Todos os anos a cena se repete. Milhares de tainhas migram da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, em direção ao norte, em busca de águas mais quentes para se reproduzirem. De acordo com dados do Grupo de Estudos Pesqueiros (GEP) da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), na última década, a média das safras de tainha em Santa Catarina foi de três mil toneladas – a maior do país. Entre maio e julho, o pescado enche as bancas das peixarias, os supermercados, os cardápios dos restaurantes e a barriga dos consumidores. Porém, a carne não é a parte mais valorizada. A ova da tainha, considerada uma iguaria em várias partes do mundo, é muito procurada e, no trajeto entre o pescador e o consumidor final, pode valorizar-se em até mais de 1000%. Congelada, é exportada a US$ 30 o quilo. Já a bottarga, que é a ova desidratada, semelhante ao caviar e mais valorizada, abastece o mercado brasileiro e tem três apresentações – granulada, ralada ou inteira. No supermercado, o tipo “inteira” custa R$ 746,70 o quilo.
Ela se parece com uma bolsa comprida e amarela, de aproximadamente 30 centímetros, e vêm sempre em pares. O peso varia de 100 a 400 gramas e, apesar do preço, não espanta a clientela. O valor pago depende do caminho que o produto faz. Pode começar em menos de R$ 10 o quilo, crua, com o pescador artesanal, e chegar a R$ 74,70 por 100 gramas de bottarga.
João Andrade, 45, é pescador artesanal na Barra da Lagoa, em Florianópolis, e exerce o ofício desde os 20 anos. Ele vende as tainhas misturadas, fêmeas e machos, com e sem ovas, a R$ 4,50 o quilo para um atravessador, que as revende com um acréscimo no valor. No Mercado Público de Florianópolis, o preço do quilo chega a dobrar: a tainha sem ovas custa R$ 6; com as ovas, R$ 10. As ovas também são comercializadas separadamente, a R$ 35 o quilo.
Ivo da Silva, presidente da Federação dos Pescadores de Santa Catarina, orgulha-se da pesca artesanal da tainha, diz que é “a mais social do Brasil”. Silva conta que o arrastão reúne a comunidade para assistir e permite que as pessoas comprem direto do pescador, a um preço bem mais baixo que o das peixarias. “É só dessa forma que muitas pessoas com padrão de vida mais humilde podem comer as ovas”, explica.
Nas peixarias ela é vendida crua, e os clientes fazem toda a preparação em casa. A receita é simples. Cozinhá-la na água para ficar consistente e depois fritar. Ao abrir as bolsinhas, têm-se algo parecido com uma farofa, com um gosto bem característico. A ova da tainha frita está no cardápio do Bar do Goiano, restaurante mais antigo do Mercado Público. O prato traz um par de ovas, alimenta duas pessoas e custa R$ 20. Considerando que o ingrediente é comprado em grandes quantidades, seu custo fica reduzido. Soma-se ao preço final apenas o preparo, bastante simples. O resto é lucro.
O restaurante Ostradamus, localizado no Ribeirão da Ilha, compra as ovas de tainha dos pescadores locais a R$ 40 o quilo, o que equivale a quatro pares, em média. O cardápio traz três refeições com a iguaria, que aqui têm o preço mais elevado. A tainha assada recheada com as ovas custa R$ 85; o patê de ovas defumadas, R$ 30; a tradicional ova frita pode ser pedida também grelhada ou assada, ao gosto do cliente, e custa R$ 70. “O restaurante serve estes pratos apenas durante a temporada. Depois os pedidos cessam instantaneamente”, salienta Jaime Barcelos, proprietário. De acordo com ele, nesta época do ano, quando o produto está em evidência, a saída é grande. Por semana, são 80 quilos de tainha, e até 20 quilos de ovas.
Porém, os maiores clientes do produto são os mercados europeus e asiáticos. A Caviar Brasil, de Itajaí, exportou quase 20% de toda a ova pescada no estado em 2010. Das 250 toneladas totais, 45 passaram pela empresa. Destes, 43 toneladas foram exportadas congeladas para, principalmente, o sul da Itália, Taiwan e Espanha. Há um ano e três meses a empresa também produz a bottarga, mas a maior parte das ovas ainda é exportada congelada, pois, apesar de o preparo ser similar em todas essas regiões, cada receita tem uma peculiaridade.
O diretor comercial da empresa, Bernardo Fuck, justifica o preço: “ela está entre os 10 itens de luxo da gastronomia internacional”. Ao ano, a Ásia consome duas mil toneladas de bottarga, e a Itália, sozinha, entre 400 a 500 toneladas, pelos dados da Caviar.
Para Fuck, a diferença entre a bottarga feita industrialmente pela empresa e a que é feita em casa é o padrão de qualidade. A produção da ova artesanal obedece a um processo de secagem sob o sol, durante cinco a sete dias. O produto final pode ser afetado pelas variações climáticas. A bottarga feita industrialmente é desidratada em um ambiente controlado e leva menos tempo para ficar pronta, de três a cinco dias. Sem sofrer com intempéries, há um padrão no sabor e aparência. No entanto, Ivo da Silva, presidente da Federação dos Pescadores, defende o produto caseiro: “É a mesma coisa que comprar roupa em uma loja de grife ou em uma costureira. A blusa pode ser a mesma, mas você vai pagar mais caro na primeira pelo nome e pelo processo que ela passa”.
(Por Giovanni Bello, Ingrid Fagundez, Cotidiano, 29/06/2011)