Uma área de restinga arbórea remanescente chama atenção na SC-405, Sul da Ilha, próxima a Polícia Rodoviária Estadual. Parte dela circunda o terreno que pode ter o zoneamento mudado de AMS (Área Mista de Serviço) e (ARE-5) Área Residencial Exclusiva para ARP-0E (Área Residencial Predominante Especial), que admite construções de até quatro pavimentos de interesse social, ou seja, com apoio do programa do Governo Federal Minha Casa Minha Vida. Nem o zoneamento atual, nem o proposto pela alteração, caso seja aprovado na segunda votação prevista para 18 de outubro, protege a vegetação nativa ou o rio que passa dentro do terreno. Ministério Público Estadual investiga supressão irregular naquele local.
A mudança de zoneamento foi solicitada pelo vereador João Aurélio Valente Junior (PP) para área que começa na rodovia, entre uma residência e um rio, e segue para o interior do terreno, contornando o Condomínio Residencial Villagio Campeche (veja o mapa). Uma rua sem nome, sem pavimentação, com sinais de abertura a revelia de qualquer planejamento urbano, dá acesso à outra frente do terreno, que fica atrás de uma cortina de restinga arbórea. Na via, entulhos, lixo e galhos de árvore queimados foram flagrados na última sexta-feira (28/9). Ontem (30/9), a equipe do ND verificou que da metade do terreno em diante, o rio passa a ser canalizado.
O vereador proponente do projeto, que alteraria o Plano Diretor dos Balneários, de 1985, disse, em entrevista na sexta-feira (22), que o encaminhamento não foi motivado por interesse de construtoras, mas sim da comunidade. “Foi um grupo de pessoas, mas não lembro quem eram”, afirmou. Na mesma ocasião, questionado sobre as questões ambientais que motivaram parecer contrário da Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente), alegou não ser papel do legislativo delimitar áreas para construção quando o terreno tem situações restritivas. “Isso não tem nada a ver. Quem vai autorizar a obra e colocar restrições é o executivo.” Procurado pela reportagem na última sexta-feira (29), o vereador não quis se pronunciar.
Ipuf e Floram são contra
Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis) deu parecer contra o projeto de lei complementar. Um dos motivos foi é a denominação pretendida. O“E” pressupõem habitação de interesse social e “aumento significante no índice urbanístico”, diz o parecer técnico instrutivo. Nesse caso, seria necessário projeto urbanístico detalhado que apresente soluções para impacto da urbanização, como demarcação de área verde e área comunitária institucional. Tudo isso foi ignorado.
A Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis) também foi contra, com base na supressão irregular de restinga arbórea, que está sendo investigada pelo Ministério Público Estadual, e a presença de um curso de água natural, que deve ter a margem de 30 metros para cada lado preservadas.
Interesse social?
A Secretaria de Habitação e Saneamento Ambiental se posicionou a favor da mudança de zoneamento no seu parecer técnico, mas fez uma exigência que deixa uma lacuna. Solicitou que pelo menos um terço das unidades habitacionais fosse destinada à população com renda de zero a dez salários mínimos. Orestante da obra, concebida com padrões construtivos específicos – como cômodos menores, entre outras características para viabilizar investimento-, seria comercializado fora do programa de financiamento, que, em tese, justifica a mudança de zoneamento.
Mobilidade e saneamento são pontos fracos
A vizinhança não é contra prédios. “Comprei esse terreno há dez anos para valorizar mesmo”, relatou a funcionária pública Denise Fagundes, 44 anos, que mora ao lado do terreno em questão. Segundo ela, a região não se desenvolveu como ela previa, mas os problemas de infraestrutura já apareceram. “Gostaria que crescesse, mas precisa ter mobilidade”, opinou, tendo em vista os congestionamentos frequentes em dias de semana. Todo o trânsito do Sul da Ilha passa pelo mesmo lugar para acessar o Centro ou Leste da Ilha: a SC-405.
O problema de mobilidade não é único que pode ser agravado com a verticalização daquela região do bairro, que atualmente é estritamente residencial e comercial. Osaneamento é outra questão delicada. O lençol freático é tão alto que Denise precisou construir uma fossa bem rasa. Já tentou abrir buracos mais fundos, mas jorrou água.
O comerciante aposentado José Goulart de Souza, 75 anos, não vê problema em nada disso e aprova a futura construção de prédio no terreno que fica atrás do condomínio onde mora, mesmo admitindo que o ideal seria ter mais infraestrutura viária. “É o aumento da população. Quem segura?”, disse.
Associação quer anular sessão na Justiça
Segundo a vice-presidente da Associação de Moradores do Campeche, Ataíde Silva, a comunidade lutará judicialmente para anular a sessão que aprovou a mudança do zoneamento do terreno. “Essa é uma área de amortecimento, responsável pelo reabastecimento do lençol freático do Campeche, o segundo maior da Ilha. A construção pode por em risco nossos recursos naturais”, afirmou. A decisão dos vereadores vai contra o que está sendo discutido para o novo Plano Diretor. A intenção é que as novas construções não passem de dois andares. Audiência pública para discutir o projeto de lei na Câmara seria dia 3 de agosto, mas foi cancelada.
(ND, 02/10/2012)