Em Florianópolis há uma cidade que pouca gente vê. Prédios que fazem parte de sua história vão aos poucos sendo engolidos por uma profusão de placas, fachadas postes, rede elétrica, edifícios altíssimos. Numa era de rotina tecnológica, a noção de percepção do cenário urbano parece não fazer mais parte do dia a dia das pessoas, que transitam pelo Centro urbano da capital catarinense praticamente sem olhar para aquilo que faz parte de seu tempo e, de certa forma, de suas próprias histórias.
Fala-se muito na vocação turística da cidade, hoje restrita às praias da região insular. Muitas áreas do Centro praticamente inexistem nos roteiros de quem a visita, contrariando na qual o turismo está centrado nos locais históricos. Em Florianópolis, muitos prédios tombados por lei estão escondidos por tapumes ou fechados. Os que foram recuperados não abrem nos finais de semana. O Palácio Cruz e Sousa e seu acervo só pode ser visitado de segunda à sexta, em horário comercial.
Sábado e domingo é dia de nada na região central da Ilha. Apenas as pombas sobrevoam o abandonado Largo da Alfândega. Das edificações que ajudam a contar a história, a maioria espera por restaurações que não saem do papel, ou sob a recorrente alegação de falta de verbas ou por disputas entre as famílias e o Estado, em litígios que dependem de decisões na Justiça. Enquanto isso, relíquias da memória local estão, literamente, tombando, indo ao chão. Exemplo já clássico é a casa de Hercílio Luz, local onde, no começo do século 20, foram tomadas as decisões e selados acordos que mudaram os rumos do Estado.
Mesmo diante desse descompasso, há verdadeiras joias preservadas. O traçado do que se convencionou chamar Centro Histórico é o mesmo de 1628, quando o bandeirante Dias Velho desembarcou na Ilha com a missão de criar uma póvoa. À beira-mar, ordenou que aos quinhentos índios que trouxe com ele que construíssem a igreja, uma “casilona” para instalar-se como administrador e a praça. O desenvolvimento registrado a partir do final do século 19 e a consequente descaracterização colonial, pouparam ruas como a General Bittencourt, com seus sobrados, e a Victor Meirelles, onde está a casa em que nasceu o artista onde funciona o museu que leva o nome do pintor, mas que penaliza quem gostaria de conhecê-lo no final de semana, quando suas portas ficam fechadas.
No século 18, os portugueses instalaram os fortes para proteger a Ilha dos ataques de invasores, principalmente os espanhóis. São um rico legado, que no Centro é formado pelo Forte Santa Bárbara. Não pode ser visitado porque suas salas estão destinadas a um órgão público. Sob a Ponte Hercílio Luz, o Forte Santana está preservado e aberto à visitação, mas tem sinalização deficiente.
Há ainda locais mais conhecidos e visitados, como a Alfândega, imóvel recentemente restaurado. Cartão-postal e roteiro dos turistas, o vizinho Mercado Público espera por reforma. As portas também são fechadas ao meio-dia de sábado. Na Catedral, a restauração vai, aos poucos, revelando o passado encoberto por tintas e outras intervenções. Quem quiser conhecer um pouco mais da história precisa esperar a segunda-feira.
(DC, 19/03/2011)
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