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Flanelinhas passam por cima da lei no Centro de Florianópolis

Num ponto próximo à Assembleia e ao Poder Judiciário, na Capital, numa área da Zona Azul, guardadores de carros tomaram conta e transformaram o território em uma zona de ninguém. A poucos passos da Assembleia Legislativa, casa que cria leis estaduais, e do Poder Judiciário, falta respeito a normas municipais.

Todos os dias, a estreita Travessa Syriaco Atherino, que liga a Rua Doutor Álvaro Millen da Silveira à José Costa Moellman, Centro da Capital, fica apinhada de carros dos dois lados. As placas de proibido estacionar, na calçada do Sesc, e as indicações da Zona Azul, na margem oposta, são meros detalhes.

Quem manda são os cuidadores de carros, os flanelinhas. Além da travessa, eles detêm o controle de parte do espaço na Praça Tancredo Neves, com capacidade para cerca de 60 carros. Área pública que deveria ser controlada pela Zona Azul virou zona de ninguém.

O gerente do sistema de trânsito, Ariovaldo Ferreira, reconhece que não arrisca colocar funcionários no local há um ano e meio, devido à falta de segurança.

– Por uma questão de integridade física, nós tivemos de tirar aquela área de atuação. Os flanelinhas ofendem os monitores e até ameaçam com arma. Como a polícia não garante a segurança, saímos – explica Ariovaldo.

Polícia fala que faltam denúncias

O comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar, Araújo Gomes, disse que a segurança é de responsabilidade da Guarda Municipal. Mesmo assim, afirmou que a realidade no local não é ignorada pelo policiamento.

– Já foram inúmeros termos circunstanciados (TCs) na região. Mas qual é a atividade criminosa em pedir dinheiro? O crime seria a extorsão, mas as pessoas que são vítimas não se manifestam, nem acionam a polícia – declarou o comandante.

Guarda diz que fiscaliza

A travessa em questão não tem uma atenção especial da Guarda Municipal, de acordo com o comandante responsável, Ivan Couto.

Ele garante que nunca houve qualquer pedido oficial da Zona Azul para que houvesse um acompanhamento diferenciado na Praça Tancredo Neves.

– A fiscalização é feita como em qualquer outro lugar. A Guarda não se intimida e nunca sofremos qualquer tipo de ameaça. Se a Zona Azul precisa de algum respaldo, nós estamos prontos para prestar este serviço – esclareceu Ivan.

A falta de fiscalização permite que os flanelinhas façam seus próprios acordos com os motoristas. Isso é outro problema, na opinião do gerente Ariovaldo (Zona Azul).

– Se for analisar, eles estão ali porque têm a conivência dos próprios usuários – conclui Ariovaldo.

Mais barato que a Zona Azul

Um monitor do sistema Zona Azul, que pediu para não ser identificado, garante que teve colegas que foram “corridos” do lugar.

– Ninguém trabalha mais lá porque os flanelinhas ameaçam, mostram revólver embaixo da camisa – disse.

Um dos flanelinhas mais experientes entrevistado pela reportagem nega que tenha havido ameaças contra os monitores da Zona Azul e confirmou o que disse Ariovaldo sobre a preferência de quem usa o serviço.

– Eles (Zona Azul) que quiseram sair. Os próprios motoristas querem deixar o carro com a gente. Fica bem mais barato – defendeu o guardador.

Serviço de manobra, baliza e de lavação

São cerca de 10 cuidadores de carro que trabalham no local, todos moradores do Maciço do Morro da Cruz, de acordo com a Polícia Militar.

Alguns atuam ali há 12 anos. Os serviços vão desde simplesmente orientar o motorista na hora da baliza até o de manobrar o carro do cliente até uma vaga. No segundo procedimento, não é raro a chave ficar com o próprio cuidador. Alguns deles também oferecem serviço de lavação, por um preço fixo de R$ 30.

Nos demais trabalhos, o valor é combinado na hora da chegada ou da saída. Nenhum dos três flanelinhas entrevistados pela Hora admitiu haver ameaça contra os motoristas que não deixam “a ajuda”, que varia de poucas moedas a até R$ 10.

– O cliente é quem decide o quanto vai deixar. Quando não tem, a gente entende – disse um deles, que, durante a entrevista de 20min, recebeu três chaves de clientes, sempre em tom amistoso.

Confia no trabalho

Uma comerciante, que é usuária do serviço de guardadores, só deixa seu carro aos cuidados de um dos flanelinhas. Mas, até confiar nele, ela passou por apuros com outros guardadores da Praça Tancredo Neves.

– Um dia eu deixei a chave com um rapaz e, quando voltei, tinha uma multa no para-brisa. Soube depois que usaram meu carro para comprar droga no morro (do Mocotó) – relatou.

Ela preferiu não avisar a polícia, e simplesmente trocou de cuidador de carro. Perigo que o próprio guardador de confiança dela previne.

– Na metade de lá, eu não trabalho. Lá é mais perigoso mesmo – disse o guardador entrevistado pela Hora, mostrando que há mesmo limites definidos entre o grupo de flanelas.

Falta uma regulamentação

Não há qualquer licença para que os flanelinhas atuem na Travessa Syriaco Atherino, assim como no restante da cidade, disse Araújo Gomes, comandante da PM.

A falta de regulamentação dificulta a fiscalização sobre a prática. Neste contexto, as regras e os acordos são estabelecidos na palavra e cada um atua de forma independente. Nenhum dos flanelinhas entrevistados admitiu haver algum superior a quem prestam contas.

Mesmo o mais experiente, que está no local há 12 anos, não tem qualquer domínio sobre os demais. Com o trabalho na travessa, ele comprou casa e carro e sustenta uma família de quatro filhos.

– Tenho orgulho de ser flanelinha. Nosso trabalho é como outro qualquer.

Prefeitura diz que está fora de controle

O superintendente do Instituto de Planejamento Urbano, José Carlos Ferreira Rauen, diz que a situação está fora do controle da prefeitura, e a falta de monitores no local é problema da Zona Azul.

– Dia 31 de dezembro encerra-se o contrato de trabalho, e a Zona Azul está se autoboicotando. A obrigação da Guarda é zelar pelo bem público, mas não tem contingente. Não dá para ter um guarda com cada monitor.

Rauen diz que a questão dos flanelinhas é de ordem social, e não cabe à prefeitura resolver, só amenizar.

– Flanelinha sempre vai existir, porque as pessoas dão dinheiro.

Ariovaldo Ferreira, da Zona Azul, nega autoboicote, mas reitera que falta pessoal e segurança para atuar no local.

(Hora de SC, 07/11/2012)

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