O Direito à Água foi a proposta vencedora da oitava rodada de debates, que definiu as três propostas que serão apresentadas aos Chefes de Estado e de Governo
Cerca de 2 mil membros da sociedade civil presentes à sessão que discutiu os recursos hídricos do planeta escolheram o direito à água como a mais relevante entre as dez propostas levadas à discussão na tarde desta segunda-feira. As demais recomendações a serem levadas aos Chefes de Estado e de Governo são: (i) Assegurar o suprimento de água por meio de proteção da biodiversidade, dos ecossistemas e das fontes de água (a mais votada pelos internautas) e ( ii) Reforçar a importância do planejamento e do gerenciamento integrado de água e energia e uso da terra em todas as escalas, escolhida pelos dez palestrantes convidados.
A esta última proposta, os especialistas convidados acrescentarão itens de outras duas recomendações: (i) a adoção de políticas mais ambiciosas para lidar com as necessidades de água e saneamento de uma forma segura e (ii) a inclusão do elemento cultural como fator crucial na definição de políticas hídricas.
A moderadora Lucia Newman, da Al Jazeera, abriu os trabalhos lembrando que o oxigênio é “a única coisa mais importante que a água para os seres vivos” e que esta em pouco tempo poderá se transformar numa commodity mais valiosa que o petróleo.
A diretora do Fórum Permanente das Nações Unidas de Assuntos Indígenas, a nicaraguense Myrna Cunningham Kaim, disse que a Assembleia Geral da ONU já reconheceu que a água é um direito humano. Porém, ressaltou que apesar desse reconhecimento ainda há lacunas, como alguns casos de políticas discriminatórias e racistas em relação aos recursos hídricos, que restringem o acesso à água à grande maioria da população no mundo.
O presidente da Associação Nacional do Malawi de Pequenos Produtores Rurais, o malawiano Dyborn Chibonga, ressaltou que apenas 10% da população de seu país tem acesso à água. Destacou ainda que a maior parte dos rios não é perene, dependem da estação das chuvas e estão secando cada vez mais rápido. “É necessário adotar uma política de recursos hídricos, de gestão da terra, além de políticas e leis voltadas para esses recursos”, afirmou Chibonga.
O americano Jeff Seabright, vice-presidente de Recursos Hídricos e Ambientais da Coca-Cola, ressaltou que como a água é um recurso finito, o desafio é entender como resolver o problema coletivamente. “As mudanças climáticas já se refletem através dos recursos hídricos. Precisamos de soluções inteligentes e de elevar a água a um padrão mais alto pelo impacto que representa. Se não cuidarmos disso, minará o nosso futuro, pois é um tema que impacta a energia, a agricultura e outras áreas”, acrescentou.
A sueca Ania Grobicki, secretária executiva da Parceria Global da Água (GWP), falou sobre a importância da água e lembrou que hoje já existem cerca de 2600 organizações no mundo todo que se dedicam ao assunto água. Grobicki disse ainda que há três valores importantes que devem ser levados em consideração: oportunidade, integridade e solidariedade. Sobre solidariedade, ressaltou a importância de as pessoas aprenderem a trabalhar juntas. E citou um provérbio sul-africano que diz: “se quer andar rápido, ande sozinho. Se quer chegar longe, ande junto”.
O presidente do Grupo Serviços de Energia da África, o ruandês Albert Butare, levantou uma questão crucial em seu país, a da gestão dos recursos hídricos. “Existem dois mundos, um em que existe água e no qual se pode falar de gerenciamento de água, e outro, de onde venho, onde não posso administrar recursos que não tenho. Temos que ter outro objetivo, além do acesso à água: levar a água para dentro das casas. Para isso, é necessário otimizar as locações de recursos para a infraestrutura”, defendeu Butare.
O fundador da Grameen Bank, Muhammed Yunus, do Bangladesh, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006 pelos esforços na promoção de desenvolvimento econômico e social através de projetos de microcrédito, falou sobre a importância da criação de um novo tipo de negócio para fornecer água potável aos locais mais necessitados. Ele destacou que o tratamento de água e seu processo de purificação não são ciências muito complicadas, e que, portanto, é importante tornar essas tecnologias disponíveis para sociedades pobres.
O canadense David Boys, representante dos Prestadores de Serviços de Água, assinalou que os países ricos negam o direito à água aos países pobres. Criticou também os governos, que, segundo ele, não podem afirmar que cuidam de sua população quando não garantem o seu direito à água. “O governo quer criar apenas um ambiente propício para o mercado resolver o problema. São os cidadãos e os trabalhadores que vão impor ao governo o que precisam”, afirmou.
Santha Sheela Nair, do Ministério do Desenvolvimento Agrário da Índia, destacou a diferença entre oferta e demanda de água hoje, e nos próximas 20 ou 30 anos. Segundo Santha, “a água não deve ser transformada em mercadoria, mas sim ser bem alocada”, apesar de entender que a precificação da água é uma ação importante para gerenciar essa demanda. Santha falou ainda que “o cuidado com recursos hídricos não deve ser apenas uma meta nacional, mas uma responsabilidade internacional”.
O brasileiro Benedito Braga, presidente da Associação Internacional de Recursos Hídricos (IWRA), lamentou que a ciência e a tecnologia não tenham sido consideradas na sessão, lembrando que foi graças aos avanços nessas áreas que as sombrias previsões malthusianas, relativas à incapacidade de o homem produzir alimentos suficientes para a população, não se concretizaram. “O uso mais eficiente da água no setor agrícola (que consome 70% da água) depende da tecnologia”, disse. Braga defendeu também o uso de reservatórios de grande porte para obter-se o uso múltiplo da água e propôs uma ação para defender a governança da água no âmbito das Nações Unidas.
O último palestrante na tarde foi o francês Loïc Fauchon, presidente do Conselho Mundial de Água. “Queremos mais que recomendações, queremos compromisso”, disse, ressaltando que “o tempo de conversar já acabou”. Fauchon disse ainda que é preciso fazer com que os governos nacionais e locais se comprometam, e que não há como haver políticas sobre recursos hídricos enquanto não houver o direito à água.
Estrutura dos Diálogos
Os Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável iniciaram-se no dia 16 e se estendem até o dia 19 de junho na plenária do Pavilhão 5 do Riocentro. São dez rodadas de discussão, com dez debatedores cada uma, que abordarão temas prioritários da agenda internacional de sustentabilidade. A cada rodada, três propostas serão escolhidas, uma pelos debatedores, uma pelos participantes da sessão e uma pelos internautas. As trinta sugestões mais votadas serão levadas diretamente aos Chefes de Estado e de Governo presentes na Rio+20.
São dez os temas dos Diálogos: (i) Desemprego, trabalho decente e migrações; (ii) Desenvolvimento Sustentável como resposta às crises econômicas e financeiras; (iii) Desenvolvimento Sustentável para o combate à pobreza; (iv) Economia do Desenvolvimento Sustentável, incluindo padrões sustentáveis de produção e consumo; (v) Florestas; (vi) Segurança alimentar e nutricional; (vii) Energia sustentável para todos; (viii) Água; (ix) Cidades sustentáveis e inovação; e (x) Oceanos. Todos os debates são transmitidos ao vivo no website das Nações Unidas: http://www.uncsd2012.org.
[Por Assessoria de imprensa Rio+20, 19/06/2012]