Responsável por fiscalizar e aplicar multas em caso de irregularidades, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) virou alvo de desconfiança pela postura assumida diante da atuação da empresa que administra a BR-101 Norte. Isso porque permitiu mudanças no contrato e reajustes de tarifa apesar de saber que a concessionária descumpria o edital.
Em 16 de novembro de 2009, mesmo ano de início da cobrança do pedágio, a ANTT publicou no Diário Oficial da União o que se caracterizaria como o primeiro ato de conivência com a Autopista Litoral Sul (empresa do grupo espanhol OHL, que recentemente teve o controle acionário transferido para Arteris).
A resolução 3.312 autorizou a revisão do que estava previsto no contrato assinado em fevereiro de 2008. Ela permitiu a prorrogação dos prazos de conclusão das obras estabelecidos no edital, que é o documento que serviu de base para que as empresas interessadas na concessão, concorrentes da OHL, apresentassem ofertas no pregão da privatização.
Como punição por ter que alterar as datas, a ANTT recomendou que o preço do pedágio diminuísse em R$ 0,00003. Conforme cálculo do engenheiro e consultor da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) Ricardo Saporiti, esse valor impactaria em cerca de R$ 3,5 mil no orçamento anual da empresa. Uma quantia ínfima se comparada ao lucro que a concessionária teve nesse mesmo ano com os contratos no país. Ao todo, R$ 176 milhões.
— A ANTT mudou todo o edital dois anos depois da licitação. É questionável porque outras empresas participaram da concorrência e fizeram as suas ofertas acreditando que tivessem que cumprir o contrato — observa Saporiti, que tem estudo sobre o trecho privatizado.
A falta de registro de multa gerada em decorrência do descumprimento do edital tem intrigado o Tribunal de Contas da União.
ANTT autorizou reajustes sem que obras estivessem prontas
— O que está acontecendo, com certeza, é a omissão da ANTT. Diante desse quadro, poderão ser penalizados os gestores da agência, pelo fato de não observar o cumprimento dos prazos previstos para que a concessionária faça as obras que deixou de fazer, mesmo cobrando um preço de pedágio que é elevado em relação ao que iniciou lá atrás — diz o presidente do TCU, ministro Augusto Nardes.
Ele se refere aos reajustes que foram autorizados pela agência mesmo sem que algumas das obras previstas no contrato origial tivessem sido concluídas.
A ação judicial que tramita no TCU estabelece que tanto representantes da empresa quanto da agência devem sejam ouvidos. Havia prazo determinado em 90 dias, mas ambas (Autopista e ANTT) ingressaram com recurso – que tem caráter suspensivo do processo até que as justificativas sejam analisadas pelo TCU.
Nas ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a Autopista, a ANTT também está incluída e responde tanto quanto a concessionária sobre o descumprimento do edital.
No meio político, a desconfiança sobre o trabalho da agência que deveria regular o serviço acabou virando pauta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados.
Um dos que mais se interessam pelo tema, o deputado federal e ex-governador de Santa Catarina Esperidião Amin (PP) protocolou requerimento para que seja encaminhado ao ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, pedido de informações sobre o número, com respectivos valores, de multas aplicadas pela ANTT à concessionária desde o início do contrato. O deputado também pede que a agência informe as razões das multas, caso existam, e se foram efetivamente pagas.
— O contrato de privatização da BR-101 Norte tende a desmoralizar o sistema de concessões no país. Esse meu pedido vai confirmar o quanto a agência foi conivente com a má administração de uma das principais rodovias do Estado — acredita Esperidião Amin.
Ele também ingressou na Justiça Federal contra a concessionária e a ANTT. A ação pede que o reajuste do preço do pedágio relacionado a obras não executadas seja imediatamente retirado da tarifa.
Segundo invetigações do TCU e do Ministério Público Federal, em cinco anos de privatização a Autopista Litoral Sul não teria executado nenhuma das principais obras dentro do prazo previsto no edital.
Entre elas, o contorno viário da Grande Florianópilis, que demanda investimento de cerca de R$ 400 milhões e deveria estar concluído em fevereiro de 2012, mas que as obras sequer começaram.
Contraponto
O que diz a ANTT: a reportagem tenta contato com a agência há mais de 30 dias, por e-mail e por telefone. A assessoria de imprensa, mesmo sabendo do que tratava o assunto, nunca respondeu às questões.
O que diz a Autopista: O diretor-superintendente da empresa, Paulo Castro, afirma que a Autopista é penalizada pela ANTT toda vez que descumpre os prazos do edital e que a concessionária é punida na tarifa quando as obras atrasam.
(DC, 02/04/2013)
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