Artigo de Poliana Abreu, consultora em sustentabilidade corporativa, professora convidada da Fundação Dom Cabral (FDC) e especialista visitante em cursos da Universidade de Boston e do MIT Sloan School of Management (Akatu, 23/07/2013)
Nos últimos anos, tenho observado o papel fundamental que o setor de educação superior pode desempenhar para trazer mudanças mais conscientes para a sociedade. Isso engloba como as instituições são administradas, como elas se envolvem com suas comunidades locais, como engajam seus colaboradores e o que é ensinado dentro e fora da sala de aula. Em suma, as instituições educacionais se encontram em posição privilegiada para influenciar a mudança para a sustentabilidade por meio da inovação em seus campi, nas comunidades, nas suas linhas de pesquisa e no currículo.
Mesmo com todos os desafios e outras prioridades nas agendas das instituições de ensino superior no Brasil e no exterior, tornam-se cada vez mais claros os motivos pelos quais a sustentabilidade tem sido considerada uma questão estratégica em importantes universidades e escolas de negócios no mundo.
Ao trabalhar pela implementação e desenvolvimento do tema no Grupo Ânima Educação e, posteriormente, na Fundação Dom Cabral, esses motivos tornaram-se mais evidentes para mim. Mas percebi que era necessário compreender a fundo o que motivava os demais colegas de profissão e outras escolas a enfrentar os desafios da sustentabilidade e não simplesmente fugir ou se adaptar a eles. Foi assim que comecei a percorrer algumas instituições para descobrir o que há de inovador e transformador no que se refere à sustentabilidade corporativa e inovação social. Atualmente morando em Boston (Estados Unidos), região que abriga grandes e renomadas universidades do mundo, tenho acompanhado os dilemas desse debate por meio de conversas, aulas e entrevistas com professores e alunos dos mais diversos backgrounds.
É evidente que a motivação para inserir a sustentabilidade na agenda das instituições de ensino superior depende da estratégia, dos desafios, restrições e habilidades de cada escola. Mas, de forma geral, o primeiro motivo levantado pela maioria das escolas com as quais conversei é se tornar mais relevante e desejável no médio e longo prazos, atendendo a uma demanda da sociedade e do mercado – já que, no mundo corporativo, os conceitos de organizações conscientes e sustentabilidade têm sido amplamente considerados. O que muitas vezes dificulta esse processo é uma estrutura educacional anterior que tenha, de fato, desenvolvido pessoas e profissionais capazes de promover transformações nas suas organizações, alinhadas com os grandes desafios locais e globais.
O segundo motivo é tornarem-se operacionalmente mais efetivas. Para isso, muitas escolas estão buscando financiamento para novos projetos “verdes” e inovadores, fazendo progressos em várias áreas, especialmente em energia, edificações, resíduos, reciclagem, compras conscientes e envolvimento da comunidade. E o terceiro motivo está alinhado, especialmente, à reinvenção da educação executiva e das escolas de negócios.
Para permanecerem relevantes num mundo cada vez mais dinâmico e conectado, algumas escolas já sentem que terão de repensar seus propósitos e valores, de forma a se alinhar com os novos desafios da sociedade. Sendo assim, começar a refletir sobre as questões de sustentabilidade pode ser um bom caminho para se iniciar o debate sobre o papel e o futuro das escolas de negócios.
Nesta caminhada em busca das instituições de ensino que estão fazendo a mudança para a sustentabilidade, tenho visto desde pequenas e novas escolas que já nasceram com esse DNA, como é o caso da Presidio School, em São Francisco (EUA) – que atrai inúmeros estudantes com interesse no tema -, até grandes e tradicionais instituições, como MIT, Harvard e Yale –, que, com estrutura e reputação, são capazes de ajustar ou inovar seus currículos para atrair não somente os estudantes já engajados com o tema mas também os mais céticos.
