O Instituto de Políticas para Transporte e Desenvolvimento (ITDP, da sigla em inglês), é uma organização que tem como objetivo disseminar soluções de trânsito que ajudem a reduzir a poluição e a pobreza, e a melhorar a qualidade de vida em cidades de todo o planeta. Com foco principalmente nos países em desenvolvimento, o ITDP não só repassa conhecimento técnico para reformulação dos sistemas de transporte, como procura ajudar na formação de políticas públicas e de mobilização por mudanças. Com a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, diversos pesquisadores ligados ao grupo viajaram para o Rio de Janeiro para participar das discussões sobre mobilidade sustentável que aconteceram antes e durante o evento. O Outras Vias procurou Michael Kodransky, gerente de pesquisas urbanas do ITDP que esteve no Rio no começo do mês debatendo o assunto, para ouvi-lo sobre como os conceitos com os quais o grupo o instituto trabalha se aplicam no Brasil.
Mestre em Planejamento Urbano pela Universidade de Nova Iorque, Michael concedeu uma entrevista de quase uma hora, abordando exemplos de mudanças de todo o planeta e falando das perspectivas do Brasil. Em tópicos, confira abaixo os melhores trechos da entrevista especialista que se define como um ciclista e pedestre cotidiano e, não só acompanha e estuda a mobilidade urbana em mundo, mas também, como pesquisador e cidadão, costuma escrever cobrando respeito aos pedestres e cuidado com a vida em Nova Iorque, cidade onde vive (leia artigo em inglês).
Tempo de mudanças
“Com toda atenção que o Brasil e o Rio de Janeiro estão recebendo por conta não só da Rio+20, mas também pela Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, o país tem a oportunidade de construir um legado em termos de mobilidade urbana. As mudanças necessárias são muitas e variadas. A principal talvez seja começar a pensar cidades com mais diversidade no trânsito. Além dos carros, é importante considerar também os pedestres, as pessoas que se deslocam em cadeiras de rodas, as bicicletas, o transporte público. As mudanças não são fáceis e é preciso participação da sociedade civil. As cidades da Europa que hoje são consideradas referência nesta área nem sempre foram assim. Londres era famosa por ser uma cidade lotada, barulhenta, suja. Tudo é parte de um processo. É preciso tornar as cidades agradáveis para que as pessoas possam aproveitá-las. E o Rio tem essa oportunidade. As pessoas deveriam pensar nisso, no legado que querem deixar para as futuras gerações.”
O exemplo de Copenhague
Times Square, em Nova Iorque, após as mudanças. “Quando você observa o caminho, como algumas cidades se transformaram, é possível obter informações úteis. Um exemplo é Copenhague, que virou uma cidade para pessoas. Vale acompanhar os estudos do dinamarquês Jan Gehl, que defende cidades com mais qualidade de vida.
Quadras pequenas podem ser fechadas para pedestres. Existem várias medidas que podem ser adotadas. Em Nova Iorque, entre as mudanças em curso, a prefeitura tem tirado o asfalto das ruas e aberto praças públicas no lugar das avenidas para as pessoas almoçarem. As cidades são o futuro da humanidade. Hoje mais de 50% da população do planeta vive em cidades e mais gente está mudando. As cidades representam os sonhos e esperanças das pessoas e existem por razões econômicas. É muito mais fácil trocar ideias entre pessoas diferentes, juntar recursos e viver em ambientes urbanos. Mas é preciso pensar em como tornar a infraestrutura mais eficiente.”
O exemplo de Detroit
“Estamos vivendo o fim de um ciclo, das cidades formatadas apenas para carros. Quando não se investe em outras formas de transporte, quando a preocupação é apenas ampliar o espaço para estacionamento, construir mais avenidas, a cidade acaba morrendo. Detroit é um exemplo. Os problemas de trânsito foram resolvidos, mas a cidade acabou despovoada. Em Nova Iorque, não é possível construir mais ruas, então começamos a pensar em como ocupar o espaço de maneira mais eficiente. É preciso dar mais opções para as pessoas e desestimular o uso do automóvel. Seja por meio de sistemas de compartilhamento de carros, por meio do estímulo às bicicletas e ao transporte público, seja por meio da taxação de quem causa mais impacto. É preciso tornar mais difícil dirigir, fazer custar mais caro estacionar do que pegar um ônibus. A indústria do automóvel vende essa ideia de que o carro proporciona liberdade, mas, na verdade, todos ficam presos no trânsito e ninguém tem liberdade. Não adianta pensar em ampliar a capacidade das vias. É preciso achar mais soluções, ter visão de longo alcance.”
