A ascensão das classes C e D permite a compra das passagens com desconto ou parceladas
Evolução do número de passageiros no aeroporto e na rodoviária – Arte Rogério Moreira Jr/ND
Quando tinha a idade do filho Luís Guilherme, de 1 ano e dois meses, a dona de casa pernambucana Tiaralla Araújo, 23, nunca tinha visto um avião de perto. A oportunidade de viajar pelos ares não passava de um sonho. O alto preço das passagens sempre distanciou a dona de casa desta possibilidade. Entretanto, depois de pesquisar as famosas tarifas promocionais, no dia 23 de maio ela e a cunhada, Jaqueline dos Santos, 19, embarcaram com os filhos de Petrolina (PE) com destino a cidade de Jacinto Machado, no pé da serra, no sul catarinense.
A parada da família foi no Aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis, de onde viajaram de carro até o destino. Casos de pessoas que puderam voar pela primeira vez como Tiaralla e Jaqueline são cada vez mais comuns. O reflexo desse aumento de passageiros nos aeroportos provocou um fato impensável até alguns anos atrás: o Hercílio Luz está com mais movimento de passageiros do que o Terminal Rita Maria, em Florianópolis.
No ano passado, 2.899.226 passageiros usaram o aeroporto da Capital, enquanto 2.882.127 passaram pela rodoviária. Esta inversão poderia ser esperada, tendo como base as estatísticas dos últimos três anos. Em 2012, os números serão consolidados. De janeiro a abril, o aeroporto Hercílio Luz recebeu 1.218.202 passageiros. A pesquisa feita no Rita Maria abrange de janeiro até 12 de maio. Com isso, a rodoviária está com 9.286 usuários, em média, por dia, enquanto o Hercílio Luz contabilizar 10.067 passageiros/dia.
A opção pelo avião é óbvia e quase injusta com os terminais rodoviários. O preço em conta – há companhias aéreas que fazem promoções com passagens vendidas a R$ 1 – unido ao tempo reduzido da viagem fazem brilhar os olhos de qualquer viajante. Uma viagem de São Paulo a Florianópolis é feita em 55 minutos pelos ares. Pelas rodovias, pode chegar a 12 horas.
Sensação de voar
Prestes a embarcar novamente para Petrolina (PE), a dona de casa Tiaralla Araújo, 23, a cunhada Jaqueline dos Santos, 19, e os filhos Luís Guilherme e Maria Isabela, ambos de um ano, estavam ansiosos. “É muito mais prático. As viagens que fiz até hoje haviam sido de carro”, contou Tiaralla, apenas receosa com o incômodo no ouvido, sentido pela pressão da decolagem. Mas o desconforto físico não deve limitar a família a uma única viagem. “Vamos aproveitar o preço mais em conta para conhecer mais o Brasil”, afirmou.
O músico Eduardo Conti Macedo, 33, viaja de avião desde os 19 e não pensa duas vezes quando o assunto é trocar o terminal rodoviário pelo aeroporto. “Imagine viajar por 12 horas nessas estradas ruins e com criança chorando?”, comparou Macedo que nem mesmo se importa em pagar um pouco a mais para ter o conforto e a agilidade do avião.
Quando o jeito é ir de ônibus
Com o travesseiro lilás nos braços, a estudante de cursinho pré-vestibular, Taís Coelho de Souza, 17, aguardava com o namorado, o estudante Nicolas Willich Klick, 18, a partida dos ônibus para a cidade de Joaçaba, no meio-oeste catarinense. Serão quase dez horas de viagem. Mas antes de entrar no ônibus, eles precisam esperar em cadeiras de plástico alaranjadas, do Rita Maria sem nenhum conforto. “É muito desconfortável e cansativo, mas não tem outra opção”, pontuou Tais, justificando a necessidade do travesseiro.
Estudante de química, Douglas Dalsenter, 18, optou por uma companhia de viagens que oferece serviço diferenciado. Ele pode esperar os minutos antes do ônibus para Joinville em uma sala especial, climatizada, com Internet gratuita e serviço de café. Porém, o conforto não convenceria o estudante a trocar o ônibus pelo avião em uma viagem mais longa. “Se eu fosse para São Paulo, por exemplo, não iria de ônibus”, contou.
Como receber o novo perfil de viajantes
Antes das tarifas promocionais e do parcelamento das passagens de avião em até 10 vezes, era raro encontrar passageiros de avião de classes mais baixas, como a C e D, percorrendo os aeroportos com suas bagagens. Com a chegada desses novos passageiros, a Infraero (Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária) precisou se preparar de maneira diferente. Nos aeroportos são distribuídos panfletos com um guia para os estreantes nas aeronaves. A ideia é tirar dúvidas simples, como “o que levar nas malas”, “como despachar as bagagens” e os itens proibidos e liberados.
Além de ser distribuído, o Guia do Passageiro também pode ser acessado pela Internet. No ano passado, o aplicativo para smartphones com o guia foi o mais baixado entre os programas governamentais.
A Gol Linhas Aéreas não divulga o número de passageiros em rotas específicas, entretanto, confirma um número de 10% do total de clientes que nunca haviam voado antes. Segundo dados da companhia, desde que começou a operar, em 2001, houve uma aproximação com a classe C. Uma das estratégias foi oportunizar o pagamento de passagens em até 36 vezes. A empresa ainda realiza pesquisas para descobrir os hábitos, gostos e desejos dos consumidores no que se refere às viagens.
Para incentivar a compra por consumidores da classe C e D, a empresa oferece lojas nas capitais Rio de Janeiro e São Paulo onde há uma identidade visual diferenciada com itens que remetem aos aeroportos e à viagem, como poltronas e uma parede em terceira dimensão que simula um avião.
Terminais precisam de improviso
Não há qualquer conforto nos bancos de espera do Terminal Rita Maria, em Florianópolis. Para piorar a situação, em dias de chuva aparecem as goteiras. Esses fatores fazem com que os viajantes desapareçam. O gerente do Terminal, Waldir Konell, admite as deficiências do Rita Maria, entretanto, diz que pouco pode fazer para tornar o local mais agradável e consequentemente atrair mais passageiros. “Tudo depende de licitação, não posso simplesmente colocar uma placa de aluga-se para que novas lojas apareçam”, justificou.
As empresas também tem se movimentado para manter os clientes. A Catarinense, que oferece linhas nos estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo, inaugurou no Rita Maria uma nova área vip, destinada a seus passageiros. Além disso, o coordenador de marketing da empresa, Vanderlei Strapazzon, afirmou que mesmo nas linhas longas na empresa não tem perdido significativamente para as empresas aéreas. “Conseguimos captar os clientes principalmente entre aqueles que não planejam suas viagens com antecedência. O preço mais em conta dos ônibus ainda é atrativo”, garantiu.
Outra vantagem pensada pela empresa é a possibilidade de compra pela Internet e também parcelar a viagem. “Desde que lançamos essa opção, há quatro meses, nossas vendas pela web cresceram 28%”, enumerou. A aposta na Internet para manter e conquistar clientes, já que boa parte das vendas das companhias aéreas também é feita pela rede. Nos próximos meses a Catarinense deve divulgar um aplicativo para que o consumidor possa pesquisar os horários de viagem pretendidos.
Entre as linhas da empresa mais procuradas estão as do interior do Estado, regiões onde não há atendimento aéreo.
(ND, 10/06/2012)