Nos Ingleses, ponteiras irregulares e ligações clandestinas afetam o manancial. Já no Campeche, o problema está na construção de imóveis
As duas mais importantes reservas naturais de água limpa de Florianópolis estão ameaçadas pela contaminação humana. Os aquíferos dos Ingleses e Campeche, Norte e Sul da Ilha, são ricas fontes de água potáveis. O manacial dos Ingleses é responsável pelo abastecimento de 90% de todo o Norte da Ilha. Porém, ligações clandestinas e a falta de uma estação de tratamento de esgoto ameaçam um dos mais importantes mananciais da Capital. Ponteiras instaladas em casas e comércios retiram água do lençol freático sem qualquer controle.
No Norte, a Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento) utiliza 350 litros por segundo de vazão para o abastecimento de 44 mil unidades consumidoras. A recarga do aquífero é feita de forma natural, pela água da chuva. Construções irregulares sobre as dunas formam barreiras que impedem a completa absorção da água da chuva, contribuindo para a diminuição do volume do aquífero.
O problema de abastecimento no Norte da Ilha se evidencia durante as temporadas, quando a população local se multiplica. O aquífero dos Ingleses é a única fonte de água disponível na região. Segundo a Casan, o plano B seria a construção de um sistema para trazer água do rio Tijucas, a mais de 40 quilômetros.
Para o líder comunitário Paulo Henrique Spinelli, as constantes faltas de água, principalmente no verão, faz com que 90% dos moradores retirem água do aquífero com ponteiras para garantir o abastecimento. “A maior fonte de renda daqui são os aluguéis para temporada. Por isso, é preciso garantir que não falte aos turistas”, observa. “Todo o esgoto está sendo jogado no aquífero. Não há fiscalização e não temos alternativa de buscar água de outro local”, diz Spinelli.
Das dificuldades surgem soluções
Na parte mais alta dos Ingleses, onde a vista é bela, a falta água. Ao fim da rua Graciliano Manoel Gomes, a aposentada Maria Augusta Pereira e mais 11 familiares que moram no mesmo terreno tiveram que se adaptar. “Como moramos no alto, a água da Casan não chegava em duas ruas daqui”, lembra. Por conta disso, a casa de Maria Augusta é toda adaptada para aproveitar a água da chuva. Um sistema canaliza a água para todo o funcionamento da casa. “Quando não chovia, tinha que descer e buscar água em tonéis”, lembra. No ano passado, o sistema de abastecimento da Casan chegou até as ruas Graciliano Manoel Gomes e Pico da Neblina.
No Hotel Praiatur, o gerente Renato Magnus confirma que o hotel tira a água por um poço artesiano. A mesma situação ocorre no outro hotel da rede. De acordo com o gerente, o hotel tem um sistema que trata 96% do esgoto liberado.
“Se não tiver ponteira, a gente está morto”, exagera o proprietário de uma pousada nos Ingleses. “A água da Casan é laranja, esta poluída. Temos uma ponteira com 32 metros de profundidade. Todos os hotéis daqui usam ponteira”, continua Lourival João Gomes Junior.
Riscos de contaminação
A especialista do departamento de Geociência da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Gerusa Duarte alerta para a retirada excessiva de água, alÉm da capacidade permitida. “O problema são as inúmeras ponteiras retirando água sem tratamento”, observa. Outro problema são as construções irregulares. “As dunas são espaços naturais para a recarga. As construções sobre as dunas impedem esta absorção da chuva”, salienta. A falta de uma estação de tratamento do esgoto também e outro agravante que contribui para a contaminação do aquífero e do mar. “Fizeram uma estação de tratamento que não abrange toda a população. A qualidade final dos rejeitos estaria com 60% dos poluentes. Agora querem colocar um emissário, que será despejado no mar. Isso é um absurdo. O mar não é lixeira”.
