De acordo com levantamento feito pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), 7,4% dos deslocamentos em área urbana são feitos de bicicleta, num total de 15 milhões de viagens diárias no Brasil. Esse já é o transporte individual mais utilizado no país – mas poderia ser ainda muito melhor aproveitado.
A temática estimou a execução da pesquisa “O Desenvolvimento e a Inserção da Bicicleta na Política de Mobilidade Urbana Brasileira” junto ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC. A autora, a médica Giselle Xavier, foi orientada pelo professor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) Luiz Fernando Scheibe, e contou com a presença, durante a defesa de tese, do secretário do Ministério das Cidades João Alencar Oliveira Junior.
Giselle levantou e analisou publicações técnicas e científicas, textos publicados por instituições governamentais, leis e projetos de lei federais, decretos referentes à mobilidade urbana, pesquisou sites de entidades nacionais e internacionais. Além disso, obteve o depoimento de representantes dos setores governamental, técnico (público e privado), da indústria, comércio e da sociedade civil em relação à temática da inserção da mobilidade por bicicleta na política nacional.
A professora destaca que um Plano de Mobilidade deve levar em consideração o cidadão que precisa do transporte público para viagens curtas, importantes para a economia interna de uma região e para diminuir a pressão sobre o sistema de transportes. Ressalta também que é fundamental a atuação do governo, estimulando o desenvolvimento de políticas que sustentem o uso da bicicleta como transporte público de qualidade.
Desprezo
O reconhecimento do veículo como meio de transporte surgiu na década de 70 por intermédio do Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (Geipot), contextualiza Giselle. Segundo ela, o desprezo do poder público pela bicicleta como opção de transporte é anterior a essa data.“O cicloativismo luta, há mais de três décadas, para que o setor se torne mais sustentável econômico e socialmente com o uso de bicicletas pela população”, defende a participante do movimento Ciclobrasil, originado na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
No entanto, critica, apesar de ser um agravante à questão ambiental, o setor de transportes ficou em segundo plano nas iniciativas da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em 1992. Somente em 2009 foi criada a Parceria das Nações Unidas para o Transporte Sustentável de Baixa Emissão de Carbono, como preparação à COP15 – a15ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Além da sustentabilidade ambiental estimulada pelo uso da bicicleta, o estudo interdisciplinar desenvolvido pela pesquisadora, formada em Medicina pela UFSC, aborda aspectos econômicos, de bem-estar e de saúde decorrentes do uso da bicicleta como transporte.“Ainda que o discurso eco-socialista tenha se tornado bastante comum na atualidade, o ideal predominante na luta pelo deslocamento por bicicleta e pela construção das vias ainda é o do capital-expansionista”, critica Giselle. Essa realidade comprova a cultura de uso dos carros e pode impedir avanços na Mobilidade Urbana Sustentável. “As cidades foram pensadas para uso majoritariamente de carros e isso é um erro”, reforça o orientador do trabalho, Luiz Fernando Scheibe.
Giselle comemora que atualmente tramita no Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara PLC 166/2010, instituído em 5 de agosto do mesmo ano. A proposta prevê diretrizes à Política Nacional de Mobilidade Urbana e está pronta para a pauta na comissão, segundo o site de acompanhamento dos projetos da Câmara. No entanto, na visão da médica, o discurso da bicicleta como transporte por vezes assemelha-se a uma utopia. “Muito se trabalha pela conscientização, mas a falta de recurso alocado para a execução dos projetos atrapalha muito essa realidade”.
Ganhos individuais e coletivos
Para Giselle, a utilização da bicicleta, associada aos modos de transporte coletivos e ao andar a pé, representa uma solução de mobilidade que pode ser sustentada pela sociedade em termos ambientais no seu sentido mais amplo. Traz ganhos em saúde individual e coletiva (pela atividade física, redução da emissão de poluentes e menores gastos em saúde pública); menos ruído e melhor uso do espaço público (redução de congestionamento, maior circulação, mais espaço nas vias e nos estacionamentos e, consequentemente, menores gastos públicos com infraestrutura para o setor transporte) e maior economia para as famílias.
Partindo dessa análise, a tese desenvolvida por Giselle formula propostas para a inclusão da bicicleta no transporte urbano: redes conectadas, zonas com limite de velocidade fixado em 30 quilômetros por hora, bicicletários e paraciclos espalhados pela cidade, prioridade nos semáforos e intersecções para as bicicletas, integração com transporte coletivo, além de uma conscientização desde a época escolar.
Durante a defesa da tese, João Alencar Oliveira Junior, representante da Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana (SeMob), ligada ao Ministério das Cidades, salientou que sustentabilidade ambiental é um direito social garantido pela Constituição. “O Brasil é um dos poucos países a trazer de forma patente o assunto na Carta Magna, o que é também uma oportunidade de se incluir a mobilidade urbana”, frisou.
Com a pesquisa e o exemplo de países como Dinamarca e Holanda, Giselle conclui que a inserção da bicicleta na política de mobilidade urbana não é utopia inalcançável. Metade dos deslocamentos dos moradores de Copenhague, na Dinamarca, já é feita às pedaladas. Após décadas de política públicas que mudaram a mentalidade e os hábitos da capital dinamarquesa, hoje a cidade enfrenta um “problema” inusitado: os congestionamentos sobre duas rodas, comemorado pelo governo e população.
No Brasil, um avanço pode vir do Programa Bicicleta Brasil (PBB), que teve um projeto de lei aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Urbano no início de agosto. A lei propõe que 15% do valor arrecadado em multas de trânsito sejam destinados ao financiamento do Programa, que visa atender municípios com mais de 20 mil habitantes. De acordo com a proposta, o programa integra a Política Nacional da Mobilidade Urbana e deverá ser coordenado pelo órgão federal responsável por essa política – atualmente a SeMob.
A meta é instalar bicicletários públicos, ciclovias e ciclofaixas em estados e municípios do Brasil. Serão também realizadas campanhas para a divulgação dos benefícios do uso da bicicleta como meio de transporte econômico, saudável e ambientalmente adequado.
(Por Gabriele Duarte, Agecom, 14/09/2011)
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