“Aqui tem uma argentinada importantíssima”, disse Daniel Angulo, 48 anos, rapidamente e emendando uma palavra a outra, enquanto caminhava de mãos dadas com a mulher, a manezinha da Ilha Estela Oliveira, 37. Assim como o microempresário, dono da tradicional irreverência latina, 1.043 estrangeiros vindos da Argentina moravam em Florianópolis em 2010, segundo publicação inédita do Censo Demográfico 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgada na última quarta-feira. Das 52 nacionalidades que formam o grupo de 3.566 estrangeiros na capital catarinense, são os argentinos que estão em maior número, seguidos de uruguaios (878) e portugueses (291).
A marca dos hermanos está especialmente em Canasvieiras, uma mini Argentina onde placas são escritas em português e espanhol. Lá vivem ou trabalham Daniel, Federico, Nicolas, Walter, Eva, Augustin, Ana, Juan e Diana. Mas por que eles vieram para Floripa? A resposta está na economia e nas belezas naturais da cidade. A imigração foi e tem sido incentivada pelas crises dos últimos anos na Argentina e pelas praias, determinante na hora da escolha onde viver no Brasil. No entanto, o perfil do argentino que vem morar na cidade mudou com o passar dos anos.
Nos anos 1980 e 1990, fixavam residência e investiam aqui. Tornaram-se donos de supermercados, hotéis, restaurantes e casas noturnas, como Juan Pizzanelli, 67, proprietário do Scuna Bar. Ele visitou pela primeira vez a cidade em 1979 e dois anos depois veio para ficar. Na época, comprou apartamentos para alugar. “Não conheço muitos argentinos aqui, mas tenho conhecimento de muitos por aqui (nos anos 1980)”, disse. Em 1992, montou seu negócio, que completa 20 anos este mês.
Diana Lorenzo é outra hermana atraída pelas belezas naturais e expelida pela crise da Argentina em meados de 1980. “A inflação era alta e todo esforço não valia nada”, relatou ela, que se mudou com marido e três filhos pequenos. No princípio, o ganha-pão vinha da venda de arranjos florais feitos em casa e da recepção a turistas, o que mudou em 1992, quando a família pôde legalizar a situação no país. Diana e o marido montaram o restaurante João de Barro.
Canasvieiras, o reduto dos hermanos
Depois dos anos 2000, os argentinos que passaram a morar em Florianópolis são pessoas com capital intelectual alto e/ ou microempresários, segundo o professor de economia da UFSC, Fernando Seabra. Eessas pessoas são facilmente encontradas, mesmo fora da temporada, em Canasvieiras.
Omicroempresário Daniel Angulo veio antes de 2006, quando o visto precisava ser tirado na Argentina. “Fiquei ilegal no Brasil por dez anos”, disse. Omesmo tempo ele contabiliza de legalidade no país: está em Florianópolis há 11 anos.
Morador de Canasvieiras, é sócio em duas empresas de turismo, que traduzem a troca entre seus dois países do coração. ARoteiros Rodoviários vende a Argentina e outros destinos latinos a catarinenses; já a Aquarium Tur trabalha com turismo dentro de Santa Catarina para gringos.
Depois de acordo bilateral, registro facilitou idas e vindas
Atualmente, 34.100 argentinos têm seu RNE(Registro Nacional de Estrangeiro) ativo, o que significa para eles liberdade para ir e vir no Brasil, assim como trabalhar e pagar impostos. Destes, 6.696 fizeram o documento em Florianópolis. Onúmero surpreende, mas tem explicação: a facilidade para ser turista argentino no Brasil é a mesma que ser um morador argentino da capital catarinense depois de 2009, especialmente.
Em 2006, a entrada foi facilitada a partir de um acordo bilateral, que dava visto temporário de dois anos exigindo poucos documentos e cobrando uma taxa simbólica. Depois desse período, o visto poderia se tornar em permanente se o argentino solicitasse, informou Kleber Moratelli, agente da Delegacia da Polícia de Migração da Polícia Federal em Santa Catarina.
Em 2009, um acordo Brasil- Argentina escancarou as portas do país para os hermanos. Era possível pedir visto permanente no primeiro momento, o que dava direito ao RNEdepois de publicado no Diário Oficial da União.
Crise como agente modificador
Federico Vila, 32 anos, sócio de Daniel Angulo, chegou aqui em 2000. “Sentimos a crise e viemos”, conta o jovem empresário, que se mudou para a capital catarinense com a família. Em 2001, estourou a última grande crise na Argentina, que resultou em 20% de desemprego. “Eaqui não falta emprego”, disse Vila.
No verão, quando as viagens pelo Estado são vendidas num esquema boca a boca na rua, os argentinos são os preferidos na hora da contratação para emprego temporário. “Comerciante que não fala espanhol não vende”, disse Angulo, enfatizando que “todos, em Canasvieiras, vivem do turista argentino”.
Os empregos temporários geralmente atraem estudantes. Equando se fala em emprego para o ano inteiro, o Brasil continua sendo o país das oportunidades e mais estabilidade, comparando a instabilidade da economia argentina. Além disso, Florianópolis é a cidade brasileira das mais de 100 praias relativamente próxima da Argentina. “Muitas pessoas que conheço vêm de férias, gostam e acabam ficando”, disse a doutora em economia Eva Yamila da Silva Catela, 38, que vive na capital catarinense há dez anos.
Eva, que é professora na UFSC, está a duas horas (ou 1.700 quilômetros) de Rosário, na província de Santa Fé. Florianópolis é mais próxima de sua cidade natal do que municípios do Sul da Argentina, por exemplo. Sua vida está divida entre os dois países: ela tem uma filha de 9 anos argentina e um filho de 7 brasileiro. “Sou metade argentina e metade brasileira”.
Saudades de casa tratada com cheiro do mar
A Argentina passa novamente por turbulência. Nada se compara à crise dos anos 1980 ou de 2011, mas já tira dos planos de Ana Laura Gonzalez, 27 anos, a volta para casa. Tem saudades da mãe, que lhe visita quando pode, mas resiste porque no Brasil conseguiu emprego que não conquistou na Argentina em período de crescimento.
Em Córdoba, segundo ela, “se não tinha amizade com político não tinha nada”. Formou-se em fisioterapia e em protética dentária na Argentina e no Brasil trabalha como massoterapeuta, cabeleireira e depiladora. “E todo dia, depois do trabalho, mesmo à noite, vou até a praia respirar. Parece que preciso daquele momento”, contou.
(ND, 22/10/2012)