A estudante de jornalismo Renata Bassani saiu da aula na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), na Capital, no final da manhã de terça-feira, mais atenta. Colocou a mochila nas costas e subiu na bicicleta, mas ao se aproximar do turbilhão de carros da rótula da praça Santos Dumont tirou os pés do pedal e preferiu passar pelo local empurrando o veículo. Isso para se sentir mais segura, pois a lembrança de uma jovem também de 20 anos que, como ela, optou pela bike como meio de transporte, não saia da cabeça. Não queria ser mais uma vítima da falta de estrutura e desrespeito no trânsito.
Renata espera que a morte da estudante de oceanografia Lylyan Karlinski Gomes, na manhã de segunda-feira, em acidente com um ônibus, desperte no poder público a preocupação de melhorar a segurança de trânsito nos arredores da instituição. Mero desejo. “A morte dela me chocou. Me identifiquei muito porque passo por situações parecidas, principalmente com ônibus. Tem que trocar essa rótula por outra coisa e criar ciclovias na região da universidade”, defende.
O acidente que resultou na morte da ciclista Lylyan no principal acesso da UFSC parece não ter suscitado reflexões tanto da reitoria da universidade (principal pólo gerador do tráfego), como da prefeitura (responsável pelo sistema viário). Questionado se a UFSC cobraria do município soluções para garantir a segurança de pedestres e ciclistas nos arredores da instituição, o chefe de gabinete da universidade, Carlos Antonio Vieira, afirmou que essa exigência cabe à sociedade. “Não somos nós que vamos cobrar, mas a comunidade toda que deve fazer isso”, afirma. A UFSC tem um projeto de uma ciclovia interligando somente a parte interna do campus da Trindade, pois Vieira afirma que a parte externa é de responsabilidade da prefeitura.
Segundo a coordenadora de projetos cicloviários do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis), Vera Lúcia Gonçalves da Silva, o órgão tem projetos para readequar o trânsito nas intercessões e ampliar a sinalização para melhorar a travessia de pedestres e ciclistas. “Vim de uma conferência que apresentava experiências da Alemanha, onde o símbolo da bicicleta é evidenciado para chamar atenção dos condutores”, conta.
Enquanto não existem vias segregadas para bikes, Vera Lúcia diz que essa seria uma saída. Mas ela lembra que a execução depende de decisão política e orçamento. Procurados pela reportagem, nem o superintendente do Ipuf, Dalmo Vieira Filho, nem o secretário de Obras, João Amin, foram encontrados para falar se existem cronogramas para implementar melhorias no sistema viário do entorno da UFSC.
Problemas e sugestões
A rótula da praça Santos Dumont, como as outras do entorno da UFSC, são consideradas por especialistas inadequadas para o fluxo de carros e pessoas que circulam nas imediações da universidade e do HU (Hospital Universitário). Abaixo, os principais problemas e possíveis soluções identificados pelo doutor em engenharia de transporte e presidente do Icetran (Instituto de Certificação e Estudos de Trânsito e Transportes), José Lelis.
Problemas
– A intercessão da praça Santos Dumont tem muitas entradas e um grande raio, o que dificulta a visibilidade dos motoristas, ciclistas e pedestres que passam por ela. Outras rótulas da região têm problemas similares.
– Existem faixas de pedestres em curva. Isso faz com que o condutor não visualize bem se há pessoas na faixa. Dependendo da velocidade, fica difícil evitar um acidente.
– Não há espaço para o ciclista circular com segurança.
Sugestões
– Como o espaço geográfico é restrito, o ideal é estabelecer prioridades de usuários (onde devem passar veículos, pedestres e ciclistas) em um estudo de mobilidade.
– Devem-se limitar as áreas de circulação de veículo. Por exemplo, existem dois acessos de carro para o HU. Poderia ser estudada a possibilidade de destinar um para veículos e um para pedestres e ciclistas. Claro, deixando uma faixa exclusiva para ambulâncias.
– Poderia analisar a possibilidade de construir uma passarela entre o hospital e a igrejinha da UFSC.
– Investir em sinalização e educação de trânsito.
– Seria interessante que universidade (estudantes, professores e especialistas em mobilidade), prefeitura e comunidade discutissem um projeto para ser executado pelo município (responsável pelo sistema viário).
Polícia abre inquérito para investigar morte de estudante
A polícia abriu inquérito para identificar os responsáveis pelo acidente com a estudante de oceanografia Lylyan Karlinski Gomes. Na versão do motorista ao registrar a ocorrência na 5ª Delegacia de Polícia, o ônibus fazia a curva da avenida Desembargador Vitor Lima (igrejinha da UFSC) para a rua Roberto Sampaio Gonzaga, e a jovem que seguia reto teria colidido contra o ônibus. Mas testemunhas devem ser ouvidas para averiguar outras versões do acidente, bem como se houve imperícia ou negligência.
Para representantes do grupo Bike Anjo Floripa e da ViaCiclo (Associação dos Ciclousuários da Grande Florianópolis), a ciclista cumpria a lei de trânsito, ao se deslocar pelo bordo direito da via, no mesmo sentido do tráfego. O motorista do coletivo é que teria deixado de respeitar a distância obrigatória de 1,5 metro, como prevê o Código de Trânsito Brasileiro.
Ciclistas vão pedir mais segurança
Ciclistas de Florianópolis e região vão realizar uma manifestação para pedir mais segurança para quem opta por utilizar a bicicleta como meio de transporte. O ato será amanhã, às 8h, na rótula da UFSC, e contará com a instalação de uma bicicleta fantasma (pintada de branco) para simbolizar a morte da estudante no local do acidente. Esta será a oitava bike pendurada na cidade para alertar sobre a violência no trânsito.
Em protesto, os ciclistas prometem fechar a rótula por tempo indeterminado, menos o acesso ao HU. A expectativa do grupo é seguir de lá para a garagem da empresa Insular para exigir punição ao motorista responsável. Outra reivindicação é fazer com que os motoristas passem por reeducação de aulas de trânsito para ter melhor convivência com os ciclistas da cidade. Para que as ações de reciclagem sejam atendidas, os ciclistas pedem que o prefeito Cezar Souza Júnior cumpra o termo de compromisso com os ciclistas, assinado durante a campanha eleitoral.
O presidente da Viaciclo, Daniel Araújo Costa, que participa da organização do protesto, percebe que existem projetos da prefeitura, o que falta é vontade política. “Algumas coisas saíram do papel na cidade, como a ordem de serviço para a ciclovia da avenida Osni Ortiga (Lagoa da Conceição), mas é preciso fazer muito mais. A falta de calçadas é outro problema. Caminhar é o transporte mais antigo do mundo e não temos espaço para os pedestres”, lamenta. O grupo Bike Anjo também participará do protesto.
A jovem vítima
Lylyan Karlinski Gomes, 20 anos, era natural de Porto Alegre e estudava oceanografia na UFSC desde o início deste ano. Ela foi atingida por um ônibus de transporte coletivo quando atravessava uma rótula na Trindade, por volta das 8h de segunda-feira, e chegou a ser atendida por um bombeiro que passava pelo local, mas não resistiu. O corpo da estudante foi liberado já na segunda-feira pelo IML (Instituto Médico Legal. Foi levada para Porto Alegre, onde foi enterrada ontem.
(ND, 03/07/2013)