Parlamentartes catarinenses retomaram negociação com Ministério do Meio Ambiente
A região da Ilha do Arvoredo, entre Florianópolis e Bombinhas, chega aos 22 anos com a categoria de Reserva Biológica (Rebio) Marinha cercada por água e polêmicas.
Desde quando a área equivalente a cerca de 16 mil campos de futebol foi oficializada como reserva, no dia 12 de março de 1990, especialistas, políticos e outros representantes da comunidade dividem opiniões sobre qual seria a titulação correta. A dúvida fica entre duas classificações — estipuladas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade — do grupo de proteção integral das unidades de conservação: Parque Nacional ou Reserva Biológica Marinha.
A reserva determina a preservação total dos recursos naturais, com a proibição da visitação pública, salvo exceções como pesquisa e educação ambiental. O parque nacional permitiria a realização de atividades de recreação, educacionais e de turismo ecológicos. Em ambos os casos, pesca e construções ficam proibidas e qualquer intervenção deve considerar a manutenção dos ecossistemas.
Propostas para fazer da reserva um parque nacional já foram oficializadas em projetos de lei que tramitaram na Câmara dos Deputados desde a década de 1990. A discussão ganhou novo fôlego no final do mês passado, quando parlamentares catarinenses retomaram a ideia em conversas com o Ministério do Meio Ambiente e com o ICMBio. Apesar de o órgão ambiental de Brasília ter aprovado o encaminhamento e estabelecido uma reunião com o conselho consultivo da atual Rebio, um consenso parece mais distante do que os 35 quilômetros que separam a Ilha da Capital.
Consenso parece distante
Analistas ambientais da Estação Ecológica de Carijós do ICMBio — responsáveis pela fiscalização da área —, pedem uma normatização que garantisse a diversidade de espécies e uma avaliação minuciosa dos impactos que a visitação pública poderia ter, caso houvesse a transformação de titulação.
De acordo com pesquisadores da Universidade Federal (UFSC), ainda não haveria um diagnóstico de todas as espécies da reserva, mas trabalhos sinalizaram que não se trata apenas de um cenário de um colorido que os olhos custam a crer. A região conteria tipos de insetos, de algas e formações de corais raras, além de abrigar e ser rota de passagem de espécies ameaçadas de extinção.
Diante de tanta riqueza natural, para um conjunto de especialistas, ter duas únicas reservas de conservação exclusivamente marinha é um privilégio. Foi, inclusive, pela proximidade com a Rebio Biológica do Arvoredo e de outras duas unidades de conservação — a Área de Proteção Ambiental de Anhatomirim e a Estação Ecológica de Carijós — que o ICMbio da região sul disse “não” à instalação do Estaleiro OSX em Biguaçu, em 2010.
Impulso para o turismo
Em outra direção estão as operadoras de mergulho e um grupo especialistas e políticos miram no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, em Pernambuco, para convencer a mudança. Eles defendem que abrir a região da Ilha do Arvoredo para mergulho contemplativo e até para trilhas pode aproximar a população da natureza, além de dar um impulso ao turismo no litoral catarinense.
Enquanto isso, poucos são os autorizados — e privilegiados — a chegar na área protegida pelo título de reserva e pelos cerca de 25 quilômetros, de um mar nem sempre tranquilo, que a separam da costa.
:: DIFERENÇAS
Reserva Biológica
— Visa à preservação integral dos recursos naturais, sem a interferência humana direta ou modificações ambientais.
— São permitidas medidas necessárias para a recuperação do equilíbrio natural e da diversidade de espécies.
— A visitação é proibida, exceto as de caráter educacional e de pesquisa com a autorização do ICMBio.
— A maior parte das reservas encontra-se na porção terrestre.
As únicas duas reservas com conservação exclusivamente marinha no país são a Rebio Atol das Rocas, no Rio Grande do Norte, com 36,2 mil hectares, e a Rebio Marinha do Arvoredo, com 17,6 mil hectares, no litoral catarinense.
Parque Nacional
— Os parques são o tipo de unidade mais antigo e mais popular no país.
— Possibilitam a pesquisa científica e a realização de atividades de recreação e turismos ecológico.
— O manejo do parques leva em consideração os ecossistemas de cada localidade.
— O mergulho de contemplação e a visitação são permitidos com base no plano de manejo de cada local.
— A pesca é proibida.
— Entre os exemplos de Parques Nacionais Marinhos estão Fernando de Noronha, com 11,3 mil hectares e o Parque Nacional Marinho de Abrolhos, com 68,9 mil hectares. Em Fernando de Noronha, a entrada de visitantes pode ser feita até por trilhas, e é controlada pelo Ibama.
(Gabrielle Bittelbrun, DC, 10/03/2012)
Confira vantagens e desvantagens em transformar a Reserva da Ilha do Arvoredo em Parque Nacional
A discussão sobre a transformação da Reserva Biológica Marinha da Ilha do Arvoredo em Parque Nacional — proposta apresentada recentemente por parlamentares catarinenses ao Ministério do Meio Ambiente — levanta questionamentos e gera discussões entre comunidade, especialistas e políticos.
