Aos 35 anos, Gustavo Kuerten atravessa uma fase de plenitude na vida. A vasta cabeleira e as roupas coloridas ficaram para trás. Não é raro vê-lo de terno e gravata. O maior tenista da história do Brasil atingiu a maturidade. O tricampeão de Roland Garros vive feliz. Está eufórico com a chegada da filha, orgulhoso pela atuação de mais de uma década do IGK (o instituto que leva seu nome) junto a comunidades carentes e realizando projetos de inclusão social pelo esporte. Pilota o Projeto Olímpico de Tênis Rio-2016 e curte a indicação para o Hall da Fama do tênis – uma honraria destinada aos grandes.
Amanhã, vai estar especialmente gratificado com o início da terceira edição da Semana GK.
Mas o filho de dona Alice está preocupado com Florianópolis, cidade que tanto ama e que projetou ao mundo. Nesta entrevista ao DC, o maior embaixador de Floripa admite até a possibilidade de deixar a cidade se a situação não melhorar. E diz que Florianópolis está jogada “ao léu”
Diário Catarinense – Como está a Semana Guga Kuerten?
Gustavo Kuerten – Este é o terceiro ano, e, desde a primeira edição, ela (a Semana GK) amadureceu bastante. Hoje está quase em um formato final. Todas as atividades estão bem detalhadas, chegamos ao nível ITF (Federação Internacional de Tênis) de competição internacional para a garotada de 18 anos. Vêm jogadores do mundo todo. Tem o torneio Cosat para os atletas de 12 a 16 anos, contando pontos para o ranking sul-americano. São 650 inscritos de 19 países, quase cem garotos na faixa de seis a 10 anos. Vai ter o Larri Passos e o João Zwetsch dando clínica, eu envolvido numa exibição (com o espanhol Carlos Moya). Nós vamos propiciar aos jogadores toda a infraestrutura. Criamos uma semana para poder potencializar o torneio juvenil, que é o nosso foco principal.
DC – Como nasceu a ideia?
Guga – No primeiro ano, a gente fez um molde do que achava que era preciso para o tênis. Um torneio infantojuvenil consistente, para ter um calibre de competição legal. Aí embutimos o meu jogo, que traz esta atração diferenciada. Uma sensação importante para a garotada ter esta experiência. A observação do jogo de dois ex-profissionais. E foram surgindo outras necessidades. Este ano vamos iniciar um torneio profissional de cadeirantes, com premiação em dinheiro. Tem diversas clínicas práticas. A gente não faz só a palestra. O menino entra em quadra e começa a fazer exercícios para melhorar. Nisso o treinador está observando. Este ano vai ser o João Zwetsch, o técnico da Copa Davis. Ele dá dicas para o garoto melhorar o seu rendimento. O minitênis, que, pela expertise do instituto, de cara a gente emplacou, que é levar o tênis para diversos lugares.
DC – Qual o importância da Semana GK para o esporte?
Guga – Para quem está relacionado ao tênis é de extremo valor. Normalmente, quando termina a Semana, tem cem pais querendo levar o filho para jogar na escolinha (do Guga, na Astel) é um monte de gente ligando. Porque é o primeiro contato, difícil de ter no esporte. Na Semana vem toda a minha trajetória embutida. Isto é importante, é preciso perenizar para poder continuar. Não dá para deixar estas coisas de lado. Sou a favor de cultivar a nossa memória, como a gente faz no futebol.
DC – E o nível técnico do torneio infantojuvenil, como está?
Guga – Este ano vai ter pelo menos dois dos 10 melhores juvenis do mundo jogando aqui, o Thiago Monteiro e o João Sorgi. O garoto de 12, 13 anos que vem para competir, e estou falando dos melhores do país, poder ver um brasileiro que é um dos melhores do mundo, é outra coisa. Lembro da primeira experiência que tive no torneio Banco Econômico (extinto campeonato infantojuvenil), em Salvador. Jogavam o Bocão (Marcus Vinicius, semifinalista da chave juvenil de Roland Garros), o Kiriakos (William), o Saliola (Marcelo), aquilo era inesquecível. Eles já se tornaram uma referência para mim. Não é só o Borg (Bjorn), o profissional lá na frente, já tem uma referência aqui. E juvenil. A competição já começou a ficar emblemática, a Bia (Maia) também vai jogar os 18 anos. Além dos estrangeiros que vêm este ano; tem atleta até do Uzbequistão.
DC – E a preparação para o duelo com o Carlos Moya?
Guga – As informações mais detalhadas do meu treinamento eu não posso fornecer…(risos), tem a internet aí… Do Carlos Moya, eu sei que ele está em plena forma: ganhou os dois torneios de que participou no Circuito Master.
DC – Como são os treinos?
Guga – Tenho treinado bem. Surpreendente até. Eu brinquei com a turma que hoje a minha condição física, pelo fato de jogar menos, é muito melhor do que na época que eu ainda estava jogando, naquele final que eu estava me arrastando e o corpo recebia muita exigência e já não tinha mais condições.
DC – E o duelo, o que você projeta?
Guga – Hoje eu dou aquela esticadinha no jogo (risos), só dá para dar um gostinho. É uma situação muito boa, me faz bem. Para as pessoas e para o esporte é fundamental, porque ainda tem relevância e complementa este grande espaço no tênis brasileiro, que ainda é refém da minha figura, da minha participação.
DC – Como foi a tua participação na novela da Globo?
