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Sacadas preservam arquitetura e história de Florianópolis

Sacadas e varandas são como um espaço de transição entre dois mundos: o da rua e o de dentro de casa. Em Florianópolis a tradição das sacadinhas acompanhou a tendência seguida no Brasil e no resto mundo principalmente no século 19, quando esses locais passaram a ser uma conexão com a rua. Nas sacadas as pessoas vivenciavam a urbanidade, ainda que de maneira discreta. Dava para ver as procissões, a movimentação nas ruas, os tapetes do dia de Corpus Christi; tinham os flertes entre namorados e o simplesmente parar para ver a vida passar.

Nas ruas do Centro Histórico da Capital ainda estão de pé exemplares dos típicos sobrados com sacadinhas dos séculos 19 e 20. A arquiteta Betina Adams, técnica do Sephan (Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Município), explica que esses casarios tinham a característica de no térreo sediar o comércio da família, e no pavimento superior a moradia. “Ter uma sacada, com gradil, era mais nobre, custava caro. Então denota que os proprietários tinham mais dinheiro”, diz ela. Esse gradil geralmente se localizava onde era a parte mais social da casa, como a sala.

“No final dos anos 1970, quando começaram os tombamentos, muitos comerciantes deixaram de morar no andar de cima”, diz. Atualmente, os sobrados ainda são usados como comércio, só que o andar superior é usado como depósito.

Comerciante há 25 anos, Emídia Socas Doin Vieira Dias, 47, até o ano passado fazia como a população do passado: mantinha uma loja no piso térreo, a Tupã Embalagens, número 564 da rua Conselheiro Mafra, e morava em cima. “Moramos ali por 11 anos”, diz. Ela e o marido, Alexandre Dias, continuam cuidando da loja, mas agora moram longe do trabalho. “Não tinha muitos vizinhos”, comenta. Ela pouco sabe da história do sobrado em estilo art déco. “Sei apenas que o primeiro dono era um comerciante chamado Rosato. A casa é geminada, numa delas era ele quem morava, na outra a filha mais velha.”

Sacada é diferente de varanda

No prefácio da primeira edição de “Casa Grande & Senzala”, Gilberto Freyre (1900 – 1987) fala da presença das varandas nas casas do Brasil colonial. “A varanda é uma característica brasileira”, afirma o arquiteto e professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Américo Ishida. “É uma característica sobretudo das regiões mais quentes. É uma transição entre a inclemência do tempo e o espaço interno da casa, um filtro do tempo.” O arquiteto José Ripper Kos complementa. “É como uma segunda pele. E quando os mouros entraram na Península Ibérica, as varandas eram um tipo de proteção também”, lembra.

À parte as casas grandes de Florianópolis dos séculos passados, o que predominou foram mesmo as sacadas, cuja diferença o arquiteto e professor da UFSC, César Floriano, explica. “A sacada tem a função de criar uma presença do corpo inteiro que a janela não permite (só cabe a cabeça). Já as varandas têm a função de ser um prolongamento da casa, da vida doméstica.”

Na Capital, muitas vezes os dois conceitos se combinam em um só. “Imagine o tempo em que a mulher ficava atrás da janela, porque não podia dar as caras na rua? A sacada permitia a elas se aproximarem da rua, sem se exporem muito”, acrescenta Américo Ishida.

Ecletismo e art déco

No Centro de Florianópolis encontram-se diferentes exemplares do período chamado de ecletismo dentro da arquitetura, que se caracteriza pela mistura de estilos antigos até a criação de uma nova linguagem, predominante em meados do século 19 e começo do século 20.

“A rua Conselheiro Mafra, por exemplo, tem exemplares de art déco – que é um primeiro modernismo –, modernismo e ecletismo”, diz César Floriano. Não muito distante dali, na rua Almirante Alvim, no Centro, um prédio dos anos 1970 chama atenção pelo romantismo das sacadas. O prédio de três andares não segue a tendência setentista do modernismo, ao contrário, tem gradil ornamentado.

É lá que mora a soprano Claudia Todorov, há três anos e meio. Por causa do ruído que vem da rua, ela prefere aproveitar a charmosa sacada à noite, quando a cidade está mais silenciosa. “Eu e meu marido colocamos uma mesa ali fora e sentamos para tomar um vinho”, diz.

Há alguns anos ela elaborou um projeto de apresentação de coral nas seis sacadas do edifício, na época do Natal. A ideia não foi para frente, mas não seria nada mal. Pelo menos para a reportagem do Notícias do Dia, Cláudia se dispôs a tocar piano e a cantar da sacada de sua casa.

A cidade, seus rituais e sua arquitetura

No século 19, as sacadas tinham um papel importante na vida social da população. “Era onde se podia vivenciar a cidade. Os moradores compartilhavam com sua presença as experiências da vida urbana”, afirma César Floriano. Na Capital, a procissão do Senhor dos Passos, realizada há 247 anos, era um dos eventos que reunia famílias inteiras nas sacadas. “Era comum as pessoas ficarem vendo o movimento. Parentes se reuniam para ver do alto a procissão passar. Tinham também os tapetes coloridos no dia de Corpus Christi”, comenta a arquiteta do Sephan Betina Adams.

Movimentos políticos também foram assistidos de camarote das sacadinhas das ruas centrais da cidade. Ou também políticos empoleirados nelas viraram deboche na voz do povo nas ruas. O repórter fotográfico James Tavares, 53, lembra bem da Novembrada. Foi da sacada do palácio Cruz e Sousa, na época chamado de Palácio Rosado, casa-sede dos governantes do Estado, que o então presidente da república, o general João Figueiredo (1918 – 1999) foi para a sacada saudar o povo. Mas a recíproca não foi verdadeira e ele foi hostilizado. “Aí xingaram a mãe dele e ele desceu para tirar satisfações”, lembra Tavares, que na época tinha menos de 20 anos e trabalhava para o Jornal de Santa Catarina.

No mês passado, Cláudia Todorov, em vez de fazer música ou tomar vinho, foi para a sacada para assistir à movimentação de jovens manifestantes. “A moçada se encontrava aqui na frente e depois ia caminhando em direção à praça 15 de Novembro para protestar contra a corrupção”, conta.

Para César Floriano, no entanto, na medida em que a cidade já não é mais de festa, as sacadas perdem o sentido. “Na medida em que os rituais da cidade desaparecem, as sacadas também se perdem no tempo.”

(ND, 20/07/2013)

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