Desvantagens
— Não há um estudo detalhado dos impactos da presença humana na área, que poderia determinar quais zonas poderiam ter visitação sem ameaçar os ecossistemas. Também não foi feito um levantamento de todas as espécies da Rebio Marinha do Arvoredo. Corre-se o risco inclusive, de espécies desaparecerem sem terem sido nomeadas.
— Há formações como o banco de corais e de algas calcárias. A interação desses bancos com os outros animais, em relações de abrigo e alimentares estão em estudo e podem ser os únicos no mundo. Caso não se estabeleça ao menos uma norma para essas regiões, as formações frágeis poderiam ser destruídas com uma simples batida de nadadeira de um mergulhador inexperiente
— São muitos os pontos com restrições biológicas, por abrigarem animais ameaçados de extinção ou que podem ser endêmicos — existindo apenas na região. Além disso, o acesso à maior parte terrestre é difícil, com muitas rochas e inclinações. Por essas limitações na maior parte da reserva, pesquisadores colocam em cheque se a mudança de categoria compensaria.
— Haveria impactos na reserva principalmente por uma atividade praticada no verão, quando a água no litoral do Estado é mais quente e mais atrativa aos visitantes
— Pelo tipo de espécies que transitam pela região, a visão de um mergulhador em uma nova área teria pouca diferença, comparando-se com aquela que já se tem no Lado Sul, onde o mergulho contemplativo já é permitido.
Vantagens
— As operadoras de mergulho poderiam auxiliar na fiscalização do parque, inibindo a captura ilegal de espécies
— Conhecendo o parque, os visitantes ficariam sensibilizados com as belezas da região e perceberiam a importância de preservar os recursos naturais
— O parque garantiria ações de educação ambiental na área o que hoje, não acontece
— Os próprios mergulhadores e as operadoras do serviço contribuiriam para a retirada de lixo da região, como embalagens plásticas que chegam com a corrente. Por prestarem serviços na área, as operadoras poderiam dar também uma contrapartida em ações sociais, oferecendo o mergulho para estudantes de baixa renda, por exemplo
— Os valores arrecadados para a visitação no parque poderiam ajudar na manutenção e fiscalização
— Historicamente, o mergulho na região foi sempre explorado. O parque seria o último grande ponto de mergulho do sul do país, atraindo mais turistas de todo o Brasil e da América Latina.
A visão dos mergulhadores
De acordo com o presidente da Associação de Escolas e Operadoras de Mergulho do Estado de SC, Julio Cesar Silva, o parque faria com que a comunidade participasse mais da preservação do entorno do Arvoredo. Julio destaca que há bons exemplos de parques, como os do Caribe e o de Fernando de Noronha, em Pernambuco.
A visão dos pescadores
O presidente da Colônia de Pescadores de Bombinhas, Adolar Serafim, destaca que os pescadores que atuavam na região nunca foram considerados antes da titulação da área. Ele conta que dezenas de profissionais que viviam da pesca perderam o “ganha pão” quando a reserva foi oficializada. Para ele, privilegiar o setor turístico agora significa que os órgãos ambientais teriam “dois pesos e duas medidas”.
A visão dos pesquisadores
Não há um consenso entre os estudiosos. O professor de ecologia e zoologia da UFSC, Alberto Lindner, pede para que, caso haja a mudança para parque, sejam levados em conta a capacidade de suporte de visitante das áreas da reserva e medidas para que as embarcações não ancorem em determinados trechos. Ele considera que a maneira mais fácil para garantir a preservação das espécies é a categoria de reserva.
Para o biólogo da Universidade Federal, Maurício Graitel, com uma fiscalização continuada, seria possível ter um parque que tivesse impactos mínimos para as espécies. O biólogo acredita nos efeitos positivos da visitação, como a conscientização ambiental.
A visão de especialistas
O coordenador técnico do atual Plano de Manejo da Rebio Marinha do Arvoredo, José Olympio da Silva Júnior, ressalta que a categoria poderia ser mantida. Ele defende, porém, que deveriam existir atividades de lazer com o foco educativo, como já está previsto no plano em vigor, mas não acontece. André Freyesleben Ferreira, que foi o autor da proposta que deu origem à lei da reserva, em 1990, defende a categoria de parque. Ele conta que já tinha sugerido essa titulação na época, pelo visual da região e pelo incentivo que poderia dar para o turismo, mas foi contestado pelos órgãos ambientais.
Em Fernando de Noronha
— O Parque de Fernando de Noronha existe desde 1988. Visitantes que fazem mergulho ou passeios de barco têm que pagar para o ICMBio uma taxa de R$ 66, válida por 10 dias. O sistema está em mudança e, daqui a cerca de quatro meses, a taxa deverá ser cobrada no aeroporto. Além da taxa do órgão ambiental, o governo de Pernambuco cobra R$ 42 por pessoa por dia na Ilha, para investimentos na administração
— Atualmente, o parque conta com lanchonete, banheiros e pontos com lixeira
— Entre as atividades no parque, estão cerca de 25 quilômetros de trilhas e 28 pontos de mergulho
— O parque tem áreas com acesso proibido para a manutenção das espécies, como a Baía de Golfinhos, restrita à reprodução da espécie
— 22 funcionários do ICMBio fiscalizam a área de 11 mil hectares.
(Gabrielle Bittelbrun, DC, 10/03/2012)
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