Estacionamento grátis nas ruas e pedágio urbano
“A prioridade no Brasil é o carro. São Paulo tem uma das regulamentações mais tranquilas do planeta em relação a se estacionar na rua, por exemplo. Permitir que se estacione de graça é um estímulo enorme para o uso do automóvel. E isso tem um custo negativo para toda a sociedade. O motorista que pode estacionar de graça é responsável pelos congestionamentos, pelo barulho, pela poluição, pela falta de segurança no trânsito. Não é justo que ele seja beneficiado. É preciso mudar isso. Se as pessoas tiverem que pagar para estacionar nas ruas, alguns vão decidir não dirigir. E o trânsito vai melhorar para todos. Esta é uma das soluções, mas não a única. Assim como o pedágio urbano, ela deve vir acompanhada de outras mudanças. O dinheiro da arrecadação dos carros pode ser utilizado para melhorias no sistema de transporte público. No Colorado, o pedágio urbano é direcionado para melhorias para pedestres, com investimentos em segurança, luzes, sistemas de ônibus, criação de ciclofaixas. Em Barcelona, as taxas para estacionar vão para o Bicing, o sistema público de compartilhamento de bicicletas. Isso não apenas fez o número de ciclistas aumentar na cidade, mas melhorou a vida de todos. Mais gente está fazendo viagens de curta distância sem dirigir. E isso diminui o impacto no meio ambiente. Existem outros exemplos de sucesso, Cingapura, Londres. Não é ser contra carros. Todo mundo pode precisar dirigir. Seja para transportar um móvel, seja por ter machucado a perna, seja para buscar alguém em algum lugar. Mas dirigir é apenas parte do sistema. E é preciso cobrar pelos impactos provocados por esta opção.”
Redução de IPI para automóveis no Brasil
“A redução de IPI é uma contradição tremenda. Se você perguntar para qualquer um qual o principal desafio para São Paulo, todos vão responder que são os congestionamentos. Reduzindo o IPI, o governo pode até obter melhorias imediatas nos índices econômicos, mas é uma política sem sentido. O que garante bons índices econômicos é eficiência, ajudar que as pessoas consigam chegar onde elas querem. No fim, esta política terá um efeito reverso. O número de carros vai aumentar o trânsito nas cidades vai piorar. Não adianta as pessoas ficarem bem comprando um carro novo, mas travadas nos congestionamentos.”
Tecnologia e transparência
“As mudanças têm que ser pensadas em médio e longo prazo e a participação dos cidadãos é fundamental. As redes sociais, o Twitter, o Facebook, podem ajudar não só a fazer cobranças, mas a espalhar informações. E os governantes devem se preocupar com a transparência, disponibilizar as informações ano a ano, permitindo que todos avaliem os impactos e os caminhos a serem seguidos. É arriscado politicamente, mas é também uma forma de obter um retorno e ajustar ou corrigir rumos. É uma maneira de obter uma melhor performance no governo. Além disso, é preciso trabalhar com projetos-pilotos, fazer experiências. As ruas de lazer em São Paulo são um ótimo exemplo (ruas reservadas para pedestres nos fins de semana, com trânsito de automóveis só permitido para moradores).”
Direito à informação
“A mudança não é fácil em nenhum lugar. Leva tempo para desenvolver uma cultura alternativa de mobilidade se ela não existe. São necessárias campanhas de comunicação para mostrar ao público que as mudanças não são pequenas, mas sim significativas em termos de qualidade do ar, de saúde, de tempo dos deslocamentos. É preciso exibir dados, trabalhar com informação, mostrar quantos são atropelados por carros diariamente e valorizar a vida. Não dá para aceitar a morte como algo natural no trânsito. A morte de uma pessoa já é demais. Estamos falando em melhorar a qualidade de vida de todos. Em melhorar os negócios, já que mais gente vai ser capaz de chegar onde pretende. Sempre há reações. Na instalação das ciclofaixas de Nova Iorque, por exemplo, vários jornais fizeram campanhas falando que elas não eram necessárias, que as pessoas preferiam dirigir e não queriam andar ou pedalar. Mas a maioria da população queria, apesar de não estar representada na imprensa. Então é preciso fazer campanhas de comunicação para expor argumentos. Pressionar os políticos. Mostrar, com dados, como o trânsito pode ser melhorado, mostrar a importância de se pensar em transporte além do fluxo pura e simplesmente. É preciso usar os dados. Mostrar o que existe e o que falta.”
(Projeto CECA, 19/06/2012)