Guga – Eu resumiria em meteórica…(risos), é o cometa Halley (mais risos). Eu sempre me divirto. A condicional era contextualizar uma participação minha na novela, eu sempre fui muito arredio, ficava fugindo. Tinha que ter um sentido. E não existia um sentido mais óbvio do que uma conotação de tênis dentro da novela.
DC – E a fase nova, se preparando para receber a filha? Vocês já escolheram o nome?
Guga – Ela vai nascer em fevereiro e eu sou muito do momento. Nome não sei, os padrinhos volta e meia a gente pensa, mas eu jogo com a barriga para frente (risos), para dar uma enrolada. Está muito bacana de curtir as novidades. Começou a mexer, a dar chute, isto é alucinante. Eu brinco que ela já está treinando lá dentro, batendo paredão (mais risos). Procuro mirar no simples, fazer a coisa fácil. Mas também sou marinheiro de primeira viagem. O Gui (o irmão Guilherme, portador de necessidades especiais, que morreu em 2007) me deu embasamento para isto: já sei trocar fralda, dar comida, ele fez eu aprender precocemente tudo isto.
DC – O fato de ter na família casos de portadores de necessidades especiais, como irmão e sobrinhos, de alguma forma influiu na tua vontade de ter filhos?
Guga – Não, até mesmo porque essa experiência, se eu passar por isso, acho que ela é muito mais enriquecedora do que dificultosa. Se acontecer, vai ser mais ganho do que dificuldade. Eu sei na pele o quanto é difícil, tem um comprometimento enorme do pai. Eu percebi comigo, com a minha mãe, com o meu irmão, principalmente na perda; a dependência é ao contrário, é nossa. Tem o preconceito em cima do estranho e que é natural. Ao mesmo, tempo não passa pela cabeça, mas se tiver que pensar um pouco mais aprofundado, se for assim, não vai mudar nada, e se mudar a gente consegue enxergar ainda por um lado que seja mais desafiador, positivo, gratificante. Não chega a interferir no dia a dia.
DC – Você tem alguma ambição política?
Guga – De cargo, não, mas a ambição política é condicional há algum tempo. Quando eu estava disputando o circuito, com vinte e poucos anos, não tinha a maturidade que tenho hoje. Eu preciso agir politicamente. Todos nós precisamos, ou a gente deixa como está, que é o que vem acontecendo. O Instituto Guga Kuerten tem fundamentos para defender, são 11 anos de ações sociais com o instituto. Remamos o suficiente para ser um diferencial em Florianópolis nas ações que a gente faz. Nós trabalhamos no Morro do Itacorubi, no Saco Grande, duas das maiores complexidades em termos de tráfico, de violência, aqui de Florianópolis. Convivo com isto no dia a dia, eu percebo, olho a minha cidade, vejo que Floripa está ao léu. Procuro me preocupar mais com o que estou convivendo, é difícil dizer o que está acontecendo, é superfrustrante. Um cargo é muito limitador para mim.
DC – Como um cargo político pode ser limitador para você?
Guga – É como faço no tênis: um cargo limita àquela instância. Nosso papel político (do IGK) hoje é contribuir com a educação, as crianças, a cidade, as pessoas, o meu Estado. Então não tem um limite. Se eu for governador de Santa Catarina tem um grau de restrição. Acho que a minha figura é mais provocativa, tem uma abrangência que eu posso ir mais além. É difícil saber a forma mais adequada de utilizar isto. Mas nós pensamos muito a respeito, não só no quesito violência, mas de planejamento, de projeção para a nossa cidade. Como está indo hoje aqui, para mim, é desesperador. Daqui a cinco anos eu não sei se eu vou estar morando aqui em Floripa. A diferença da minha vida de hoje da de há dez anos, do bem estar, do salutar que é viver aqui em Floripa já perdi muito. É preocupante. Preciso me mobilizar também, preciso estar envolvido, se isso é alarmante e eu não quero que aconteça.
DC – Como é a atuação do Instituto Guga Kuerten?
Guga – A gente faz projetos menores, mas com o princípio de ouvir mais as pessoas, de saber o que é necessário de acordo com a comunidade. Não com imposição, por sentar com 10 pessoas e instituir. Florianópolis dá decepções no âmbito político muito emblemáticas. A gente vê no setor imobiliário, em instâncias públicas, de corrupção, principalmente. Não posso ver o poder público com um foro para me beneficiar, o poder público tem que ser parceiro, e não sugar tudo o que for possível. Essa situação de desgosto levou as pessoas boas a se afastarem. Quem quer contribuir logo pensa: “Ah, política eu não estou a fim”. E a chance de cair (o poder) nas mãos de quem queira se aproveitar é muito grande.
DC – Como esta situação pode ser mudada?
Guga – A gente tem que pensar com mais afinco para Florianópolis. Nós assistimos a situações vergonhosas, de invenção de aposentadoria na Assembleia, casos (de corrupção) no Ibama. Corrupção com vereadores. É em todos os âmbitos. E vai para a área da saúde, a escolar, é o meio que está corrompido. Não existe hoje uma evidência de que isto vai melhorar. Torço muito e estou disposto a contribuir. Hoje está muito fácil ludibriar as pessoas. De manipular o sistema. Se continuar assim, nos próximos cinco anos eu não me vejo mais morando aqui, e olha que eu tenho todas as influências, a cultura, os amigos, sou enraizado na cidade. Sou mais feliz aqui em Floripa. Mas, me desculpe, correr algum risco ou a minha família, ou não ter o bem-estar, prejudicar a minha vida por estar morando aqui, eu vou procurar uma situação mais favorável.
(Por Olavo Moraes, DC, 04/10/2011)