Imponente entre as baías de Florianópolis, a ponte Hercílio Luz parece agonizar esperando respostas concretas sobre seu futuro. Desde a primeira interdição, em 1982, já se passaram 30 anos, nove governadores, mas poucas ações. Especialistas alertam que, se nada for feito, Florianópolis poderá acordar um dia sem a vista de seu principal cartão-postal. A urgência do apelo sempre esbarra no discurso governista de que faltam verbas para completar a restauração, que começou em 1997. No próximo dia 13 de maio a ponte completa 86 anos de fundação.
Na tarde desta terça (15), a esperança sobre o destino do monumento de ferro se renova mais uma vez. A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, se reúne com o Cnic (Conselho Nacional de Incentivo à Cultura) e autoridades catarinenses para avaliar o projeto de restauração da ponte Hercílio Luz. O governo quer autorização para a captação de R$ 77 milhões por meio da Lei Rouanet (Lei 8313/91). O encontro será às 15h, no Hotel Blue Tree, em Florianópolis.
A verba seria suficiente para garantir a etapa chamada “Ponte Segura”: conclusão da estrutura de sustentação provisória e recuperação do vão central. O professor de engenharia Roberto de Oliveira, PhD em Engenharia Civil, garantiu que esta é a fase mais importante. “O primeiro passo é garantir que a ponte não caia. É impossível adiar esta decisão sob o risco de a ponte sofrer um colapso e cair”, afirmou. Segundo o professor, o salvamento da ponte garantiria que ela fosse facilmente adaptável ao sistema de transporte da Capital. “Se aprovada a Lei Rouanet, nós, sociedade civil, temos que fiscalizar e cobrar que o governo aplique o dinheiro”, completou.
Em fevereiro, quando a ponte Fort Steuben Bridge, nos EUA, foi implodida, levantou-se a hipótese se a Hercílio Luz teria o mesmo destino. “A Hercílio Luz está enraizada culturalmente na cidade. A ponte americana tinha metade do tamanho da Hercílio Luz, e foi demolida por questões econômicas”, rebateu o professor.
Nem tudo foi investimento
Números divulgados recentemente dão conta que já foram gastos em torno de R$ 135 milhões desde a interdição da ponte em 1982. Nessa conta entra também o dinheiro empregado na conservação e na manutenção, que não fazia parte das obras de recuperação. O engenheiro Honorato Tomelin, que acompanha o drama da ponte Hercílio Luz desde sua primeira interdição, acredita que é possível recuperar a gigante. “É a melhor solução em curto prazo para o problema do trânsito em Florianópolis”, declarou.
Tomelin preparou um relatório com estudos técnicos e econômicos sobre a história da Hercílio Luz desde a sua construção até os dias atuais. O documento mostra que entre 1926 e 1960 não foram feitos investimento de manutenção na estrutura da ponte. Entre 1960 e 2005, o governo gastou cerca de R$ 81 milhões em conservação e manutenção. Os investimentos efetivos na recuperação só começaram a partir de 2006. Desde então, o Estado desembolsou cerca de 54 milhões.
No ano passado, o governo do Estado investiu R$ 6,1 milhões na recuperação da ponte, cerca de R$ 500 mil por mês. O valor é comparável ao investimento empregado na construção de um prédio simples de 15 andares. Valdir Cobalchini, secretário de Infraestrutura, alegou que o governo não tem como arcar com os custos da obra. “A Lei Rouanet é a única forma que encontramos de captar recursos necessários para a recuperação da ponte”, declarou. Cobalchini preside a Comissão Permanente de Acompanhamento das Obras da Hercílio Luz, criada no ano passado. Desde a sua criação, a comissão ainda não se reuniu.
Alguns projetos, mas a burocracia impera
O projeto de restauração completo da ponte Hercílio Luz está orçado em R$ 170 milhões. Além da Lei Rouanet, o governo aposta em outras fontes. Neste ano, o governo federal aprovou a emenda da bancada catarinense no senado de R$ 15 milhões para investir nas obras de recuperação da ponte. A verba ainda precisa de liberação no Ministério do Turismo. Outro projeto prevê a captação de mais R$ 15 milhões junto à Secretaria de Estado da Fazenda.