O gerente de autorga e fiscalização da Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável, Carlos Alberto Rockenbach, ressalta que as ponteiras no Norte da Ilha não são irregulares. “Não dá para dizer que é irregular se a Casan não pode suprir toda a demanda”, observa. Segundo ele, não se tem conhecimento da capacidade do aquífero e secretaria trabalha para dimensionar a situação. “Estamos preocupados com os riscos de poluição e, nos próximos quatro meses, estaremos cadastrando todos os usuários”, observa.
A urbanização no Campeche
O aquífero do Campeche se estende do manguezal de Ratones à praia da Armação. Tem a sua qualidade ameaçada pela urbanização desenfreada. De acordo com geólogo e professor da UFSC Luiz Fernando Scheibe, um estudo feito na década de 1990, por Sergio Freitas Borges, apontou contaminação por nitrato (substância presente na urina do homem). “É mais complicado tratar o nitrato do que os coliformes fecais, que são filtrados na areia”, observa o geólogo.
Diferente do aquífero dos Ingleses, no Campeche o manancial é mais superficial. Com isso, torna-se sensível a escavações mais profundas de novos empreendimentos, que têm contribuído para a impermebializalção do solo. “Com a diminuição do volume de água, o nível do lençol diminui, o que pode se misturar com a água salgada do mar”, explica Scheibe. De acordo com o geólogo, após a contaminação seriam necessárias centenas de anos para a recuperação.
Com a falta de uma rede de tratamento de esgoto, ligações clandestinas que despejam esgoto no solo e na rede pluvial também contribuem para a contaminação. A associação de moradores contabilizou mais de 300 ligações clandestinas, que foram lacradas.
Após denúncias de moradores, que apontavam irregularidades na construção de novos empreendimentos, a Fatma (Fundação do Meio Ambiente) fiscalizou e determinou ajustes nas construções onde foram constatadas irregularidades. “O lençol freático será algo a ser considerado nas exigências da Fatma”, explica o gerente de licenciamento de recursos hídricos da fundação, Flávio Victoria.
A diretoria de Recursos Hídricos também estauda os dois aquíferos para saber a capacidade e a profundidade. O relatório deve ficar pronto em 12 meses.
Restinga e dunas protegem aquifero
Ao caminhar pela área de restinga, próxima as dunas do Campeche, é possível perceber um solo com vários pontos de alagamento. O presidente da Associação de Moradores do Campeche, Ataíde Silva, observa que as APPs (Área de Preservação Permanente) são importantes para manutenção do lençol freático. Silva conta que há 60 anos, as mulheres da região lavavam roupa nas fontes que brotavam da terra. A aposentada Ana Honorata Vigganigo, 82 anos, lembra com saudade deste tempo: “A gente lavava a roupa ali. Água era limpinha”, aponta ela.
Casan quer ampliar a rede
De acordo com a Casan, tanto o Campeche quanto o Norte da Ilha não são abastecidos com um sistema de coleta e tratamento de esgoto. No Norte, a estação de tratamento construída em 2008 esta paralisada. O engenheiro da Casan Fabio Krieger explica que o licenciamento para a construção do emissário não foi liberado e está em estudo de impacto ambiental. “A estação deve ser readequada e passar de tratamento primário – que trata 40% de esgoto – para secundário, que reduz em mais de 90% as impurezas”, informa.
O emissário seria lançado em mar aberto. Segundo Krieger, a licença ambiental da Fatma deve ser liberada este ano. A expectativa é que a conclusão do emissário fique pronta entre 2014 e 2015. O coordenador regional da Casan, Carlos Alberto Coutinho, explica que, no Campeche, o sistema de tratamento de esgoto está em implantação. “Está se avaliando o processo mais viável. Ou o lançamento seria feito no rio Tavares ou por um emissário submarino no Campeche”.
Projetos
A Casan pretende ampliar o abastecimento do Norte da Ilha, interligando o sistema do Centro, abastecido pela estação do morro dos Quadros, em Santo Amaro da Imperatriz. As obras da ampliação da bacia do Itacorubi devem começar em 2012. Porém, para a construção da adutora Costa Norte, a Casan busca R$ 40 milhões. A estatal também estuda a possibilidade de capatar água do rio Tijucas.
(Por Mônica Amanda Foltran, ND, 01/06/2011)
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