Essas universidades, em vez de tratar os diferentes desafios da sustentabilidade de maneira isolada, estão criando novas oportunidades e mecanismos para integrar o debate com outras áreas de conhecimento. Um approach inicial que muitas escolas têm escolhido – e que para mim faz todo o sentido – é tratar sustentabilidade como um tema relacionado à gestão da mudança e inovação. Nas aulas de sustentabilidade da Boston University, por exemplo, a maior parte dos cases utilizados não é específica de sustentabilidade, e, sim, trata de questões como inovação, mudança e aprendizado organizacional – em última instância, o que permite que os projetos de sustentabilidade sejam viáveis.
Já no Brasil, não poderia deixar de citar o exemplo da Fundação Dom Cabral, que alinha geração de conhecimento, por meio do Núcleo Petrobrás de Sustentabilidade, com o direcionamento estratégico do tema, que é conduzido pelo Comitê de Sustentabilidade da instituição. Há dez anos, a FDC antecipava-se em atender às demandas de uma realidade empresarial que começava a se envolver, de forma mais participativa, com as questões relacionadas à gestão responsável. Nessa época, criou-se o Núcleo de Sustentabilidade, que, a meu ver, é um interessante modelo de geração de conhecimento no tema.
Muitas outras iniciativas interessantes, mas ainda pontuais, têm sido conduzidas por escolas brasileiras, como as 18 signatárias do PRME (Princípios para a Educação Empresarial Responsável), uma iniciativa da ONU para inspirar as escolas de negócios a adaptarem seus currículos, metodologias, pesquisas e estratégias institucionais em prol das questões de sustentabilidade. Essas escolas, ainda que muito tímidas para realizarem mudanças estruturais nessa área, já sinalizam o interesse em dar os primeiros passos nessa direção.
Esses exemplos nos fazem perceber que, ao contrário do que acontecia há alguns anos, quando não existiam modelos a serem seguidos nesse campo, atualmente há muitos exemplos de escolas que estão focando em uma gestão mais consciente e integrando os conteúdos relacionados à sustentabilidade em seus cursos e pesquisas. Mas ainda há muito a se fazer nessa área; a transformação está apenas começando.
Se analisarmos de forma geral as grandes universidades no mundo, é fácil perceber um significativo avanço nas disciplinas de cursos como Engenharia e Arquitetura, que já trabalham com certa profundidade as questões de ecodesign, design inclusivo e ecoeficiência. Mas o desafio de conseguir uma substancial alteração no conteúdo e adaptação nas disciplinas tradicionais de negócios (por exemplo, Estratégia, Marketing, Finanças, Recursos Humanos e Operações) ainda encontra-se nos primeiros estágios. O currículo tradicional e fragmentado tem sido muito questionado, pois muitas vezes fornece uma visão parcial e distorcida do mundo dos negócios. Por isso, o desafio é fazer com que o tema da sustentabilidade seja um pano de fundo – e não tratado como especialidade -, semelhante ao que domina o currículo padrão.
Essa mudança de mentalidade, e consequentemente de atitude, requer, antes de tudo, o desenvolvimento intencional dos envolvidos e não apenas um ajuste superficial de curto prazo. Por isso, o que realmente faz a diferença – e esta é a minha conclusão, ditada por valores pessoais – é o esforço colaborativo. Temas de fronteiras e interdisciplinares só serão capazes de sair do nível da abstração se houver um real comprometimento de todas as áreas da instituição. Isso não quer dizer mudar radicalmente as prioridades e as agendas das áreas envolvidas. Mas, sim, buscar a melhor versão que cada especialidade pode oferecer para entender e direcionar os grandes desafios econômicos, ambientais e sociais. E, à medida que cresce a contribuição e o envolvimento com esses desafios, a propensão é que pessoas e instituições ganhem ainda mais motivação para percorrer o caminho da sustentabilidade, alcançando novos desdobramentos, novos conteúdos e novos públicos.
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