“Em Florianópolis, com quase metade da população no topo da pirâmide de renda, só não há mais iates por falta de marinas, uma das maiores queixas na capital”. A frase é da matéria publicada pelo site oglobo.com na metade de outubro que causou polêmica pela capital catarinense. Apesar da frota de 1.700 lanchas, o problema da falta de marinas está longe de ser uma das maiores reclamações da população florianopolitana.
A quantidade de lanchas representa 0,85% do total da frota de carros da cidade: são mais de 200 mil veículos, além de 40 mil motocicletas, de acordo com o Detran. Já as únicas duas pontes que ligam a ilha ao continente têm um fluxo diário de 178 mil automóveis.
Para o professor e pesquisador de tecnologia de automação em mobilidade urbana, Werner Kraus Jr., Florianópolis tem três grandes gargalos que impedem o fluxo veículos. O primeiro é a impossibilidade de realizar um acordo político de transporte que priorize uma rede integrada. Além disso, ele afirma que “o poder público está em um estado lamentável, e as empresas se beneficiam pela falta de instrumentos regulatórios”. Por fim, a dificuldade da participação popular e a falta de articulação impedem que a sociedade analise e opine sobre os problemas da cidade.
“Uma única ligação entre ilha e continente é apenas um sintoma super agudo dos problemas da cidade. Uma febre de 41 graus em um corpo todo doente”, analisa Kraus. Na visão dele a ideia de Berverly Hills Catarinense é elitista, “quem utiliza o transporte público, ou fica preso nos engarrafamentos, não está preocupado com marinas.”
Foto: Débora KlempousPara tentar resolver os problemas de mobilidade da capital, o engenheiro especialista em geotecnia no Brasil, Roberto Kochen, analisou o projeto do governo catarinense sobre o túnel subaquático. Em debate promovido pela Associação Comercial e Industrial de Florianópolis (ACIF), Kochen reconheceu que um túnel imerso pode ser melhor opção para a travessia ilha-continente. “As condições para ligar a parte insular à parte continental de Florianópolis são muito parecidas com as encontradas em cidades da baixada santista. Por isso, há viabilidade para construção do túnel em Florianópolis, que é uma alternativa mais interessante e pode ter custos mais baixos”.
Florianópolis tem a segunda passagem mais cara de transporte público do país: R$2,90. Perde apenas para São Paulo, onde as pessoas pagam R$3,00. Brasília é cidade mais barata, com um valor de R$1,50 a passagem. Em uma pesquisa feita pelo Instituto Mapa e Grupo RBS em 2011, 4060 pessoas foram ouvidas, e deram a nota média de 5.5 – num total de 10 – para o transporte público em Florianópolis.
Além da questão da mobilidade urbana, outra queixa bastante explorada durante a campanha eleitoral de 2012 é a falta de creches na capital. Segundo a Secretaria da Educação, existem 83 creches em Florianópolis, 11.130 crianças matriculadas e 1.500 na lista de espera. Para este ano, não há projetos para aumentar a capacidade das creches. Apesar de Florianópolis ser a cidade com maior número de pessoas que concluiu o terceiro grau no país, faltam creches para atender a demanda.
Com 27,7% de sua população na classe A, Florianópolis tem a maior proporção de ricos entre as capitais brasileiras. Mas isto não significa que todos moram em luxuosas mansões e têm o poder aquisitivo para comprar uma lancha. O bairro mais nobre da cidade, Jurerê Internacional, está longe de ser um dos mais populosos. O Centro aparece com o maior número de pessoas, são 44 mil moradores. Jurerê não está nem entre os dez primeiros. Realidade essa que se reflete em outras questões.
“Florianópolis é a única capital que, até agora, não contou com qualquer empreendimento do popular programa Minha Casa, Minha Vida”. Esta é outra afirmação que pode ser encontrada na matéria do oglobo.com. Fazendo uma rápida pesquisa no site da Caixa Ecônomica Federal é possível encontrar três empreendimentos em Florianópolis que são contempladas pelo programa: um deles está localizado no bairro Jurerê, que fica ao lado de Jurerê Internacional.
Em apenas uma década, entre 1990 e 2000, a região metropolitana de Florianópolis teve um crescimento populacional de 108%, passando de 503 mil para mais de 1 milhão de habitantes. E esse número não para de aumentar. Um estudo recentemente divulgado pelo programa Habitação da Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que até 2025 a região metropolitana de Florianópolis – que abrange 22 cidades – terá 1,2 milhões de habitantes. E Florianópolis depende constantemente dessas outras cidades: a água que abastece a capital vem de Santo Amaro da Imperatriz; os resíduos sólidos são levados para Biguaçu e grande parte da mão de obra mora em São José e Palhoça.
“Uma série de fatores contribui para que a cidade se transformasse de fato em uma Ilha da Magia”, afirma o repórter do oglobo.com. Realmente a ilha tem sua magia. Mas nem tudo é branco e dourado.
(Cotidiano, 05/11/2012)