Artigo de Marcus Polette, professor e pesquisador Univali (DC, 16/06/2013)
Florianópolis é a maior das ilhas costeiras localizada na região conhecida como Litoral das Escarpas Cristalinas do Sudeste Brasileiro. A diversidade de paisagens litorâneas recortada por praias, lagunas, manguezais, costões e restingas legaram à Ilha um conjunto paisagístico dos mais complexos e diversos. A exuberante Mata Atlântica deste pedacinho de terra, associada aos recortes da costa, tornou esta ilha um lugar ideal e estratégico para o ócio e bem viver ao longo dos últimos 5 mil anos.
Nesta paisagem singular, área de transição climática, sujeita às regulares frentes frias, típicas do clima do tipo Tropical Temperado, o percentual de dias nublados é maior nos meses de verão do que no inverno, o que faz com que as oscilações de temperaturas máximas e mínimas ao longo do ano sejam amenas – ou seja, lugar onde o turismo de sol e praia não é finalidade, e sim um pulso populacional cuja resiliência a cada ano está cada vez mais ameaçada.
Sendo Florianópolis a maior das 30 ilhas e ilhotes que constituem um arquipélago, este abriga um impressionante conjunto de inscrições rupestres, rotas de aves migratórias. Lugar de passeio e de passagem obrigatória de baleias e tainhas. Impossível pensar Florianópolis sem interpretar a sua paisagem natural. Inconsequente planejar o município sem analisar a relação interescalar – o regional e local.
Segundo dados levantados pelo Laboratório de Conservação e Gestão Costeira da Univali, o grau de artifi – cialização do litoral florianopolitano é atualmente preocupante. Considerando as áreas delimitadas a partir da linha de preamar até a faixa de 300 metros de linha de costa, o setor Noroeste/Oeste da Ilha já está 54,5% artificializado, ou seja, teve a perda representativa dos seus ambientes naturais. O setor central e continental já está 46% artificializado, e a costa leste, com exceção da Lagoa da Conceição, felizmente persiste ainda com 82% do litoral em estado natural, ou quase.
O reflexo deste processo de artificialização é também resultado dos pulsos populacionais do veraneio e do acelerado processo especulativo de terra, sem controle, nos bairros da Ilha. A consequência imediata está no relatório de balneabilidade das praias catarinenses da Fatma, para o verão de 2012/2013, com um total de 23 pontos impróprios dos 66 avaliados, ou seja, um inimaginável percentual de impropriedade de 34,84% para um município que comercializa sua paisagem no cenário global.
O resultado do diagnóstico atual é frágil. O futuro ameaçador. Lugar fragmentado por espaços naturais, urbanos, rurais e periféricos. Também lugar continental, historicamente Florianópolis teve seu desenvolvimento espontâneo, politicamente irresponsável e globalmente midiático. Como território, foi e é espaço delimitado por relações de poder. Tratada como lugar qualquer pela oligarquia e por mandos e desmandos de governos inconsequentes, cujas estruturas de planejamento estavam pautadas pela distribuição indiscriminada de cargos comissionados descompromissados e de negociatas perspicazes que acarretaram a escândalos recentes, tais como a Operação Moeda Verde.
Saber qual caminho seguir exige coragem, responsabilidade, determinação e conhecimento. O desafio perpassa a mediação de interesses e trata-se sim de estabelecer um pacto rígido para o futuro. A aplicação de uma acupuntura ambiental e urbana capaz de construir um cenário futuro promissor depende necessariamente da inovação, honestidade, e da criatividade. Estabelecer sim novas formas geográficas e uma estrutura social capaz de transmudar-se para melhor. Onde a ganância ceda espaço para a compaixão; a esperteza sórdida e desmesurada para a seriedade capaz de construir um futuro digno e promissor para todos, e não para alguns. A proteção dos poucos elementos arquitetônicos e históricos deve ser fomentada. Promover uma arquitetura que fuja da aparência, do mundo dos negócios, do repetitivo, e da reprodução sistemática e rápida do capital. A Ilha da Magia merece elementos arquitetônicos inspirados na natureza, e que se concentre na essência da sua beleza – uma arquitetura com arquitetos.
Urge uma administração pública pautada pelo conhecimento das potencialidades da paisagem, do clima, da cultura e do povo que construiu e constrói constantemente este lugar. Urge redescobrir o mar. Entender a Ilha como ilha é questão sine qua non. Resiliência e capacidade de carga associada às potencialidades hídricas são elementos técnicos necessários para discutir qualquer tipo de política pública seja esta urbana ou ambiental. Será que precisamos neste momento de projetos mirabolantes e pouco fundamentados tecnicamente onde índices de aproveitamento, taxas de ocupação e densidades parecem ser elementos apenas especulativos.
A percepção e simplicidade do poeta Zininho no Rancho de Amor à Ilha talvez deva ser tratada com mais seriedade. Nesta pequena peça de amor à Ilha está a base a todos os instrumentos necessários para fazer a Ilha um lugar melhor. Uma ode de como a Ilha deveria ser tratada – apenas como um pedacinho de terra, perdido no mar.
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