“Se eu pudesse criar uma nova categoria para a mobilidade brasileira, eu criaria. Tem coisas que só vemos aqui”. Esta foi a primeira consideração da doutora em Geografia, especialista em transporte urbano e professora na Universidade Autônoma de Barcelona, Carme Miralles-Guasch após desembarcar ontem em Florianópolis. Ela veio da Espanha a convite da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Autoridade quando o assunto é transporte em grandes cidades, ela publicou 30 artigos sobre mobilidade urbana nos últimos cinco anos e estuda o tema desde 1996. Segundo ela, a integração e o investimento em diversos meios de transporte são o que desafoga o trânsito nos conglomerados.
Diário Catarinense – O metrô seria a melhor saída para Florianópolis?
Carme Miralles – Não sei se Florianópolis precisaria ter um metrô. Aqui seria muito difícil porque é uma ilha e quase sempre o terreno não suporta. É necessário pesquisar melhor. Caso os terrenos suportem, o investimento é alto, mas retorna com o tempo.
DC – Mesmo com muitos morros, as ciclovias continuam sendo uma hipótese?
Carme – Os morros não estão em todas as partes da cidade. O importante é que as ciclovias estejam numa rede, não em uma linha que começa e termina logo depois. É importante ter uma conexão para levar a algum lugar com segurança.
DC – Existe uma nova solução de mobilidade não vista no Brasil?
Carme – Não há soluções. Há melhorias. O espaço urbano é um espaço muito complicado e ainda surgem problemas novos, e temos que aprender a resolvê-los para fugir do caos. A solução não existe. A pergunta é: como podemos melhorar a mobilidade do espaço urbano? A melhor solução é entender que o transporte é um sistema único, que todos os tipos devem trabalhar em rede. As pessoas devem utilizar diferentes tipos de transporte e ter condições para isso. As pessoas podem andar em bicicleta e automóvel ao mesmo tempo. Não é um contra o outro, não é investir em ciclovias sem contraste e integração com estradas. A palavra é integração.
DC – O fluxo de pessoas em Florianópolis e Barcelona aumenta durante o verão. Como deve ser o planejamento do transporte urbano para esta época?
Carme – A dimensão da oferta do transporte nunca, em nenhum lugar, é feita para a demanda máxima. Imagina que você quer abrir um restaurante e que sábado à noite tem muita gente para comer. O que você fará? Colocará mesas e garçons para o fim de semana e ficará com o ambiente vazio o resto da semana? Não fará isso. Se o sábado tem mais demanda, as pessoas terão de esperar um pouco mais. A oferta nunca é mensurada para o máximo de demanda, mas para o valor médio. Isso significa que em alguns meses do ano é normal a demanda ser maior ou menor. O que não pode é mensurar o valor mínimo de demanda, porque não há como se adequar nos momentos máximos.
DC – E como utilizar o transporte marítimo em Florianópolis?
Carme – Uma das possibilidades é utilizar o mar como infraestrutura, fazer um bom sistema entre as partes do Continente e com o mar, sempre conectado em rede com ônibus e qualquer meio de transporte. Ouso falar que a solução aqui em Florianópolis é utilizar o mar. Seria ótimo entre o Continente e a Ilha, por exemplo. Pode-se ter pontes, mas a solução por aqui é conectar-se por barcas.
DC – Qual é a principal consequência para a cidade que deixa a população com tempo perdido enquanto se transporta?
Carme – Tempo é dinheiro. Todo aquele tempo que passamos entre um lugar e outrou não utilizamos para nada mais. O sistema perde produção. Não é só o tempo individual, é o tempo coletivo. Uma cidade que a população perde muito tempo entre os lugares é uma cidade que perde dinheiro. Ultrapassa as classes sociais – rico ou pobre, você continuará parado.
(DC, 20/08/2013)