Construída a partir do encontro e da união de pessoas tendo em comum sua aplicação como ferramenta ativa no movimento da roda cultural, a história do teatro catarinense não pode ser contada sem que se fale também de como e onde se formaram gerações de atores ao longo do tempo. Não importam os meios escolhidos e os estilos ou correntes de atuação adotados, mas o fim é quase sempre o mesmo: preparar-se para um dia mostrar seu trabalho nos palcos, seja em escolas, faculdades, cursos, oficinas e outros espaços, ou os aplausos das plateias de grandes casas de espetáculo.
Vem sendo assim desde que, em 1817, quando o juiz Otávio Saraiva fez da sala de sua casa improvisado palco para os personagens da peça “A tragédia do Fayal”, montada a partir de texto de sua autoria para um punhado de convidados . Homenagem dos catarinenses à coroação de Dom João VI como rei de Portugal, a então Desterro de raízes de estrutura ditadas pelo modelo colonial e população urbana se contava na casa dos poucos milhares, reagiu entre admirada e surpresa à extravagante apresentação. Reação natural diante da importância do episódio, que acabou por fazer o papel de divisor de águas das artes cênicas no Estado.
Mais do que entronizar uma novidade de tal porte num ambiente desprovido de referências, lugar pacato em que os modos e atividades dos habitantes refletiam os da corte, o histórico evento forjou também a necessidade de criar-se um elenco. A tarefa exigiu treinamento e preparação daqueles que, de certa forma, foram os primeiros atores se apresentarem publicamente para a comunidade. Pouco ou nada se sabe de como foi esse processo e de quem teria participado dele, mas é provável que, nesses quase dois séculos, a formação de atores remete sempre a um sentimento parecido, resultado de forças que moveram e ainda movem quem está na condição de aluno de teatro.
Personagens de complexa construção
O ator Valdir Silva, de 57 anos, é tocado ainda hoje, passados quase 30 anos da primeira oficina teatral da qual participou, pela mesma vontade que o levou a participar, em 1986, de uma oficina de atores tendo como orientadora a atriz Margarida Baird, hoje uma das mais importantes atrizes em atividade no Estado. Começava assim a realização do sonho de um dia atuar nascido muitos anos antes, levado pela mãe às sessões de circo-teatro comuns em Florianópolis quando ele era criança. Na oficina, a atriz repassou experiências vividas e conhecimento trazido de sua passagem pelo elenco do mítico Teatro Oficina, grupo paulistano criado por Zé Celso Martinez no começo dos anos 1960.
No âmbito acadêmico, o curso de Artes Cênicas da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina) oferece desde 1986 outras possibilidades de moldagem de futuros atores. Formado na primeira turma da faculdade, Nazareno Pereira, 55, integra há quase três décadas o grupo Teatro Sim… Por Que Não?!!!, nascido ainda nos corredores da universidade e cujo nome foi aproveitado do grupo criado por Margarida para a oficina realizada naquele ano. Embora diplomado, o ator não considera fundamental o curso superior para um ator. “Ela não forma ator”, diz, sem desconsiderar o curso, “é um local em que se adquire conhecimentos”.
Assíduo nas platéias de teatro na Capital, Gabriel Nascimento decidiu-se por fazer um curso depois de tomar contato com as montagens do grupo Vanguarda, companhia e escola que desde 2002 faz da literatura matéria-prima de peças voltadas para o público jovem. Fazer espetáculos de interesse dos alunos de escolas com adaptações literárias foi a forma encontrada pelo diretor Sérgio Murilo para também incentivar novos públicos e despertar o interesse pelo universo cênico. Gabriel é a confirmação de que valeu a pena fazer a aposta. Aos 18 anos, ele demonstra intimidade rara com a produção teatral e a agenda local. O gosto e interesse, segundo ele, são também resultado da participação no curso coordenado por Sérgio, que divide atividades do grupo com a de professor.
Na mesma área do Centro da Capital onde está o Vanguarda, funciona há dois anos a Art Teatro, cuja proposta volta o foco da preparação dos alunos de teatro para as produções musicais. Esse diferencial atraiu para os cursos a estudante Julia Cris, de 18 anos e com passagens por escolinhas de dança desde criança. Decidida, ela acredita ter encontrado um jeito viável de seguir a carreira de atriz. “Já estou na porta, se é o caminho certo, eu não sei”, filosofa, garantindo que não vai desistir de seu sonho.
Um teatro para chamar de meu
Engrenagem de movimento contínuo, desde que o teatro passou a se fazer presente no cotidiano de Florianópolis, a cidade conviveu com os mais diferentes tipos de movimentos e produções. Ganharam os palcos desde montagens sacras às do modernismo do Grupo Sul e das companhias nascidas do engajamento contra a ditadura militar, até espetáculos de ópera e épicos. Essa fartura cênica está diluída em épocas, mas o diretor e ator Régius Brandão espera capitalizar para seu projeto uma fatia do que se evidencia como um bom momento para o teatro local.
Desde que chegou à Santa Catarina, no começo da última década, trazendo consigo a o legado da produção e das andanças pelo universo da arte em Porto Alegre, onde estreou como ator em 1980, numa montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade dirigida por Nestor Monastério. Mas, parece, chegou a hora de lançar mão de seu mais ousado projeto, o de agregar ao trabalho de produção das montagens e atuação o de mantenedor de seu próprio espaço. A oportunidade veio este ano, quando arrendou o espaço teatral do antigo Sol da Terra, pequeno , mas ativo, centro cultural encravado no Centrinho da Lagoa da Conceição. “Isso trouxe de volta o respeito a este lugar”, anima-se.
Ali, numa sala com capacidade para 60 lugares, são ministradas oficinas, a primeira delas ministrada em março. Havia três anos que Régius promovia cursos no LIC (Lagoa Iate Clube), para um público eclético. “São alunos que já fizeram arte cênica, gente que está começando e pessoas interessadas em encontrarem nas aulas de teatro uma forma de desinibir”, conta o artista. Como os cursos sempre encerram numa montagem coletiva, ele considera estar fazendo um importante papel. “As escolas de teatro não preparam para ser ator”, justifica, lamentando que hoje em dia a maioria das candidatos a ator vê na formação dos cursos uma maneira para chegar à televisão.
(ND, 03/08/2013)
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