Para o presidente da Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa, Valdir Comin (PP), a ponte já esteve mais perto de cair. “Já estivemos mais distante de recuperá-la. A gora é uma questão de vontade política”, afirmou o deputado. Comin ressaltou que, além da mobilidade que permeia a recuperação da ponte Hercílio Luz, não se pode esquecer que “está em discussão o futuro do monumento da cidade, tombado como patrimônio histórico e artístico”.
Carlos Alberto Kita Xavir, presidente do Crea-SC (Conselho Regional de Engenharia) disse que “a utilização de barras de olhais em ponte pênsil é hoje patrimônio histórico da engenharia mundial. A nossa ponte Hercílio Luz deve ser, não só recuperada, como reabilitada”, afirmou, comparando com a Torre Eiffel, a Ponte de Brooklin e o Cristo Redentor.
Gleison Lemos, engenheiro do Consórcio Florianópolis Monumento, que executa as obras na ponte, não quis opinar sobre os entraves burocráticos que acabam tornando o processo mais lento. “Se tudo correr dentro da normalidade, o processo de salvamento da ponte será concluído dentro de um ano”, disse. Após a conclusão da fase do projeto chamada “Ponte Segura”, a ponte poderia ser devolvida ao público até setembro de 2014.
De única ligação para a solução no trânsito
Entre 1926 e 1975, a ponte Hercílio Luz reinou majestosa como a única ligação entre a Ilha e o Continente. De cidade provinciana e pacata, com 28.000 habitantes, a Capital se transformou em metrópole. Ganhou mais duas pontes (Colombo Salles-1975 e Pedro Ivo Campos-1990). O crescimento culminou nos conhecidos problemas de mobilidade, que, atualmente, têm ligações diretas com a recuperação e integração da Hercílio Luz ao sistema de transporte da cidade. Por enquanto, pela velha ponte ninguém entra e ninguém sai.
Se a ministra Ana de Hollanda der sinal positivo, na tarde de hoje (15), para a captação dos recursos, dependerá apenas do governo do Estado obter o dinheiro e executar a obra. O pedido de R$ 77 milhões será o maior já concedido pelo MinC (Ministério da Cultura). O maior projeto aprovado até então foi R$ 50 milhões para a restauração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
O presidente do Deinfra (Departamento de Infraestrutura) garantiu que o Estado já busca maneiras de captar os recursos. “Já firmamos diálogo com algumas empresas, mas nada é certo”, declarou. As empresas (incentivadores) que apoiarem o projeto poderão ter o total ou parte do valor desembolsado deduzido do Imposto de Renda devido, dentro dos percentuais permitidos pela legislação tributária. Para empresas, até 4% do imposto devido; para pessoas físicas, até 6%.
Suportaria 25% do tráfego
Quando foi inaugurada a ponte Colombo Salles (1975), a ponte Hercílio Luz suportava um tráfego de 45 mil veículos por dia. Agora, com 16 metros de largura, duas pistas, passarelas, ciclovias e pistas para motos, sua capacidade seria equivalente a 50 mil veículos/dia, mais do que 25% do tráfego hoje suportado pelas pontes Colombo Salles e Pedro Ivo Campos.
Etapas da Lei Rouanet:
Aprovação: O MinC analisa a proposta do governo e o enquadramento da proposta nos termos da lei. O caso da ponte Hercílio Luz se enquadraria no art 1º, parágrafo VI: preservar os bens materiais e imateriais do patrimônio cultural e histórico brasileiro.
Captação: Com a liberação da verba do MinC, é hora de buscar junto às empresas (públicas/privadas) e pessoas físicas os recursos necessários para investir na obra. Os incentivadores que apoiarem o projeto poderão ter, o total ou parte do valor desembolsado, deduzido do imposto de renda devido, dentro dos percentuais permitidos pela legislação. Para empresas, até 4% do imposto devido; para pessoas físicas, até 6% do imposto devido.
Execução. A captação dos recursos deve ser concluída até 30 de novembro de 2012, podendo ser prorrogada por até dois anos. A aplicação do dinheiro é acompanhada e avaliada pelo MinC e deverá acontecer dentro do prazo de validade previsto no projeto original aprovado.
(Fábio Bispo, ND, 15/03/2012)
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