Se o cronograma do Contorno Viário de Florianópolis, fosse cumprido como o plano original, nesta terça-feira o trânsito na BR-101 entre Biguaçu e Palhoça estaria menos conturbado. O Tribunal de Contas da União (TCU) cobra da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) e da Autopista Litoral Sul explicações sobre a prorrogação do prazo de fevereiro de 2012 para 2015. Também contesta a redução em 23 quilômetros da extensão do anel. O período para os esclarecimentos do processo vencia nesta terça-feira, mas o TCU concedeu mais 15 dias.
Após as informações serem entregues ao tribunal, o relator Marcos Bemquerer apresentará sua proposta de voto na reunião de pleno dos ministros. A data do pleito ainda não foi marcada.
A auditoria foi iniciada na metade do ano passado, após o deputado federal Esperidião Amin pedir a atuação do TCU. Técnicos do órgão em Santa Catarina analisaram o contrato para conferir possíveis irregularidades, que vão além da redução do contorno, como compensações financeiras indevidas à concessionária, do Grupo OHL, e na falta de execução de obras obrigatórias. Conforme o relatório, as possíveis irregularidades teriam acarretado um desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em desfavor dos usuários de R$ 800 milhões.
Para esclarecer os apontamentos dos técnicos do TCU, em novembro os ministros solicitaram mais informações à empresa e à agência. A resposta ainda não foi encaminhada.
Polêmica no traçado
A ANTT ainda não encaminhou a resposta e a autopista informou que já prestou esclarecimentos em janeiro e aguarda a decisão. Nos últimos anúncios à imprensa ambas alegam que o traçado maior é de um projeto antigo do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (Dner — atual Dnit) de 1998.
O anterior de 47 quilômetros de extensão previa um contorno entre o km 175, em Biguaçu, até o 222, próximo à praça de pedágio em Palhoça. Já o modificado é entre os kms 196 e 220. Quase a metade da extensão. Sobre o prazo, a ANTT já havia divulgado que autorizou a prorrogação para readequação do projeto. Mas o TCU investiga se a agência agiu para beneficiar à empresa.
Em entrevista ao Diário Catarinense, em agosto do ano passado, o relator do processo, Marcos Bemquerer Costa, afirmou que pretendia acelerar o processo. Ele disse que, em princípio, parecia que violava o contrato em benefício da concessionária e que o pleno do TCU poderia determinar a construção do traçado original. Mas tudo dependeria das respostas da ANTT.
Enquanto a decisão não sai, os motoristas continuam pagando o pedágio com os reajustes anuais, mesmo sem as obras concluídas. Na semana passada, a tarifa aumentou em 7,14%. Os automóveis, por exemplo, passaram a pagar de R$ 1,40 para R$ 1,50.
Promessa não cumprida
Além de adiar para 2015 a conclusão do Contorno Viário de Florianópolis, a ANTT não conseguirá cumprir a promessa feita aos prefeitos da Grande Florianópolis: começar a obra em março deste ano. Isso porque o licenciamento ambiental está na fase inicial de autorização, o que pode prejudicar até mesmo o novo prazo.
Em setembro do ano passado, lideranças da região estiveram em Brasília para cobrar agilidade e o projeto original. Na reunião, a ANTT afirmou que a construção do projeto mais curto, entre os quilômetros 196 e 220, começaria no primeiro trimestre. O que, na prática, será impossível.
O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) informou que o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) foi entregue pela Autopista Litoral Sul. Mas para conceder a licença prévia, a entidade precisa receber a certificação de que os órgãos públicos receberam cópias do material. Em seguida é aberto prazo de 45 dias para consulta pública e marcada as audiências. Depois vem a fase de análise, ao qual o Ibama aprova ou pede complementação. Então, a empresa tem que apresentar o plano básico ambiental para receber a licença de instalação, que autoriza o início das obras.
Questionada se teria como adiantar as desapropriações do trecho onde passará o contorno, a concessionária informou que: “a liberação das áreas ocorrerá após a emissão da licença de instalação, em conformidade com as leis vigentes”.
O mais curioso é que evitar atrasos no licenciamento ambiental foi a alegação da ANTT para não optar em fazer diretamente o traçado original, depois que lideranças catarinenses foram exigir a obra completa em novembro do ano passado. No período, a ANTT anunciou que faria primeiramente o trecho mais curto para acelerar o começo da obra. Seria assinado um termo aditivo com a empresa, que faria um outro projeto, que contemplasse os 23 quilômetros restantes, e encaminhado à análise do Ibama.
A ANTT foi procurada para explicar como está o andamento da segunda etapa, mas não respondeu até o fechamento da edição. Já a autopista garantiu que responderia esse questionamento à imprensa na terça-feira. No fim do ano passado, a empresa afirmou que o traçado complementar influenciaria no valor do pedágio por não estar previsto no contrato.
Mas o TCU não concorda. Por meio da assessoria de imprensa, o tribunal afirmou que solicitou informações à ANTT sobre a intenção de fazer a obra em duas etapas. E ressaltou: “de acordo com as análises feitas até o momento pelo TCU, o custo de execução total dos 47 quilômetros já estaria previsto no preço calculado (dentro do primeiro projeto)”.
A novela do contorno
— Por causa dos constantes engarrafamentos na BR-101, na Grande Florianópolis, em 1998 Dner (atual Dnit) cria projeto de contorno viário entre o km 175 e km 222. O anel é importante por retirar o tráfego pesado e de longa distância da área urbana da BR-101, que recebe o fluxo local.
— O contorno deveria ficar pronto em 2002, com a duplicação da BR-101 Norte, mas ficou para a Autopista Litoral Sul.
— A autopista assumiu os 2,6 mil quilômetros da BR-101 Norte em 2008. Pelo contrato, o contorno deveria ficar pronto em 2012.
— Em 2010, decisão da ANTT em prorrogar o prazo de construção do anel de 2012 para 2015 é divulgada. Pelas exigências da ANTT, o trecho deverá ter duas faixas nos dois sentidos e cortará as cidades de Biguaçu, Palhoça e São José.
— No primeiro semestre de 2011, a autopista apresentou a proposta de ampliar o trecho da BR-101, entre Biguaçu e Palhoça, antes de fazer o contorno viário. A proposta foi rechaçada nas audiências públicas. O TCU começa a investigar o contrato de concessão entre a ANTT e autopista.
— No segundo semestre de 2011, prefeitos, deputados e empresários participam de reuniões na ANTT, em Brasília. Em dezembro de 2011, ANTT promete fazer o contorno viário em duas etapas. Primeiro o projeto atual, entre os kms 196 e 220 e depois os 23 quilômetros restantes.
— Em novembro de 2011, o TCU avalia relatório da auditoria feita pelos técnicos da entidade e decide pedir esclarecimentos a ANTT e autopista sobre o contrato de concessão da via. O tribunal questiona a legalidade do encurtamento do contorno, aumento do prazo, entre outras possíveis irregularidades.
— Nesta terça-feira vencia o prazo para ANTT e autopista prestar esclarecimentos, mas a agência pediu 15 dias de prorrogação para se manifestar.
(Roberta Kremer, DC, 27/02/2012)
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