela península.
(ND, 05/10/2013)
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